quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Trabalho, emprego, custos e robôs

Os próximos anos serão marcados pela transição entre o trabalho manual e o automático na indústria
NUMA FESTA, sexta passada, o presidente da montadora disse que a empresa vai usar mais robôs na linha de produção.
04/08/2011
 

Trabalho, emprego, custos e robôsTrabalho, emprego, custos e robôs
NUMA FESTA, sexta passada, o presidente da montadora disse que a empresa vai usar mais robôs na linha de produção. Muito mais robôs. E em breve.
Não é que a empresa tem um robô, hoje, e serão cem no futuro. E o breve não é nos próximos 15 anos, é 2014. Até a Copa. Parece que tudo vai acontecer até a Copa.

O presidente é Terry Gou e a empresa é a Foxconn, maior empregador da China, com mais de 1 milhão de trabalhadores. Só uma de suas fábricas, em Shenzen, emprega meio milhão de pessoas.

A Foxconn também é o maior exportador chinês, fabricando sob encomenda para Apple, Nintendo, Intel e Microsoft.

A empresa já tem fábricas aqui e ganhou destaque com a negociação para trazer uma grande planta para o Brasil, que produziria equipamentos da Apple.

E Brasília reforçou que os 100 mil empregos previstos seriam "para brasileiros". Será que a FoxConn estaria pensando em empregar chineses, em massa, aqui?

Lá na festa, Gou disse que a Foxconn vai passar dos 10 mil robôs já em suas fábricas para 300 mil no ano que vem e 1 milhão em 2014.

E disse por que: o aumento do custo do trabalho China está diminuindo a competitividade e a lucratividade da empresa. Isso porque, depois do suicídio de 17 empregados, a Foxconn duplicou os salários dos montadores, que agora está perto de R$ 500.

Considerando que -mesmo duplicados- os salários chineses estão entre os menores do mundo e, mesmo assim, o maior fabricante mundial de eletrônicos diz que eles são muito altos, a ponto de justificar a substituição de humanos por robôs em suas linhas de produção, alguma coisa está mudando, de vez, na economia industrial.

Segundo Andy Grove, um dos fundadores da Intel, as economias devem ser centradas em criação, manutenção e evolução do trabalho e emprego (veja em http://bit.ly/qla21p).

Para Grove, boa parte do problema americano é o sumiço (para a China) do emprego industrial, inclusive o de baixos salários e complexidade como o das montadoras. Para cada empregado da Apple nos EUA, há dez chineses montando seus produtos na Foxconn.

Os próximos anos serão marcados pela transição entre o trabalho manual e o automático na indústria.

De um lado, pessoas realizando operações repetitivas que, em muitos casos, podem ser automatizadas. São indivíduos que têm expectativas, planos, desejos, projetos de vida, família e... os tais custos trabalhistas dos quais até a Foxconn, na China, reclama.

De outro, a automação. Tratada como a inovação na linha de produção, será financiada pelos bancos de desenvolvimento e programas de melhoria de competitividade.

E pode elevar a eficácia, a eficiência e os resultados dos processos industriais e de outros, entre as tantas coisas repetitivas e semi-humanas que ainda continuamos fazendo, como herança de um passado fabril e manual distante, em plena economia do conhecimento.

De um certo ponto de vista, a solução para os elevados custos trabalhistas em economias ineficientes como o Brasil pode ser a substituição do trabalho manual, nas fábricas, por robôs. Investido um certo montante, os custos operacionais caem para perto de zero.

Vai ver que era disso que o governo tratava quando dizia que os 100 mil postos de trabalho da fábrica-que-vem seriam para "brasileiros". Ou seja, pessoas, ao invés de robôs.

Sem gente na linha e com alguns outros incentivos, é capaz de uma fábrica de eletrônicos no Brasil ser mundialmente competitiva.

De outro ponto de vista, como diria Grove, precisamos todos de economias centradas em trabalho e emprego, com as redes de produção mais integradas, da concepção e projeto até a montagem fazendo parte do mesmo ecossistema. Pode ser, faz sentido.

Mas será que o trabalho da classe "Tempos Modernos" das montadoras de eletrônicos deveria ser parte da nossa contemporaneidade?

Durante quanto tempo ainda aceitaremos que não é o mesmo tipo de trabalho dos escravos nos engenhos de açúcar da colônia?... Daqui a quanto tempo diremos que é um trabalho "apenas para robôs"?...
 
SILVIO MEIRA, conselheiro do CDES, fundador do www.portodigital.org e cientista-chefe do www.cesar.org.br.
Publicado na Folha de S.Paulo

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