Fernando Reinach
Quase 80% das calorias ingeridas pela humanidade têm origem em poucos vegetais. Se de repente o milho, a soja, o trigo e o arroz desaparecessem, provavelmente grande parte da humanidade morreria de fome em semanas. E, se você pensa que poderia sobreviver comendo um franguinho assado, lembre que um frango nada mais é que milho e soja empacotados na forma de ave. Na Ásia, essa dependência é ainda maior, pois grande parte da população obtém a maioria de suas calorias apenas do arroz.
Nossa dependência de um reduzido número de espécies ocorreu há uns 15 mil anos, com a descoberta da agricultura. Essa tecnologia permitiu a seleção de variedades cada vez mais produtivas de algumas poucas espécies de vegetais. Deixamos de vagar pelas planícies e comer um pouco de cada uma das centenas de vegetais disponíveis para nos alimentar exclusivamente das espécies domesticadas.
Nos últimos cem anos, muitas novas espécies da biodiversidade foram introduzidas no processo produtivo agrícola, mas nenhuma tem a chance de substituir os cereais clássicos. Esse fato tem levado muitos cientistas a duvidar da existência de outras espécies no planeta que possam um dia reduzir nossa dependência desses poucos vegetais. Agora, uma nova descoberta demonstra que existe valor nutricional na biodiversidade, mas não na forma de novas espécies e sim na forma de novas características.
Há muitos anos se sabe que o arroz plantado em todo o mundo tem uma capacidade muito baixa de absorver fósforo. O fósforo, junto com o potássio e o nitrogênio, é um dos principais nutrientes que as plantas precisam retirar do solo para poderem fazer fotossíntese. No início da agricultura, a humanidade utilizava somente solos ricos em nutrientes, pois as bocas a serem alimentadas eram poucas. Mas, ao longo dos últimos 200 anos, a população explodiu e a produção de alimentos teve de se expandir para solos mais pobres.
Além disso, muitas das áreas intensamente cultivadas - e às vezes pouco cuidadas - se tornaram menos férteis. Felizmente, descobrimos como produzir fertilizantes. Mas, se por um lado eles são usados de maneira abusiva em algumas áreas, os fertilizantes químicos são caros demais para muitas populações. No caso do fósforo, o problema é mais sério, pois as reservas conhecidas desse mineral são limitadas e não vão durar para sempre.
O fato é que grande parte das plantações de arroz que alimentam a Ásia possui baixa produtividade por causa da falta de fósforo no solo. Pior: quando existe somente um pouco de fósforo no solo, as variedades de arroz mais plantadas não são capazes de absorvê-lo.
Solução. Há alguns anos, um grupo de cientistas resolveu buscar uma solução para esse problema na diversidade de variedades remanescentes dos tipos antigos de arroz. Analisando esses cultivares abandonados há centenas de anos, eles descobriram, no oeste da Índia, uma variedade denominada kasalath, que, apesar de ter vários problemas, possuía uma grande qualidade: era capaz de crescer em solos com pouco fósforo.
Após muitos anos de pesquisa, o gene responsável por essa característica, chamado de PSTOL1, foi descoberto, isolado e agora, finalmente, um arroz transgênico contendo esse gene foi produzido. E, para a felicidade dos cientistas (e da humanidade), ele é capaz de crescer na presença de muito menos fósforo.
O interessante é que esse gene não está presente em nenhuma das variedades modernas de arroz, portanto não está na sequência do genoma do arroz que foi determinada há alguns anos. Por isso, ninguém suspeitava de sua existência.
Mas como ele teria desaparecido das variedades modernas de arroz? Cientistas creem que nossos ancestrais, quando selecionaram suas variedades, cruzando as espécies nativas e selecionando as mais produtivas, fizeram esses testes em regiões onde a terra era muito fértil e rica em fósforo. Nessas condições, esse gene não influencia na produtividade da planta - portanto, seu efeito não foi detectado pelos agricultores primitivos. O resultado é que as variedades modernas acabaram sem o gene e sua falta só foi notada quando a cultura do arroz se espalhou para áreas pobres em fósforo.
O plano é cruzar as variedades modernas com a kasalath e produzir novas variedades comerciais, menos dependentes de fósforo. Com isso, será necessário menos adubo, o custo de produção deve cair e, se tudo der certo, talvez menos pessoas passem fome.
