segunda-feira, 21 de abril de 2014

Momento crítico - FRANCIS BOGOSSIAN E MARCIO PATUSCO


O GLOBO - 21/04

Setor de comunicações vive situação dramática


Após ter sido erguido praticamente do nada com a criação da Embratel e com a Telebras, nas décadas de 1960 e 1970, quando a integração nacional pelos sistemas terrestres, cabos submarinos e por satélite foi efetivamente realizada em nosso país, o setor de telecomunicações passa por uma situação dramática. Antes olhado como orgulho nacional, reconhecidamente um segmento de acertos da era militar, passa agora por um momento crítico. Pesquisa e desenvolvimento inexistem, a indústria nacional do setor está desmantelada, os serviços não atendem adequadamente ao cidadão, tarifas das mais altas no mundo, operadoras de telecomunicações líderes de reclamações nos órgãos de defesa do consumidor, serviços não adequadamente universalizados, importações indiscriminadas de equipamentos e falta de uma política industrial são alguns fatores que contribuem para a grande transformação de eficiência que o setor enfrenta.

No período pós-privatização, o Ministério das Comunicações e a Anatel não conseguiram fazer esse ecossistema funcionar para beneficiar a sociedade com serviços de qualidade e incentivo a uma cadeia produtiva que pudesse criar desenvolvimento tecnológico. Não por falta de arrecadação. As receitas brutas das operadoras de telecomunicações superam anualmente os R$ 200 bilhões, o quarto mercado de receitas do mundo. Um verdadeiro paraíso para as tão combalidas finanças das diversas operadoras multinacionais que aqui atuam e que remetem para suas sedes quase a totalidade de seus lucros, em vez de investirem em melhorias de suas infraestruturas locais, como noticiou O GLOBO em 09/03/2014.

Também não é por falta de previsão orçamentária. Os impostos setoriais criados para universalização, fiscalização e desenvolvimento das telecomunicações, que estão na casa dos R$ 10 bilhões por ano, vêm sendo seguidamente contingenciados para formação de superávits primários, deixando o setor sem os recursos necessários para implementação de políticas públicas adequadas. O resultado é uma balança de pagamentos com déficit de cerca de US$ 33 bilhões no setor eletroeletrônico em 2013, o setor com uma participação de 4% no PIB, enquanto em países desenvolvidos é de cerca de 12%, a industria nacional com fornecimentos de 2% do mercado, enquanto em 1997 era de 43%, tarifas maiores do que outros 92 países, 62º lugar em implementação de recursos de telecomunicações e informática, e um abismo de inclusão digital entre as diversas regiões do país.

Alegações de alta carga tributária e manifestações de júbilo pelo número crescente de terminações, sejam elas fixas ou móveis, não conseguem apagar o desconforto a que a população está submetida. A desindustrialização por que passa o país é grave. No setor de telecomunicações saímos de exportadores a importadores em uma década. De balança comercial positiva a negativa crescente. A maioria das empresas fabricantes fechou, faliu ou foi comprada por multinacionais. Postos de trabalho foram suprimidos ou substituídos por outros de menor qualificação. Vemos a necessidade de uma ampla discussão no sentido de encontrar um caminho de retomada das telecomunicações nacionais envolvendo segmentos do governo, sociedade civil e empresários.

Por que reformar a previdência? - BERNARD APPY


O Estado de S.Paulo - 21/04

Usualmente o debate sobre a necessidade de reforma da previdência tem como referência o enorme custo fiscal dos benefícios previdenciários - que tendem a crescer à medida que a população envelhece. Esse é um tema extremamente importante para o Brasil, mas não é o tema deste artigo.

Neste artigo (e nos próximos dois artigos) buscarei mostrar como o atual modelo de previdência social no Brasil tem distorções que fazem com que os benefícios da previdência social pública se afastem de sua função social, que é a de garantir que pessoas que perderam a capacidade de auferir renda não fiquem desprotegidas. Essas distorções geram riscos e ampliam de forma relevante o custo para a sociedade de financiamento do sistema.

O tema deste artigo é o das pensões por morte. A pensão por morte é o valor pago aos dependentes do segurado, no caso de morte deste. Usualmente os dependentes são a própria família - cônjuge e filhos menores - do segurado.

Quando pensamos na função social da previdência, a razão da existência da pensão por morte é preservar ou, no mínimo, evitar uma piora relevante da qualidade de vida dos dependentes do segurado que faleceu.

No Brasil, a legislação que regulamenta a previdência social estabelece que o valor da pensão por morte é de cem por cento do valor da aposentadoria recebida pelo segurado que faleceu, caso ele já estivesse aposentado, ou da aposentadoria por invalidez que teria direito a receber, caso ainda estivesse trabalhando. No caso do regime geral de previdência social (INSS), o valor mensal da aposentadoria é de no mínimo um salário mínimo e no máximo o teto do salário de benefício, hoje fixado em pouco menos de R$ 4.400. Para os servidores públicos, na maior parte dos casos, o valor da aposentadoria é o próprio salário do servidor.

Pela legislação brasileira, o valor da pensão é distribuído em partes iguais entre todos os dependentes. Quando algum dos dependentes perde o direito à percepção do benefício, como por exemplo quando um filho menor do segurado completa 21 anos, a parte a ele devida é rateada entre os demais dependentes. Isto significa que o valor da pensão é mantido integralmente até que o último dependente do segurado venha a falecer ou perca o direito ao benefício.

Embora não seja evidente, este modelo de cálculo e de distribuição da pensão por morte afasta-se claramente do que deveria ser a função social da previdência. Este ponto fica claro quando tratamos de algumas situações específicas, o que é feito a seguir.

