Vencedor do Nobel de Economia defende alta de impostos dos mais ricos para reduzir rombo nas contas públicas
Entrevista com
Oliver Hart, Nobel de Economia
Luciana Dyniewicz, O Estado de S.Paulo
03 Novembro 2017 | 05h00
O britânico Oliver Hart recebeu o Prêmio Nobel de Economia, em 2016, por suas colaborações à teoria dos contratos. Seus estudos apontam que privatizações podem não ser benéficas em alguns casos, como o de prisões de segurança máxima, porque os contratos firmados entre governo e empresa são incompletos, apresentando lacunas que permitem às empresas reduzirem os investimentos em prol de lucro maior.
Em entrevista ao Estado por telefone, o professor de Harvard diz ser “cético em uma privatização motivada pela necessidade de caixa” do governo, como no caso da Eletrobrás, e defende a elevação de impostos (e não o corte de gastos dos governo) como principal medida para redução de déficit fiscal – o que, admite, não é uma “posição popular”.
O governo brasileiro planeja privatizar a maior estatal elétrica do País, a Eletrobrás. A empresa tem prejuízo e há a intenção de o governo fazer caixa com a operação para reduzir o déficit fiscal. Como o sr. vê uma privatização com esse pano de fundo?
Não sou conhecedor da situação brasileira, então só posso falar de uma forma generalizada. Sou cético em relação a uma privatização motivada pela necessidade de caixa. O principal argumento para privatizar deve ser que a empresa pode funcionar de forma mais eficiente. Esse é o lado bom de uma privatização. O ruim é que a empresa pode não funcionar para atender o interesse público e usar seu poder de monopólio para aumentar preços, assumindo que essa é uma empresa enorme. A companhia privada persegue lucros mais do que qualquer coisa.
Com base nessa situação, o que o governo deve levar em conta na elaboração do contrato de licitação?
Há coisas que o governo pode fazer no campo da regulamentação, é assim que acontece nos Estados Unidos, mas não sei quão efetiva a regulamentação é – essa é sempre uma pergunta a ser feita. A regulamentação é como um contrato em que o governo pode dizer como os preços devem se comportar. Esse é um modo de evitar problemas de monopólio.
Em um de seus artigos, o sr. diz que, em caso de um banco ir à falência, o Estado deve se preocupar em ‘resgatar’ indivíduos, e não bancos. No Brasil, o governo estuda permitir que o Tesouro Nacional injete dinheiro em bancos em dificuldade. Como o sr. vê a proposta?
O ideal é, se o banco está com problemas, você ter certeza de que os consumidores estão bem. Não é salvar o banco, mas os depositantes. Mas bancos têm muitos credores: têm os consumidores e os bondholders. Esses últimos, não tem de salvar. Porque, se as pessoas fazem investimentos e sabem que o governo sempre vai fazer o resgate quando necessário, elas têm incentivo a não serem cuidadosas e o banco tem incentivos para tomar riscos de forma excessiva. Para mim, se essas instituições têm ciência de que o governo fará o resgate, então você precisará de um mercado mais regulado (que impeça grandes riscos).
O sr. acha que os resgates feitos pelo governo americano durante a crise de 2008 foram completamente errados?
Completamente errado talvez seja muito forte. Não sabemos o que teria acontecido se o resgate não tivesse sido feito. Muita gente acha que isso foi ótimo e salvou o sistema, mas eu sou cético. Minha análise é que o resgate gerou raiva e houve quem sentiu que pessoas ricas estavam sendo ajudadas e pobres, não. Isso é um dos fatos que fizeram com que o populismo aumentasse nos EUA. Primeiro veio o Tea Party e, depois, a eleição de Donald Trump.
Antes de Trump ser eleito, o sr. afirmou que ele poderia ser um desastre para economia. Como vê o governo Trump hoje?
Tem sido um desastre para os Estados Unidos e para o mundo, mas, em relação à economia, pouca coisa aconteceu. De certo modo, é surpreendente: as bolsas estão indo bem e o desemprego está baixo, mas acho que isso é uma continuação do que fizemos antes (no governo de Barack Obama). A bolsa pode estar indo bem em parte porque as pessoas esperam menos regulamentação e talvez impostos corporativos mais baixos. Mas, em termos gerais, o governo Trump é terrível. Não falo só de economia. O presidente parece ser capaz de começar uma guerra nuclear, o que é aterrorizante. Tem também a saída dos EUA do acordo de Paris e ele talvez cancele o Nafta (Acordo de Libre Comércio da América do Norte). Se isso acontecer, haverá um impacto negativo na economia americana. Mas, até agora, o que ele mais fez foram discursos inflamatórios que pioraram a atmosfera no país.
Como o sr. vê a equipe econômica de Trump. Por exemplo, como o conselheiro econômico Gary Cohn tem se saído?
Acho, em geral, a equipe muito fraca. Não quero falar de alguém em particular.
As privatizações do presente e do passado que causaram polêmica no Brasil
Mas é um time fraco tomando decisões equivocadas?
Tem muita falação, mas eles estão caminhando em direção ao protecionismo. Isso ainda não aconteceu, mas parece ser o plano deles. Dei o exemplo do Nafta. Isso para mim, vai na direção errada. Restrições para exportar e importar reduzem o produto agregado.
O sr. já afirmou que as políticas de Trump poderiam resultar no aumento do déficit fiscal e da desigualdade. O déficit brasileiro está aumentando, qual a melhor política para reduzi-lo: aumentar impostos ou cortar gastos do governo?
Sou a favor de aumentar impostos, o que não é uma posição popular. Não todos os impostos. Não sou contra a redução dos impostos corporativos, mas sou a favor de impostos de renda mais altos. Para reduzir déficit e desigualdade, precisamos de impostos mais altos para os ricos. Acho que alguns gastos do governo são importantes, como em infraestrutura. Mas os governos precisam ter cuidado para não acabar só colocando um monte de dinheiro no setor privado. É preciso ter certeza de que, quando se faz o contrato com a empresa, foi feito por bom preço.
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