quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Revolucionário ou apenas mais um - RICARDO MEDEIROS


CORREIO BRAZILIENSE - 02/01

Francisco ganhou a batalha pela opinião pública. Com espírito desarmado, sorriso no rosto e ação conciliadora, em apenas nove meses, o papa recobrou a simpatia que a Igreja Católica perdeu nos anos de Bento XVI. Adotou tom de maior tolerância com quem a doutrina vê como desviados e de mais respeito com outras religiões, além de promover reformas administrativas na Cúria Romana. Mas as mudanças anunciadas até agora são de forma, não de conteúdo. Nem de longe é possível considerar seu pontificado revolucionário, como analistas vêm fazendo apressadamente.

Não se trata de minimizar o que Francisco tem dito e feito, mas de dar o devido peso a suas palavras e seus atos. Bento XVI, seu antecessor, costumava apontar o dedo inquisitorial para identificar desvios de conduta, especialmente em outras confissões religiosas e no comportamento de homossexuais e divorciados ou em qualquer coisa que fugisse à ortodoxia católica. Francisco estendeu a mão ao outro, sob o argumento de que somos todos "pecadores". Para quem está do lado de cá dos portais das catedrais, certamente é melhor ser tratado de forma amena do que encarado como inimigo.

"Quem sou eu para julgar?", perguntou Francisco, e todos se encantaram com a demonstração de humildade. Nada de fundo se alterou, porém. Jorge Mario Bergoglio é tão conservador quanto Joseph Ratzinger em relação à doutrina, mas consegue embrulhá-la num papel mais suave. O papa argentino, tal qual o alemão, acredita que manter relações sexuais com pessoas do mesmo sexo contraria as leis divinas e que, por isso, quem comete esse "pecado" e não se arrepende está condenado à danação eterna. Ambos concordam que mulheres são indignas de ordenação, que sacerdotes não podem ter vida sexual e que métodos contraceptivos devem ser proscritos.

O deslumbramento com o primeiro papa jesuíta e latino-americano é tamanho, não só no Brasil, que muitos nem se deram conta: a fórmula "quem sou eu para julgar" é pura condescendência, no pior sentido do termo. A recusa em sentenciar se dá de uma posição pretensamente superior, de quem acredita estar certo, mas trata quem discorda de maneira paternalista, passando-lhe a mão na cabeça. Essa piedade papal dificilmente pode redundar em avanços na luta por direitos básicos de homossexuais, como o de casar, adotar crianças ou andar nas ruas sem temer ser alvo de violência gratuita.

Muitos dirão que a Igreja Católica nunca se modernizará, pois, se o fizer, deixará de ser uma referência sólida. Que mal faria modificar uma ideologia que exclui e marginaliza? Se instituições e pessoas não evoluíssem, ainda seríamos caçadores nômades que conquistam mulheres pela força do porrete. As colunas da Basílica de São Pedro não se moveriam nem um milímetro caso o papa resolvesse anunciar que nada há de errado no amor entre duas pessoas do mesmo sexo ou numa relação que se segue a um matrimônio malsucedido. Tanto num quanto noutra, há apenas a busca da felicidade.

Os alicerces da civilização ocidental continuariam os mesmos se, porventura, o bispo de Roma afirmasse que filhos são muito bem-vindos, mas devem ser adiados até que os pais tenham condições psicológicas e materiais de os orientar. Nenhum fiel se imolaria na Capela Sistina caso mulheres pudessem ser ordenadas, exercendo a vocação pastoral de forma plena, e se a padres e solteiros fosse permitido usufruir da dádiva do desejo. Abraçando as diferenças de forma sincera, não como quem lida com incapazes, a Igreja cresceria moralmente, pois estaria concretizando o mandamento do amor.

Quem usar o propalado discernimento jesuíta concluirá que Deus, retrato da suprema sabedoria e da infinita bondade, se existir, não estará preocupado com assuntos comportamentais como os condenados pela Igreja. É desnecessário estudar teologia para intuir isso. Basta consultar a própria consciência, na qual o certo e o errado estão gravados, e empregar o senso de proporção. Insistir numa postura que desconhece a complexidade dos seres humanos é mais do que lhes dar as costas, é deixar de reconhecer neles a centelha da divindade.

Francisco contribui para reduzir a tensão entre a Igreja e as pessoas que ainda lhe dão importância. Insistindo na volta à simplicidade, no conforto espiritual e na ajuda aos pobres, ele retorna à missão indevidamente abandonada. Pela via administrativa, combate a corrupção na Santa Sé e reduz os jogos de poder que minam a atuação pastoral. O papa representou, até agora, novo estilo, mas não pode ser qualificado como progressista - muito menos como revolucionário. Sem tentar, ainda que de maneira gradual, viabilizar reformas substanciais e de fundo doutrinário, a personalidade do ano da revista Time será apenas mais um a ocupar o trono de Pedro.

Vigília para o ano novo - CONTARDO CALLIGARIS


FOLHA DE SP - 02/01

A maioria dos turistas são apenas compradores; eles só tem uma experiência: a de comprar


O edifício principal da biblioteca pública de Nova York está na Quinta Avenida, entre as ruas 40 e 42.

É uma construção imponente, no estilo Beaux-Arts, como a Grand Central Station, e a sala de leitura é majestosa, como o átrio de Grand Central: o Beaux-Arts gosta de espaços enormes, altos e sem colunas de sustentação.

