Paula Merkell é moderna, descolada e sutilmente misteriosa. Formada em moda, está no auge dos 28 anos e é muito popular. Em seu perfil do Facebook, solicitações de amizade pululam como flashes num show do Restart. Em dois meses foram cerca de 100, acompanhadas por flores virtuais, poemas e saudações enviados por amigos pixelizados de todo o país. Para os mais próximos, a notícia a seguir será um tanto dolorosa: sim, Paula Merkell não existe.
A musa não passa de uma marionete eletrônica de breve existência. Diferentemente de outros perfis falsos que se multiplicam pela rede, o de Paulinha não pretendia promover marcas, xeretar a vida alheia, buscar alvos para crimes ou colher dados para campanhas promocionais. Foi criado com o propósito único de amealhar mil amigos, meta que cumpriu em 56 dias.
Aos marmanjos que insistiram para a jovem postar fotos pessoais, causará mais aflição saber que a pessoa no comando de Paulinha é homem. Mas que não se martirizem. O avatar da jovem foi criado para figurar como um pires de mel ofertado aos súditos de Mark Zuckerberg. As pequenas armadilhas começaram já na escolha do nome. Brasileiro, simples e despojado, secundado por um sobrenome forte, emprestado da chanceler alemã Angela Merkel, com um “L” a mais no final, para minimizar o risco dos homônimos.
Inspirada em Andy Warhol, Paula protegeu-se escolhendo como foto de identificação uma colorida e sensual face de Marilyn Monroe. O restante do perfil seguiu blasé e descompromissado. Uma descolada com pitadas de erudição de almanaque. Empregadores? “Eu mesma”, opção compartilhada por 323 pessoas. Televisão? Paulinha não vê, como outros 2,7 mil usuários, reais ou fictícios. Cidade natal? Algo inusitado para dar um toque de realismo: Sacramento, na Califórnia. Nos livros, duas unanimidades da literatura mundial (Cem Anos de Solidão e Ensaio Sobre a Cegueira), um eterno moderninho (O Apanhador no Campo de Centeio) e um toque de luxúria (Delta de Vênus) – um atrativo para internautas interessados em curtir mais do que apenas suas atualizações de status.
Para completar a fachada, a srta. Merkell precisava de amigos. Afinal, perfis solitários despertam suspeitas. O primeiro adicionado foi o próprio titereiro no comando de Paulinha. Ele a aceitou com uma mensagem de “Bem-vinda”, ao que a moça – no caso, ele mesmo – respondeu com um simpático “Antes tarde do que nunca, né?”.
Iscas devidamente posicionadas, hora de testar a arapuca. Qual uma desinibida garota no recreio do primeiro dia de aula, Paulinha partiu em busca de amizades. Mas no mundo virtual das aparências nada é tão simples, e convém planejar com prudência cada passo.
ara iniciar sua complexa rede de relacionamentos, nossa personagem escolheu um talento em ascensão da literatura brasileira contemporânea – uma escritora jovem, bonita e talentosa. Como personalidade pública, a autora deve ter tomado Paulinha por uma fã, e logo aceitou o pedido de amizade. A partir daí, sempre seguindo as sugestões do Facebook de “pessoas que você talvez conheça”, a sedutora falsária disparou pedidos de amizade em abundância, ainda que regidos pelos critérios de um certo padrão de bom gosto. Priorizou usuários cujas fotos de perfil não contivessem bombados sem camisa, periguetes de biquíni, bonés para trás, correntes prateadas, garrafas na mão, animais de estimação e desenhos do Homer Simpson.
Em pouco tempo, uma dezena de internautas sucumbiu aos encantos de srta. Merkell, até que uma desagradável mensagem espocou na tela. Por enviar muitas solicitações a desconhecidos, Paulinha passaria quatro dias proibida de encaminhar novos pedidos. O Facebook não divulga o funcionamento de seus filtros. O especialista em segurança da internet Nelson Novaes Neto especula que programas da rede social trabalhem com curvas de comportamento. Se muitas pessoas recebem solicitações de amizade e não respondem, esse perfil entra numa lista suspeita, mesmo que ninguém o denuncie como falso.
Fosse Paulinha de carne e osso, poderia ter sofrido abalos emocionais. Como não existe, foi adiante. Cumprido o castigo, continuou adicionando toda e qualquer pessoa que não lhe parecesse ridícula em demasia. Com o tempo, passou a receber em seu mural mensagens de finalidade variada. Geralmente saudações simples, mas afetivas e carinhosas, como se dirigidas a uma pessoa conhecida. Na profusão de carências e manifestações insólitas de afeto das redes sociais, não faltaram também episódios pitorescos.
m poeta de Pirajuí, no interior paulista, enviou versos sobre a beleza da amizade. Um artista plástico de Campinas, para se diferenciar do banal “Paulinha” com que os navegantes saudavam a moça, sapecou logo um “Pablita” em sua mensagem de boas-vindas. Um escritor de Iporã, no Paraná, garantiu que a garota inexistente era “uma pessoa mais que especial” e desatou a lhe dirigir elogios, que se desdobravam em lições de autoajuda. No final, fez propaganda de seu primeiro livro, recém-lançado, e se dispôs a conversar sobre a obra. Por fim, uma senhora de São Paulo garantiu ter trabalhado com Paula Merkell numa agência de produções artísticas.
Com o esnobismo que cedo ou tarde se manifesta em moças bonitas – inclusive as inexistentes –, Paula seguiu em silêncio. Deliciada e orgulhosa, observou o número de amigos crescer em progressão geométrica. Gananciosa, seguiu acrescentando cada vez mais gente. O cérebro eletrônico do Facebook ainda tentou barrá-la e colocou-a em quarentena mais duas vezes. Mas não teve jeito.
No fim da tarde de 6 de dezembro, um mestre maçom de origem nipônica não resistiu à coceirinha na ponta dos dedos. Mesmo sem conhecer Paulinha, entrou em seu mural e escreveu: “Uau, sou o teu milésimo amigo! Seja bem-vinda, cara Paula! Abração.” Com a missão cumprida, nada impedia que fosse deletada. Mas preferiu seguir adiante. Em seu aniversário – no dia 25 de dezembro, em direta concorrência com Jesus –, Paula Merkell recebeu cinquenta mensagens de parabéns, felicidades, tudo de bom, muitos anos de vida. No fechamento desta edição, tinha 1 124 amigos. Supostamente reais.
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