Membros do Poder Judiciário parecem operar num mundo acima da Constituição
O Estado de S.Paulo
21 Novembro 2017 | 03h06
O Poder Judiciário é o último esteio com o qual a sociedade deve contar para a proteção de direitos individuais e coletivos. Quando tudo parece lhes faltar, é à Justiça que os cidadãos recorrem para a salvaguarda de seus direitos.
É precisamente este sofisticado sistema de moderação de conflitos, com base em normas e leis supostamente conhecidas e respeitadas por todos, que representa um dos pilares sobre o qual está erigido o Estado, cuja finalidade precípua é a busca do bem comum e a garantia da paz social.
Não por acaso, a opinião que a sociedade tem a respeito do Poder Judiciário, em geral, tende a ser mais positiva do que o que se pensa dos Poderes Executivo e Legislativo. Entretanto, esta liderança do Judiciário em uma imaginária “competição” pelo afeto popular vem sendo comprometida recentemente por desvirtuamentos praticados por membros do próprio Poder, que, alheios à realidade do País a que devem servir, parecem operar em um mundo de plena disponibilidade material, orçamentos flexíveis e inesgotáveis e livre edição de normas que pretendem estar acima da Constituição.
Organizando-se como se pertencessem a castas que parecem ter sido concebidas para a defesa de seus próprios interesses materiais, e não institucionais, alguns membros do Poder Judiciário agem como aproveitadores da fé que os cidadãos devotam à Justiça, e nela depositam seus anseios e esperanças, para emplacar pleitos que estão longe de representar uma justa melhoria de condições para o exercício da atividade que exercem.
Acumulam-se no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) mais de 5.500 pedidos de autorização para criação de novos cargos no Poder Judiciário ou pagamentos de gratificações a servidores públicos da Justiça, categoria profissional que já tem um dos mais altos patamares de remuneração do serviço público. Caso sejam aprovados, esses pedidos, somados, representarão um impacto anual de R$ 606 milhões no Orçamento. Um escândalo diante do quadro de desajuste das contas públicas que o governo vem, a duras penas, tentando reverter.
De acordo com uma reportagem do jornal O Globo, o Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT) é o órgão recordista de pedidos ao CNJ, com cinco solicitações entre 2013 e 2016. Os requerimentos são para a criação de mais 1.117 cargos e gratificações para a Justiça do Trabalho, sendo 15 cargos de juiz para o preenchimento de novas varas do trabalho nos Estados da Bahia e do Maranhão. Em seguida, com quatro pedidos, está o Tribunal Superior do Trabalho (TST), que requereu, entre 2015 e 2016, a criação de 1.387 novos cargos e gratificações.
As solicitações de apenas estes dois órgãos da Justiça do Trabalho representam, caso sejam aprovadas, um aumento de R$ 304 milhões nos gastos da Justiça, a metade de todo o volume de recursos que esperam pela aprovação do CNJ.
Não é de estranhar que em muitos setores da sociedade há quem defenda a extinção da Justiça do Trabalho e a incorporação de seus quadros e funções pela Justiça Federal.
Os pedidos feitos pela Justiça do Trabalho são tão somente os mais gritantes. Há outros, tão desconectados da realidade do País como aqueles, que provêm do Superior Tribunal de Justiça (STJ), do Superior Tribunal Militar (STM), do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), além dos pleitos apresentados pelos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal.
A cegueira da Justiça deveria se limitar aos fatos que possam se interpor entre o juiz e a lei, comprometendo a imparcialidade do seu julgamento. Mas o que se tem nos casos em tela, para prejuízo da sociedade, é a cegueira deliberada em relação à realidade econômica do País, para não dizer do resgate da moralidade pública que tem ocupado corações e mentes dos brasileiros nos últimos anos.
É preciso ficar claro, de uma vez por todas, que a divisão dos Poderes deve servir não só para os bônus, mas também para os ônus. E o momento impõe sobriedade e higidez dos servidores públicos, seja a que Poder pertençam.
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