quarta-feira, 3 de outubro de 2018

Menu indigesto, Antonio Delfim Netto, FSP

Não creio que haja algum cidadão razoavelmente informado no Brasil que não tenha a consciência do lamentável estado em que se encontram as nossas finanças e as consequentes tensões sociais que se vêm acumulando. 
Desde a grave crise mundial de 1979/80, não conseguimos reengrenar nosso crescimento. Em apenas dois momentos —um no governo Sarney (1985-1990) e outro no Itamar Franco (1992-1994)— crescemos mais do que o mundo: no primeiro, 4,2% contra 4,0%, em média; e, no segundo, 5,0% contra 2,7%.
Sarney nunca contou com o apoio do núcleo do partido que o havia admitido no jogo eleitoral oportunista, que, ao final, acabou elegendo Tancredo Neves. Teve um momento de glória com o Plano Cruzado, mas terminou com uma taxa de inflação de 1.621% em 1990. 
O pior foi que autorizou um estúpido “default” que atrasou uma década a negociação da dívida externa. Itamar fez um superávit primário de 5% do PIB e apoiou o então ilustre futuro ministro da Fazenda, Pedro Malan, a fechar o acordo da dívida externa. 
No mais, as coisas andaram muito mal em matéria de crescimento, apesar de reformas e melhorias institucionais que começaram com o governo Collor (1990-1992). Vimos o crescimento do nosso PIB reduzir-se a menos 1,2%, enquanto o mundo crescia a 2,8%. 
Na octaetéride fernandista (1995-2002) assistimos à execução do Plano Real, uma pequena joia em matéria de controle da inflação, iniciado por Itamar. Produziu avanços notáveis e uma tragédia: o instituto da reeleição. Após nos levar ao FMI duas vezes, terminou com um crescimento médio do PIB de 2,4% contra 3,5% do mundo.
O último surto de crescimento (ajudado pela melhoria das relações de troca) foi com Lula (2003-2010), mas, mesmo assim, crescemos em média 4,1%, praticamente igual ao mundial (4,2%), ou seja, ficamos parados. 
Com Dilma, o caldo entornou de vez: crescemos 0,4%, em média, contra 3,6% do mundo! A partir de 2012, tivemos o pior quinquênio do século em matéria de crescimento. Do segundo trimestre de 2014 ao quarto trimestre de 2016, nosso PIB per capita caiu mais de 9%. 
Seu governo deixou um rastro de “esqueletos”: 7.400 obras paradas pelo “festival” dos PACs e uma aventura no setor elétrico (MP 579) que ainda vai consumir mais de R$ 100 bilhões dos brasileiros.
Para encurtar a melódia. Entre 1980 e 2017, o PIB per capita do Brasil (em paridade de poder de compra de 2010) cresceu 30,6% (0,7% ao ano), enquanto o PIB per capita mundial cresceu 69,2% (1,4% ao ano). 
Sem crescimento nunca voltaremos ao equilíbrio. Com o triste menu que, parece, será servido nesta eleição, há sérias dúvidas se vamos recuperá-lo.​


Antonio Delfim Netto
Economista, ex-ministro da Fazenda (1967-1974). É autor de “O Problema do Café no Brasil”.

Eles, não, Ruy Castro , FSP

Opções de lugares onde passar os próximos quatro anos

Diante da probabilidade de ter de viver sob Lula, digo, Fernando Haddad, ou Jair Bolsonaro nos próximos quatro anos, andei consultando guias de viagem, cadernos de turismo e prospectos de agências em busca de ideias sobre para onde me escafeder, dentro das minhas possibilidades. O Brasil, certamente, não será um país salubre com essas facções no poder. Depois de concluir que não poderia ir muito longe, convenci-me de que a maioria dos lugares também tem seus problemas —ditaduras falidas, presidentes malucos, guerras religiosas, ameaças terroristas ou povos em fuga da miséria e morrendo no mar. 
Resolvi então procurar um lugar para onde pudesse ir sem sair da minha própria cabeça —um lugar imaginário, utópico, distante dos aborrecimentos que nos esperam. Há muitas opções: Atlântida, Avalon, Brigadoon, Camelot e a própria Utopia —mas esses vivem congestionados, todo mundo quer ir para lá. Resolvi procurar opções menos batidas. A ilha de Speranza, a cujas costas foi dar o náufrago Robinson Crusoe. Lilliput e Laputa, as ilhas de Gulliver. Kor, na África Oriental, em cujas cavernas reina Ayesha. E, naturalmente, Oz. 
Pensei em Opar, também na África, onde fica o tesouro de Tarzan. Bangalla, idem, na África, onde a dinastia do Fantasma mantém a paz há 400 anos. A chiquérrima Xanadu, onde moram Mandrake e a princesa Narda. E até mesmo Mu, o reino pré-histórico de Brucutu. 
Sempre tive vontade de conhecer Pasárgada, onde Manuel Bandeira era amigo do rei. E Maracangalha, para onde Dorival Caymmi ia de chapéu de palha e convidava uma certa Anália, e, quando ela não queria ir, ele ia só, de tão bom que era. 
Mas o melhor destino é a Terra do Nunca, onde nenhuma criança é obrigada a ficar adulta e até os piratas são benignos. Lá, em algum lugar para o qual não há a menor pista ou indicação, está enterrado o futuro do Brasil.
Mapa da Terra do Nunca do livro 'Peter Pan Escarlate'
Mapa da Terra do Nunca do livro 'Peter Pan Escarlate' - Reprodução