segunda-feira, 28 de maio de 2018

Desmatamento da mata atlântica é o menor desde 1985, diz levantamento, fsp

Reinaldo José Lopes
SÃO CARLOS
A derrubada de florestas na mata atlântica durante o ano passado foi a menor registrada desde os anos 1980, quando começou a monitoração sistemática das ameaças ao bioma.
Em 2017, o ambiente que predominava em todo o litoral brasileiro quando os portugueses aportaram aqui perdeu 12,56 mil hectares de cobertura florestal. Três décadas atrás, a perda média anual da floresta era quase dez vezes maior.
Em dois terços dos estados brasileiros onde a mata atlântica ocorre, houve redução do desmatamento no último ano, inclusive nos quatro estados que ainda desmatam mais (Bahia, Minas Gerais, Paraná e Piauí). Outros sete estados atingiram um nível considerado de “desmatamento zero”, com perda de área florestal igual ou inferior a cem hectares. Entre eles está São Paulo.
O levantamento dos dados de satélite sobre o desmate foi coordenado pela Fundação SOS Mata Atlântica e pelo Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, também responsável pelo monitoramento oficial do desflorestamento na Amazônia).
Apesar do registro comparativamente positivo, não se pode dizer que há uma tendência de queda consolidada do desmatamento no bioma, afirma Marcia Hirota, diretora-executiva da SOS Mata Atlântica. Os dados desta década por enquanto incluem várias oscilações – de 2015 a 2016, por exemplo, a taxa foi quase o triplo da do último período.
“De qualquer maneira, o dado serve para continuarmos cobrando o compromisso das autoridades para que ele se torne de fato uma tendência. A mata atlântica é o único bioma que tem uma lei específica para protegê-lo, então temos de exigir desmatamento ilegal zero”, diz ela. Uma hipótese natural para explicar a queda mais recente é a lentidão da economia brasileira, que diminuiria os atrativos de desmatar para a agricultura ou para a especulação imobiliária, mas esses mesmos fatores já estavam em ação alguns anos atrás.
Um conjunto de características faz com que a mata atlântica seja objeto de cuidado especial. Ela combina grande diversidade de animais e plantas, alto grau de endemismos (ou seja, espécies que só existem em suas matas, e em nenhum outro lugar do mundo) e impacto humano muito forte, já que 70% da população brasileira hoje vive em áreas em que predomina o bioma.
Estima-se que apenas 12,4% da cobertura florestal original da mata ainda esteja de pé, e boa parte desse total corresponde a áreas muito fragmentadas – pedaços de floresta com poucos hectares em propriedades particulares. Por isso, além da necessidade de zerar o desmatamento, muitos projetos buscam arquitetar corredores ecológicos que conectem os fragmentos de mata e permitam que animais possam transitar entre eles, em busca de parceiros, habitat e alimentos.
A medição periódica do desmate por satélite também tem mostrado que algumas áreas concentram de forma recorrente o grosso da devastação. São regiões como o sul da Bahia, o noroeste de Minas Gerais e o centro-sul do Paraná, por exemplo.
“Nesses estados mais críticos, a gente sabe há anos o que está acontecendo. Em Minas, por exemplo, a questão principal é a produção de carvão e a substituição da mata nativa pelo plantio de eucalipto”, explica Marcia. “Com isso, fica claro onde a Polícia Ambiental deve agir para controlar essa tendência.”   
A proximidade dos remanescentes da mata atlântica em relação aos principais centros urbanos do país significa que os chamados serviços ambientais da floresta – seu papel na polinização de lavouras, purificação de água para consumo humano e qualidade do solo, por exemplo – são importantes para a maior parte da população brasileira. Por isso, governos estaduais e municipais têm começado a implantar sistemas de compensação ou pagamento de serviços ambientais, remunerando produtores rurais que preservam a mata. 
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10 perguntas e respostas sobre a nova lei de regularização fundiária urbana, Por Rosane Tierno



