A agropecuária ocupa ainda um espaço tímido na rotina de quem não vive dela. Mas essa ponte começa a ser construída justamente pelo mercado financeiro.
O destaque nos jornais e nas conversas cotidianas, convenhamos, é diminuto, levando em conta que cerca de 27% da população ocupada do Brasil trabalha no agronegócio.
Na última sexta-feira (1º), aliás, quando foi noticiado o crescimento de 3,7% do PIB no primeiro semestre do ano — bem acima do esperado pelos especialistas do mercado financeiro — a agropecuária mereceu manchetes, com a alta de 17,9% do PIB relacionado à área. Mas essa não é a praxe.
Quem mora nos grandes centros urbanos ainda acha, por exemplo, que todo o investimento que se faz em previsão do tempo é para saber quando levar um guarda-chuva — na verdade, é para ajudar a prever a produção global de commodities como soja, milho e café.
Agora, o mercado financeiro começa a estabelecer novos elos entre a agropecuária nacional e os investidores. Instrumentos como os Fundo de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais (Fiagro) passaram a permitir o investimento em fazendas médias e em cooperativas, que antes acabavam restritas a buscar créditos nos bancos.
O mercado financeiro (ou seja, o nosso dinheiro), até então, é mais acessado pelas grandes empresas do agronegócio, seja através da emissão de ações na Bolsa de valores ou pela emissão de Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRAs).
Com os Fiagros, entretanto, gestores de fundos de investimentos passaram a destinar dinheiro de seus cotistas para produtores menores, pagando bons dividendos, como falei nesse texto aqui.
Mais retorno costuma trazer com mais risco. Assim como as novidades. O instrumento dos Fiagros, criado em 2021, ainda passa pelos seus primeiros testes e, neste ano, alguns "calotes" abalaram o setor.
São usinas de cana-de-açúcar que não conseguiram arcar com suas dívidas, produtores rurais que arrendaram terras vendidas anteriormente aos fundos... E por aí vai. O mais interessante nisso é que esse tipo de informação só começou a aparecer por conta dos relatórios desses fundos.
Em outras palavras: passou a ser possível enxergar mais uma camada da agropecuária nacional. O mercado financeiro é exigente em relação à transparência e à profissionalização dos negócios nos quais investe.
Um gestor de fundos imobiliários (FIIs) me disse que estava se preparando para entrar no mundo dos Fiagros, para captar dinheiro de seus cotistas e investir em propriedades rurais. Mas desistiu assim que recebeu a contabilidade das fazendas para análise. Não que houvesse rombos, mas eram muitos os pontos cegos.
O mercado está acostumado a exigir, antes de começar qualquer tratativa, que seus parceiros sejam auditados por empresas como Deloitte; PricewaterhouseCoopers (PwC); Ernst & Young (EY); e KPMG, as chamadas "big four". E criar transparência e governança será o próximo passo para o agronegócio acessar dinheiro de "gente como a gente".
A JBS divulgou, esses dias, um estudo segundo o qual a empresa e a cadeia produtiva ligada a ela são responsáveis por movimentar mais de 2% do PIB nacional. Se os players do agro quiserem crescer para reduzir essa concentração, essa é a hora de aumentarem a transparência e a governança. O investidor agradecerá — possivelmente comprando algumas cotas para investir em suas fazendas.