É preciso que se leve em conta os desafios impostos durante os anos em que a ideia foi adotada em São Paulo
Celso Ming, O Estado de S.Paulo
15 Novembro 2017 | 21h00
A volta da Inspeção Veicular em São Paulo, cujo projeto de lei está sendo examinado pela Câmara Municipal, não está levando em consideração graves problemas que adviriam da aplicação da lei, não só para os paulistanos, mas, também, para pessoas de outros municípios que precisam passar pela cidade.
A novidade do projeto de lei é a de que não obriga apenas os moradores de São Paulo. Também os proprietários de veículos de transporte de pessoas e de carga estão sujeitos a punição, inclusive táxis e veículos que usam aplicativos, se ficar comprovado que seus veículos não rodam dentro das regras de controle da qualidade do ar. As multas previstas são de R$ 3,5 mil para veículos leves e de até R$ 5 mil para veículos pesados.
O atual prefeito João Doria quer que a nova lei alcance todos os veículos de outros municípios que utilizem as vias da cidade. Com isso, tenta suprir grave defeito da lei anterior, promulgada durante a gestão de Gilberto Kassab, mas revogada no mandato de Fernando Haddad, que é se ater aos veículos do Município de São Paulo.
Essa limitação produzira então duas distorções. A primeira foi a de levar moradores de São Paulo a emplacar ou a transferir seus veículos aos municípios vizinhos. Haddad reclamava, então, de que apenas essa migração provocara evasão de R$ 320 milhões em participação do Município no IPVA (cobrado pelo Estado). A segunda distorção derivara do fato de que cerca de 25% dos veículos que rodam diariamente em São Paulo são de outros municípios. Entre eles, estão caminhões que trazem ou levam cargas para outras partes; veículos dos municípios vizinhos (dormitórios), como Barueri, Cotia ou Mairiporã; e carros pertencentes a locadoras, com chapa de Curitiba ou Belo Horizonte. São Paulo é enorme corredor nacional. Quase todos os veículos que provêm do Sul e vão para o Norte e vice-versa e os que demandam os portos e deles venham, têm de passar por São Paulo. E há também aqueles que procuram as praias do Estado. Toda essa gente que depende desses trajetos não estava sujeita à inspeção, o que solapou o objetivo da lei anterior.
Mas não estão essas entre as principais razões que levaram Haddad a acabar com a inspeção veicular. Foi o custo para o dono do veículo, não o da prestação do serviço, mas o que vinha depois. De acordo com os números da Controlar, que à época foi a concessionária da prestação do serviço, 20% dos veículos submetidos à inspeção eram reprovados no primeiro teste. Essas reprovações impunham reparos, que poderiam custar cerca de R$ 100, caso se tratasse de coisa simples, como troca de mangueira, mas podiam chegar a até R$ 4 mil, se exigissem retificação ou troca do motor. Esse novo custo atingia principalmente os proprietários de veículos da periferia, portanto, parcela importante do eleitorado do prefeito.
Essas questões não estão sendo devidamente levadas em conta por Doria e pelos vereadores paulistanos que agora parecem ansiosos por aprovar as novas exigências. Não basta botar numa lei municipal dispositivo que obrigue moradores de outros municípios a respeitar critérios de emissão de gases nos motores de veículos. É preciso, também, montar amplo esquema que fiscalize, comprove infrações e imponha as tais pesadas multas.
Tudo isso exige comandos que parem veículos de outros municípios, sujeite-os a uma espécie de bafômetro para escapamentos, emitam as multas correspondentes que depois serão cobradas, sabe-se lá como. Se o Município tem dificuldade em cobrar multas por infrações ao rodízio por veículos de outros municípios, imagine o que é cobrar de R$ 3,5 mil a R$ 5 mil por desrespeito à nova lei.
Diretores do Sindicato das Empresas de Transporte de Cargas de São Paulo já denunciaram outro tipo de distorção: “Como um caminhão que traz cargas da Argentina faria a inspeção veicular antes de chegar à cidade? Como um transportador de abacaxis do Nordeste, e que vem uma vez na vida à cidade, teria de fazer?”, perguntou o conselheiro do sindicato Manoel Sousa Lima.
Esses problemas avisam o que Haddad já concluíra quando prefeito: não é viável inspeção veicular com lei apenas municipal; teria de ter âmbito nacional.
Questão adicional. Embora também tenha de ser combatida, a emissão excessiva de gases tóxicos provavelmente não é o problema maior da frota nacional de veículos, cuja idade média é de 9 anos e 3 meses. Nada menos que 25% da frota paulistana circula em condições irregulares, sem licenciamento, com pneus, freios e amortecedores em mau estado, sem seguro obrigatório e acumula falta de pagamentos de IPVA e de multas. Isso sugere que o principal problema a atacar é, na verdade, a falta de segurança mínima na circulação dos veículos.
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