A primeira situação é o próprio cálculo do valor inicial da pensão. Quando o segurado morre, há uma redução no número de pessoas da família. Neste contexto, o valor necessário para manter a qualidade de vida da família é inferior ao que era necessário anteriormente. Como o valor da pensão é integral, isto significa que (para os segurados que são funcionários públicos ou para aqueles cuja renda é inferior ao teto do salário de benefício - que é a maioria da população brasileira) há um aumento na renda per capita da família. Obviamente, este grau de proteção vai além do que é justificável pela função social da previdência, que é a de preservar a qualidade de vida dos dependentes.

Nos sistemas de previdência da grande maioria dos países, o valor inicial da pensão por morte é fixado em um montante inferior ao da renda (ou da aposentadoria) do segurado. Em alguns países este ajuste considera apenas o número de dependentes. Em outros se considera também a renda dos dependentes.

A segunda situação que merece ser comentada é quando os filhos menores alcançam a maioridade (pela legislação aos 21 anos) e se tornam independentes. Neste caso, a parcela da pensão devida aos filhos que alcançam a maioridade reverte para os demais dependentes. Trata-se de uma situação semelhante à primeira, ou seja, a renda per capita dos dependentes que seguem recebendo a pensão aumenta, assim como sua qualidade de vida.

A título de exemplo, no caso de uma família de quatro pessoas (marido, mulher e dois filhos) em que apenas o marido trabalha, sua renda sustenta quatro pessoas. Caso ele venha a falecer, a pensão será equivalente a sua renda e sustentará três pessoas. Quando os dois filhos alcançarem a maioridade a pensão será mantida integralmente, mas passará a sustentar apenas uma pessoa.

Também neste caso, na maioria dos países há uma redução na pensão por morte quando os filhos menores alcançam a maioridade.

Por fim, a terceira situação que vale mencionar é aquela em que o dependente tem perfeitas condições de trabalhar e gerar renda. Este é o caso, por exemplo, de uma esposa jovem e sem filhos de um segurado que venha a falecer.

Na maioria dos países do mundo, em uma situação como esta, a pensão por morte é paga para a esposa apenas por um período (que pode ir de alguns meses a alguns anos). Após esse período se entende que a pessoa que recebe a pensão tem condições de trabalhar e auferir renda para seu sustento.

No Brasil, num caso como este, a esposa do segurado recebe uma pensão integral vitalícia, ainda que venha a trabalhar ou a se casar novamente.

Em nosso país, portanto, os benefícios de pensão por morte são maiores do que aqueles que seriam justificáveis pela função social da previdência. O custo desses benefícios é suportado por toda a sociedade, na forma de uma carga tributária maior, de menores despesas em outras áreas (como educação ou saúde), ou de uma maior dívida pública.

Por esta razão, justifica-se rever o atual modelo de cálculo das pensões por morte no Brasil. Obviamente, é politicamente muito difícil rever o valor dos benefícios já concedidos, mas no mínimo seria necessário rever as regras para a concessão de novos benefícios.

Voltarei ao tema da previdência em meus próximos artigos.

Crimes de opinião - PAULO GUEDES


O GLOBO - 21/04
Se cultivasse um pomar, eu não seria repreendido. Mas, pelo pastoreio da alma, pelo cultivo da mente e do intelecto, sou devorado
A Páscoa celebra a ressurreição do Crucificado. O mestre da Boa Nova morreu como viveu e como ensinara. Sua prática foi o que ele deixou à humanidade. Sua conduta perante os acusadores, perante os juízes, perante os carrascos e perante toda espécie de calúnia e ultraje. Também seu comportamento na cruz. O reino de Deus não é algo que se espere; não tem um ontem nem um amanhã; não virá dentro de mil anos; é uma experiência do coração e está em toda parte , reconhece mesmo um autodeclarado anticristo.
Pois bem, o cristianismo foi muito além da moral de escravos, ressentidos e decadentes denunciada por Nietzsche. Transfigurou-se em manto sagrado, acolhendo um atávico e universal sentimento de solidariedade. Lançou também as sementes de um futuro de igualdade entre os homens. Fincou as raízes da civilização ocidental, frondosa árvore milenar que lança aos céus o humanismo e as ciências, a democracia e os direitos humanos, a liberdade religiosa e a educação laica, entre muitos outros galhos da modernidade.

Distância oceânica entre as lições de Cristo e a prática da Igreja. Às 5 horas e 30 minutos da manhã de sua execução, em 19 de fevereiro de 1600, Giordano Bruno foi levado acorrentado, vestindo uma túnica branca até o tornozelo. Dia de festa em Roma, o caminho apinhado de curiosos. Conforme avançava a procissão, Bruno reagia à multidão zombeteira com citações de seus livros e ditos dos antigos. Um longo espeto de metal foi então enfiado na bochecha esquerda, prendendo sua língua, saindo pela bochecha direita. Outro espeto foi enfiado verticalmente, furando seus lábios. Juntos, os espetos formavam uma cruz. Hereges eram queimados com madeira seca e pouca fumaça, para não sufocarem. As chamas queimando-os e cauterizando as feridas, até envolvê-los, causando a morte pelo choque. Na última tentativa de salvar sua alma, um padre inclinou-se sobre o fogo com um crucifixo, mas Bruno virou a cabeça , registra Michael White, em O papa e o herege (2002).

Por também imaginar outras possibilidades - um Brasil livre e republicano, como a América do Norte -, no dia 21 de abril de 1792 foi enforcado, decapitado e esquartejado Tiradentes. Se cultivasse um pomar, eu não seria repreendido. Mas, por cultivar a mente e o intelecto, sou devorado , reconhecia Bruno ante a Inquisição.