Aprovada em julho deste ano em meio à polêmicas e críticas, a Lei  Federal nº 13.465/17 – antiga Medida Provisória 759 – alterou aspectos essenciais para a regularização fundiária urbana e rural. Pesquisadores e movimentos sociais apontam que nova legislação facilita a concentração fundiária, a grilagem de terras e extingue os critérios que asseguravam a função social da propriedade.
A quantidade de mudanças da legislação que substituiu a Lei 11. 977/09 trouxe dúvida para muita gente. Por essa razão, a Terra de Direitos, o Observatório das Metrópoles e o Núcleo de Estudos de Direito Administrativo, Urbanístico, Ambiental e Desenvolvimento (PRO POLIS), da Universidade Federal do Paraná (UFPR) promoveram, no dia 24 de novembro, uma oficina sobre a Nova Lei de Regularização Fundiária.
A atividade foi comandada pela professora Rosane Tierno, que também integra o Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico (IBDU). Rosane  é consultora em Direito Ambiental e Urbanístico, e tem participado de discussões sobre a nova lei em todo o país.
Pessoas de diversas áreas – como advogados, arquitetos, assistentes sociais – participaram da atividade, e puderam compartilhar seus questionamentos e interpretações. Algumas dúvidas são trazidas neste material, e foram respondidas durante a oficina. Você pode assistir o vídeo da atividade aqui.
Confira:
  1. Quais são as principais mudanças trazidas pela nova lei na regularização fundiária urbana?
Segundo Rosane Tierno, as alterações promovidas pela Lei nº 13.465/2017 são complexas. Aproximadamente 20 legislações foram alteradas – entre elas o Estatuto da Cidade e a Lei de Registro Públicos, por exemplo. Na prática, essa alteração acabou paralisando os processos de regularização fundiária que já estavam em aberto. 
A nova lei fixa um entendimento de regularização fundiária urbana como a simples titulação do imóvel, quando o conceito anterior previa uma série de medidas associadas a condições dignas de moradia e acesso à infraestrutura adequada. Na exposição de motivos da lei é possível compreender a escolha do legislador por uma concepção de cidade, remetendo à “eficiência”.
  1. Por que a lei é tão questionada por pesquisadores, urbanistas e movimentos sociais?
A lei federal 13.465 é criticada por ter nascido como medida provisória, portanto sem debate público. Especialistas apontam que não houve boa técnica legislativa, e que a nova regra é inconstitucional pois legaliza a grilagem, fere à autonomia dos municípios, e ignora o arcabouço normativo anterior. Também há críticas na alteração terminológica feita pelo novo marco legal, que substituiu conceitos caros à política urbana sem novos conteúdos técnicos. Exemplo disso é a substituição do conceito de ‘assentamentos irregulares’ por ‘núcleos urbanos’, ou nova denominação de regularização fundiária de interesse social que passa a ser Reurb-S, e a de interesse específico que passa a ser chamada de Reurb-E. A Lei 13.465 também já nasce velha: ao tratar dos aspectos do Licenciamento Ambiental, a legislação cita um artigo do antigo Código Florestal, que já foi revogado.
  1. Que tipo de ações foram realizadas para impedir as mudanças trazidas pela lei?
Enquanto ainda era medida provisória, entidades como o Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), a Associação Nacional dos Defensores Públicos (ANADEP), a FNA (Federação Nacional dos Arquitetos e Urbanistas), e o FNRU (Fórum Nacional da Reforma Urbana) questionaram o conteúdo da MP com notas e recomendações. Após aprovada, já enquanto lei federal, a Procuradoria Geral da República propôs uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), seguida de outra proposta pelo Partido dos Trabalhadores. Ambas tramitam e aguardam julgamento pelo Supremo Tribunal Federal.
  1. E como fica o Município em matéria de regularização fundiária?
