quarta-feira, 3 de agosto de 2016

Saudades de Zé Dirceu - ROSÂNGELA BITTAR

VALOR ECONÔMICO - 03/08

Na reta final do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, as forças políticas, tanto as prováveis vencedoras, como as derrotadas certas, começam a dar espaço à inquietude difusa. Por isso, talvez, deixem aflorar sentimentos menores que, de uma maneira não surpreendente, porém constrangedora, se expressam nos dois lados da luta.

Destacaram-se os condutores do processo, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski, e o presidente do Senado, Renan Calheiros. Acertaram uma data para o julgamento final que entra pelo mês de setembro e isso não tem outra explicação racional a não ser atrapalhar a viagem do presidente Michel Temer ao exterior, para estrear no G20. Ontem ensaiaram um recuo, e não se conhece ainda o calendário prevalente.

Além do referendo internacional que o novo presidente do Brasil poderia ganhar nesse encontro (aqui leia-se a obrigatória ressalva da confirmação das previsões na votação do impeachment) Renan e Lewandowski, com sua decisão, impediram também o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, de estrear a cadeira de presidente da República em exercício, em substituição a Temer que não tem vice.

As pressões e contrapressões no Congresso, para aproveitar os estertores do poder de barganha máximo que já tiveram com um governo, revelam desde o exibicionismo tonitroante de alguns relatores de projetos de interesse do governo à arrogância brega de velhos fregueses da fisiologia enraizada.

Mas o máximo da disfunção ainda deve está por vir, correndo ao seu encontro o ex-presidente Lula, a presidente Dilma e os petistas da linha de frente contra o impeachment no Congresso. Esses fazem jus à dramática situação do partido-perdido, o PT, cujo desgaste se torna superlativo nesse fim de jornada. Também estão à deriva, e quem não parou de falar, prefere a inconsequência.

Resolveram retomar as derrotadas teses de golpe na defesa final da presidente e nos votos em separado, além de abraçar a proposta de degola geral e irrestrita que Dilma pretende fazer em carta à Nação, na qual proporá um plebiscito convocando eleições gerais para que deputados, senadores, governadores, presidente interino e quem mais tiver mandato venham ao seu encontro no abismo.

Não se suportam mais sequer as piadas, O advogado da presidente foi levar as alegações finais ao protocolo e soube que, no registro sequencial, a última documentação tinha o número 170. Preferiu não esperar dois minutinhos para entrar alguém com um documento qualquer. Apôs à defesa de Dilma o 171.

Dilma tenta mostrar uma força que não tem, está esticando a corda ao máximo, e o país, suas instituições estáveis, todos, estão tendo uma paciência imensa com a presidente. Ela até parece querer, às vezes, uma reação mais truculenta, talvez para justificar a pirraça e os argumentos do golpismo. Ainda dá tempo?

Dilma resolveu, também, liquidar seu único defensor, o PT, e diante da delação da Andrade Gutierrez que revelou ter sido cobrada por tesoureiros de sua campanha em 2014, a presidente ateou o fogo ao amigo. Ela não sabia, pergunte ao PT.

Mas as empresas não temem quem está fora do poder, e delação é mesmo para dizer a verdade. Assim, nominaram dois de seus braços direitos, Edinho Silva e Giles Azevedo, como os pedintes, tirando-lhe o direito à negação.

No comportamento do ex-presidente Lula, a palavra mais adequada para definir este momento do salve-se se puder é choque. Foi estarrecedor, não só para juristas, acadêmicos, políticos, diplomatas mas, sobretudo para os ainda fiéis e esperançosos no resgate do PT, seu recurso à Organização das Nações Unidas, contra o Brasil.

Lula não está afastado da vida política, como pensam muitos. Foi durante um discurso político que se defendeu, semana passada, do processo por obstrução da justiça, aberto em Brasília. Ao saber do fato, pediu que provassem que o apartamento do Guarujá e o Sítio de Atibaia são dele. Desinformado até sobre o teor da acusação daquele momento, deixou seguir o baile.

Ele pode até não ser candidato em 2018 - ontem assegurou que será - mas tem andado por aí falando ao PT e a quem mais quiser ouvi-lo. Se não for, apoiará algum outro que possa dar nova vida ao partido. Para Lula não tem outra solução, é a política. Ou alguém o imagina em casa, em tempo integral, ou voltando a ser metalúrgico? Continuará político.

Mas passava pela cabeça de um adversário ou mesmo de um aliado que o presidente da República do Brasil por oito anos, que fez a sucessora que governou plenamente por seis anos, portanto 14 longos anos com as rédeas institucionais, tivesse a inacreditável ideia de denunciar o Brasil à ONU por ser um Estado que não garante seus direitos?

Seria esdrúxulo se não fosse muito sério. O que salva a Nação do ridículo maior é que a linguagem da diplomacia filtra tudo. No máximo do máximo, se a ONU julgar procedente a representação de Lula e seus advogados e políticos amigos conselheiros, dirá o quê? "Brasil, envide esforços para...."

Os assessores de Lula e os assessores de Dilma acham que ainda podem enfrentar um cenário desses só no gogó. Quantos petistas têm repetido nas últimas semanas a frase inacreditável: "Ah, que saudades do Zé Dirceu". Está na cadeia, é verdade, mas tinha senso, inteligência, organização, estratégia política, eixo, responsabilidade partidária. Um reconhecimento tardio, no contraste da adversidade.

Michel Temer, o presidente interino, não passou incólume pela tormenta, mas foi quem mais escapou do ridículo. O auge de sua baixa performance, por enquanto, foi ter ido buscar o filho na escola. Francamente, para um garoto de 7 anos, recém-chegado a uma cidade estranha, numa escola bilíngue no meio do cerrado, no primeiro dia de aula, em onde não conhece ninguém e não tem um só amigo, o mínimo era ser buscado pelo pai e pela mãe. Sendo ele presidente interino, deputado distrital ou jovem professor de relações humanas.

Depois, a imprensa não foi convocada, ou obrigada a registrar a cena. Foi porque quis, os personagens não mandam na pauta da imprensa que os registras, é ela que escolhe reportar o que acha que é notícia.

Se Temer ficasse só nisso, então, viva!

Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília.

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