Não é um estilo pelo qual eu tenha uma paixão. Sempre achei um pouco pomposo, como tudo o que foi concebido e feito na época de Napoleão 3º e, logo depois, na Terceira República da França --a começar pela Ópera de Paris, que sempre me pareceu imitar um bolo de noiva.

Enfim, o fato é que os turistas, onipresentes em Nova York nestes dias, sobem a escada externa, tiram uma foto de lembrança com aqueles dois leões de mármore, que aparecem em tantos filmes, e penetram no edifício. Eles param para outra foto no átrio (onde se ergue uma grande árvore de Natal) e continuam pela escada interna; quando chegam ao segundo andar, atravessam a sala dos computadores públicos e encontram o espaço que lhes é reservado na entrada da sala de consulta ao catálogo.

Quanto ao acesso à sala de leitura, ele é protegido: os turistas ficam na porta, olhando, e um cartaz avisa que é bom manter o silêncio.

Estou em Nova York para ler algumas (ao menos) fontes primárias (do século 15, 16 e 17) sobre possessão diabólica --isso porque Carlo Antonini, protagonista de minhas ficções, encontrará um exorcista e um endemoninhado num futuro próximo. Restabeleci minha carta de leitor (que não usava há tempos) e minha autorização de acesso à divisão dos livros raros, a sala 328, que é um lugar fechado (é preciso bater à porta), pouco frequentado (sobretudo durante as férias) e com regras estritas: por exemplo, não se entra com sobretudo, pasta ou caneta (a sala fornece papel e lápis).

Estou lendo o relato do exorcismo de Nicole Obry (publicado pouco tempo depois dos fatos, em 1578), o "Flagellum Daemonum" (o flagelo dos demônios), de Gerônimo Menghe, que é um manual de exorcismo bem conhecido na época (1599), e "A Candle in the Dark" (uma vela no escuro), de Thomas Ady, que é um compendio das opiniões (já numerosas na época --1659) dos que acreditavam que não havia possessos, mas apenas enfermos.

Voltarei a escrever sobre exorcistas e endemoninhados. Hoje, o que me importa é a estranha experiência de ler na divisão dos livros raros da biblioteca pública de Nova York, neste fim de 2013.

A sala 328 se situa no fim da grande sala de leitura, longe dos turistas, mas, inevitavelmente, eu os cruzo quando chego e quando volto à sala do catálogo.

Turista sempre foi um termo pejorativo. Chamava-se assim quem viajava por diversão e, inevitavelmente, conseguia uma experiência superficial e chocha do lugar visitado. Hoje, aqui em Nova York, isso parece ser o de menos. A maioria dos turistas são apenas "shoppers", compradores; eles só tem uma experiência: a de comprar. Os que visitam a biblioteca pública entre uma loja e outra devem ser a nata da categoria; mesmo assim, adultos e crianças, quase escondidos atrás das sacolas que carregam, eles olham para mim como se eu habitasse uma outra dimensão. Talvez, eles encarem a biblioteca como um aquário, onde é possível observar uma espécie em via de extinção.

Não resisto à tentação de comparar os "shoppers" aos autores que estou lendo, para quem o mundo era um lugar complexo e interessantíssimo, em que cada opção comportava um risco radical, para a alma e para o corpo.

Sinto tristeza --pelo mundo transformado em bazar, pela miséria da experiência do "shopper" (para quem nem os objetos adquiridos tem relevância, só a estupidez do comprar) e por uma perda que afetará gerações, compradores produzindo compradores.

Entre 1 e 2 de janeiro, começarei o ano na vigília de poesia que acontece a cada ano, na igreja de Saint Mark. Pessoas ficarão na fila noite adentro, com uma temperatura prevista de 15 negativos, para conseguir um assento e passar a noite escutando 140 poetas.

No passado, na hora das catástrofes que ameaçavam a sobrevivência de uma comunidade (peste, invasões, fome), as pessoas se instalavam nas igrejas, em vigília, e pediam a ajuda de Deus contra a barbárie que estava às portas. A noite de poesia de St Mark é meu equivalente laico daquelas vigílias.

Gato recebe por sete meses benefício do Bolsa Família


24 de janeiro de 2009 | 9h 03

AE - Agencia Estado
Billy, um gato com 4 anos de idade, foi cadastrado no Bolsa-Família como Billy da Silva Rosa, e recebeu durante sete meses o benefício do governo, R$ 20 por mês. A descoberta ocorreu quando o agente de saúde Almiro dos Reis Pereira foi até a casa do bichano convocá-lo para a pesagem no posto de saúde, conforme exige o programa no caso de crianças: "Mas o Billy é meu gato", disse a dona da casa ao agente.
Ela não sabia que o marido, Eurico Siqueira da Rosa, coordenador do programa no município de Antônio João (MS), recebia o benefício do gato e de mais dois filhos que o casal não tem. Os filhos fantasmas faziam jus a R$ 62 cada, desde o início de 2008, quando Eurico assumiu o cargo.
O golpe foi identificado em setembro e o benefício foi suspenso. Eurico ainda tentou retirar Billy do cadastro e pôr o sobrinho Brendo Flores da Silva no lugar. Mas já era tarde. No início desta semana o "pai" do gato Billy acabou exonerado a bem do serviço público e está sendo denunciado à Justiça. O promotor Douglas Oldegardo Cavalheiro disse que o servidor terá de devolver o que recebeu ilegalmente. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.