A atual legislação afronta a autonomia municipal em termos de política urbana. Exemplo disso é permitir a regularização de conjuntos habitacionais e cortiços sem obrigatoriedade do Habite-se, documento que certifica as condições de moradia do imóvel expedido pelo Executivo municipal. Além disso, a nova lei dispensa a necessidade de que os núcleos urbanos se situem em áreas demarcadas como Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS), sem condicionar a regularização fundiária ao zoneamento.
  1. Quais as diferenças da legitimação fundiária e legitimação de posse?
A legitimação de posse ocorre para garantir a posse de moradores. A legitimação fundiária, por sua vez, é uma nova forma de aquisição originária de propriedade, como um reconhecimento administrativo do usucapião.
  1. Legitimação de posse e legitimação fundiária poderão ser aplicadas em áreas públicas?
Há previsão expressa de legitimação fundiária em área pública ou privada na lei. Já a legitimação de posse somente se aplica à imóveis privados, quer se trate de Reurb-S ou Reurb-E. A possibilidade de regularizar imóveis em áreas públicas foi denunciada como uma criação jurídica para que imóveis de alto padrão em Brasília fossem legalizados, especialmente condomínios fechados construídos em áreas da União. Esse é um dos principais fatos discutidos na Ação Direta de Inconstitucionalidade ADI 5771, já que a Constituição Federal veda expressamente a possibilidade de usucapir imóveis públicos.
  1. Como funciona a Demarcação Urbanística, de acordo com o novo marco legal?
A demarcação ficou totalmente ausente da versão da MP759, tendo sido incluída posteriormente graças à pressão da sociedade civil no Congresso. Foi incorporada em termos semelhantes aos da lei anterior, enquanto procedimento administrativo destinado a identificar os imóveis públicos e privados abrangidos pelo núcleo urbano informal e a obter a autorização dos titulares das matrículas dos imóveis ocupados, culminando no registro na matrícula destes imóveis da viabilidade da regularização fundiária, a ser promovida a critério do Município. 
  1. Como as solicitações individuais de regularização fundiária são contempladas dentro da nova lei?
A Lei 13.465 oferece abertura para pedidos de regularização fundiária individuais. Essa modalidade antecipa uma série de dificuldades que a Administração Pública deve enfrentar com o processamento de pedidos individuais. Recomenda-se, no entanto, que sejam priorizados os casos coletivos. Afinal, a regularização prevê uma série de medidas voltadas à coletividade, para além do título da terra.
  1. A Lei 13.465/2017 adota uma dicotomia entre urbano e rural para a regularização de ocupações?
A nova lei adota um entendimento de área urbana conforme sua finalidade, pouco importando se, formalmente, o assentamento objeto da regularização fundiária esteja localizado na área rural. Nesse sentido, o conceito de regularização fundiária urbana da Lei 13.465/2017 engloba também imóveis situados na zona rural que possuam ocupação e destinação urbanas. Há quem afirme que essa disposição viola o instrumento básico da política urbana, os Planos Diretores, adentrando na seara do direito agrário.
  1. Quais os impactos da nova lei para conflitos fundiários urbanos?
A nova lei traz inovações para além da simplificação e flexibilização dos processos de regularização fundiária. Prevê, por exemplo, a possibilidade de Reurb em área que seja objeto de litígio, desde que celebrado acordo judicial ou extrajudicial homologado por juiz (Art. 16, parágrafo único). Outra mudança é a criação das Câmeras de Mediação de Conflitos, onde se tentaria alcançar uma solução negocial para o litígio. O receio levantado por Tierno é nos casos em que o município é parte do conflito fundiário, na qualidade de proprietário, e ao mesmo tempo mediador.

