Para começar, uma confissão. Não sei a qual geração pertenço. Se for me definir pela data do meu nascimento, pertenço à geração perdida – no tempo. Mais especificamente, estava em Nova York quando as ruas se encheram de gente comemorando o fim da Segunda Guerra Mundial, com idade suficiente para entender a alegria do dia, mas sem idade para entender o significado maior da data. Começava a Era Atômica, e nomes como Hiroshima e Nagasaki passariam a fazer parte da biografia mesmo de quem mal entendia o que acontecera nas duas cidades arrasadas. Depois viriam as provas das atrocidades cometidas pelos nazistas, em Auschwitz e outros campos de extermínio na Europa. Minha geração, fosse qual fosse seu nome, era a primeira a dar de cara com horrores documentados, fotografados, explícitos de uma guerra mundial, e com exemplos antes inimagináveis da estupidez humana.
O alívio e a euforia com o fim da Segunda Guerra Mundial, e talvez a consciência da precariedade da nossa existência depois da destruição de populações inteiras em poucos segundos em Hiroshima e Nagasaki, deram origem a uma explosão demográfica no mundo e principalmente nos Estados Unidos, um “boom” de sexo, casamentos e fertilidade que criou a geração dos “baby boomers”. Economistas como Maynard Keynes prometiam que a economia mundial pós-guerra se comportaria racionalmente, novas entidades reguladoras de relações internacionais como a ONU asseguravam que jamais haveria condições para outra guerra, os “boomers” podiam se reproduzir à vontade e seus “babys” cresceriam num admirável mundo refeito.
Ainda existem “boomers” no mundo, o mundo é que não correspondeu às suas melhores expectativas. Na conferência realizada em Breton Woods logo depois do fim da guerra Keynes fez os melhores discursos em favor de economias organizadas e solidárias, mas o resultado prático da conferência foi a formalização da transferência do centro da economia mundial, da Inglaterra combalida para os Estados Unidos triunfantes.
Dar um pulo dos “boomers” aos “millennials” é pular sobre várias eras e gerações. O que os aproxima é a ciência da informática, que os “boomers” ainda pegaram iniciando, e os “millennials” hoje dominam. Se poderia tentar uma rápida filosofia sobre duas tragédias que marcaram as gerações dos “boomers” e a geração dos “millennials”, o começo da Era Atômica e as revelações sobre as atrocidades nazistas que os “boomers” traziam pelo menos numa vaga memória coletiva, e a destruição do World Trade Center, ainda viva na memória individual dos “millennials”, mas a analogia seria forçada.
Outra confissão: sou um analfabeto em informática. Uso o teclado do computador como o de uma máquina de escrever, recorro ao e-mail para correspondência rápida e ao Google para erudição instantânea. Para outros mistérios da máquina infernal, recorro ao filho ou filha mais à mão. A geração dos “millennials” já nasce sabendo tudo sobre computadores, internet e celulares inteligentes e aproxima-se o dia em que os “smartphones” serão mais inteligentes do que a gente, conversando entre si num código que só eles entendem e, claro, conspirando contra nós, que já cumprimos nosso dever histórico, inventando-os, e agora devemos desaparecer.
Já existe uma farta literatura premonitória sobre justamente isso, a tomada do poder por robôs indestrutíveis, que nos humilham em partidas de xadrez enquanto esperam o momento de nos eliminar. O cinema já usou, mais de uma vez, a ideia de focos de resistência se opondo aos robôs, recorrendo à guerrilha com bazucas e lança-chamas contra o inimigo onipotente. Mas, que eu saiba, ninguém ainda imaginou um roteiro em que os inimigos não sejam grandes robôs blindados, mas os pequenos celulares que as pessoas levam ao ouvido sem desconfiar que minirraios desmancharão seu cérebro em minutos. Segundo alguns, isso é exatamente o que os celulares vêm fazendo há anos, sem esperar pela ficção.
A geração “millennial” não dá muita atenção aos seus críticos. Sabe que o futuro é seu. O meu medo é que daqui a alguns anos batam à minha porta e seja a Polícia de Hábitos e Costumes, que veio me buscar porque ainda me recuso a aderir ao milleannismo, apesar dos protestos dos meus netos.
Nascido em 1936 em Porto Alegre, o escritor, humorista e músico Luis Fernando Verissimo começou a trabalhar como publicitário e revisor de jornal até iniciar a carreira literária, seguindo (ainda que distante) a trilha do pai, Erico Verissimo. Autor de mais de 60 livros, criou personagens que se tornaram referência como o Analista de Bagé, o detetive Ed Mort e os personagens da Família Brasil. É colunista do Estado.