Ser amado por ela perdidamente, Pondé na FSP

SÃO PAULO
Talvez uma das experiências mais avassaladoras na vida seja a de ser amado perdidamente por alguém. O amor romântico é uma das coisas que mais me encantam na vida, principalmente na nossa época, em que a recusa do amadurecimento lança o amor romântico no quarto escuro do mito.
O cinema sempre lidou com esse tema como um sucesso seguro, apesar de o tratamento quase sempre ter sido infantil. O amor romântico é uma das experiências mais avassaladoras que alguém pode viver, e não necessariamente te faz bem.
Ilustração para a coluna de Luiz Felipe Pondé
Ilustração para a coluna de Luiz Felipe Pondé - Ricardo Cammarota
Sabemos que a definição medieval comum era “maladie de la pensée” (doença do pensamento). Uma forma de obsessão descrita como sempre infeliz, apesar de bela. A pessoa sábia fugiria do pathos amoroso como o Diabo foge da cruz. O conselho vale ainda hoje: olhe pra baixo, fuja, evite, o pathos amoroso é devastador.
O mais comum é pensá-lo na chave “eu a amo perdidamente e o que isso me causa”: penso nela o tempo todo, fico triste quando ela não responde minhas mensagens ou fico nas alturas quando percebo que ela também me ama.
Mas como fica quando “ela me ama perdidamente e o que isso me causa”? O mais fácil, no caso do cinema, é cairmos nas tramas obsessivas de homens e mulheres “stalkers” querendo matar seus objetos de amor negados. O filme de Paul Thomas Anderson “Trama Fantasma”, com Daniel Day-Lewis e Vicky Krieps, foge dessa armadilha. Tampouco se trata de uma ode sofisticada ao sadomasoquismo à la ”50 Tons”, como pensaram algumas almas pobres de espírito.
Não. Ser amado perdidamente por ela pode ser uma das experiências mais restauradoras da vida. O risco de sofrimento é inevitável, como toda vez que a vida se mostra nua diante de alguém. 
 
Posso me descobrir capaz de coisas que nunca soube ser graças ao olhar e ao cuidado que ela me revela a cada dia. 
O cuidado de uma mulher é mais erótico do que uma lingerie. E, numa idade já madura, quando tendemos a saber com alguma certeza o que somos, o que gostamos e o que detestamos, o “desencaixe” que a beleza causa quando se manifesta nesse cotidiano instituído pode ter um efeito mesmo devastador. Mas, no caso, a tempestade é de beleza, e não de horror.
O grande Dostoiévski (1821-1881) acreditava que a “beleza salvará o mundo”. Mesmo assim, devemos manter junto ao nosso coração a possibilidade de que a beleza também pode causar medo. Principalmente quando não estamos acostumados a tê-la ao nosso lado.
As cenas em que a personagem Alma, representada por Vicky Krieps, olha profundamente apaixonada para Reynolds (estilista inglês famoso e milionário nos anos 50 representado por Daniel Day-Lewis) materializam justamente essa invasão da beleza na vida de alguém. 
Reynolds é um homem de enorme sucesso profissional, beirando os 60 anos de idade. Nesse caso, a instituição da vida “no seu devido lugar” tende a ser maior ainda. A rotina do sucesso tem uma gravidade arrasadora sobre os afetos. Alma é uma mulher por volta de 30 anos, corajosa e apaixonada. Duas qualidades que, quando se encontram numa mulher, fazem dela um vulcão.
Ser amado perdidamente por uma mulher é um ato concreto na vida. Tem a consistência de uma pedra. Não é uma abstração. Alma invade a vida de Reynolds, às vezes de modo delicado, às vezes de modo tímido, às vezes de modo (mortalmente) violento e perigoso (esse é o dado que confundiu as almas pobres de espírito que compararam o filme a tramas sadomasoquistas).
Alma, ainda que sofrendo muitas vezes por conta da reatividade de Reynolds à sua presença decidida a cuidar dele, enxerga aquilo que só a dedicação de um amor maduro vê. 
Ela vê o que está por trás da escravidão do sucesso, da competência, da irritação com a mediocridade e a banalidade das pessoas à sua volta, da obsessão pelo silêncio, enfim, da solidão que é sua única e verdadeira companheira até ela aparecer em sua vida.
São muito poucos os arroubos românticos no filme. Sua síntese plena está na fala inicial de Alma, quando ela conversa com o médico que aparecerá ao longo da história: segundo ela, Reynolds deu a chance de ela chegar a ser o que sempre quis e fazer da vida como sempre quis e, em troca, ela deu a ele cada pedaço de si mesma, do corpo e da alma. 
Reconhece-se o amor aqui como a beleza que transfigura o cotidiano. O que muitos duvidam ser possível.
Alma não é uma louca. O amor verdadeiro de uma mulher é que se tornou incompreensível para nós. E a natureza feminina, quase opaca.


    Luiz Felipe Pondé
    Pernambucano, é escritor, filósofo e ensaísta. Doutor em filosofia pela USP, é professor da PUC e da Faap.