O mais importante é o que essa descoberta nos ensina o valor da biodiversidade. Se os agricultores do oeste da Índia não tivessem preservado toda as formas primitivas de arroz (sua biodiversidade), esse gene teria se perdido. É um bom exemplo de como existe valor real na biodiversidade e por que é tão importante preservar variedades e espécies que aparentemente não têm utilidade direta para os humanos.
* BIÓLOGO
MAIS INFORMAÇÕES: THE PROTEIN KINASE PSTOL1 FROM TRADITIONAL RICE CONFERS TOLERANCE OF PHOSPHORUS DEFICIENCY. NATURE, VOL. 488, PÁG. 535, 2012
quinta-feira, 27 de setembro de 2012
A modernidade da agricultura brasileira
Participei ao lado do ministro e embaixador da Comissão Europeia, João Pacheco, e do conselheiro do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, Robert Hoff, do painel “Políticas Públicas para a Agricultura”, tema debatido no primeiro Global Agribusiness Fórum, evento que reuniu, em São Paulo, mais de 700 líderes e especialistas do setor para discutir a globalização da agricultura e a sustentabilidade.
O agronegócio é o setor econômico mais importante do Brasil. A atividade responde por 29% de tudo o que é produzido no país, gera 37% dos empregos e quase o dobro do nosso saldo comercial.
Destaquei no fórum que embora o agronegócio tenha se tornado estratégico para a economia brasileira, o setor ainda não conquistou o apoio da opinião pública urbana, apesar da sua eficiência – comprovada pelos consecutivos recordes de produção – e da modernização das relações de trabalho no campo.
É preciso reconhecer que nos últimos anos o agronegócio deu um grande salto de qualidade, fruto de um processo de mais de 20 anos. Teve início em 1990, com o Plano Collor, que promoveu a abertura comercial sem nenhuma proteção e a falência das políticas públicas protecionistas, o que exigiu a profissionalização do nosso agropecuarista e, mais tarde, com o Plano Real, que possibilitou a estabilização interna da moeda.
Mas os desafios para o futuro são grandes: o Brasil precisa superar as limitações estruturais do agronegócio para manter esse setor da economia em expansão. Retomar os investimentos para atender à crescente demanda mundial por alimentos — 20% nos próximos 10 anos, de acordo com dados da FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação) —, é um dos principais desafios.
Pelo menos três áreas merecem atenção para que o agronegócio mantenha a atual participação em relação ao PIB no que diz respeito à implantação de políticas públicas para o setor. Defendi no fórum que as questões essenciais para dar suporte à atividade são condições macroeconômicas favoráveis, melhoria da logística e política constante de inovação tecnológica.
A estabilidade do câmbio é essencial, assim como a manutenção da política de juros baixos, com ênfase em medidas para assegurar o crédito e garantir o acesso aos seguros agrícola e safra. Completa a lista a adoção de uma política clara de comércio internacional, que também passa pela união dos setores público e privado, e de novos acordos bilaterais.
Para o agronegócio continuar em expansão, temos ainda que investir prioritariamente no modal ferroviário e hidroviário para tornar o transporte eficiente e facilitar o armazenamento e o escoamento da produção agrícola. A logística é estratégica para o setor e, nesse contexto, o modelo de concessões e PPP (Parceria Público-Privada) adotado pelo governo federal na área de transporte pode dar novo impulso a atividade e também aumentar a competitividade.
A busca pela produtividade tem de ser acompanhada por investimentos constantes em inovação, em novas tecnologias e pesquisa. O aumento do vínculo entre empresas, universidades e centros de excelência em pesquisa agropecuária, como a Embrapa, deve ser o principal alvo das políticas públicas para a agricultura brasileira.
Além disso, chamo a atenção para a urgência de o país adotar mecanismos que no médio prazo eliminem a sua dependência externa no que diz respeito à importação dos insumos indispensáveis à indústria de fertilizantes.
Uma política macroeconômica equilibrada, acompanhada de políticas públicas apropriadas para oferecer ao setor a logística indispensável à sua expansão e a inovação tecnológica com alvo na fronteira do conhecimento visando à competitividade, são os temas que considero estruturantes para o agronegócio manter sua pujança na economia nacional, gerando renda, emprego e divisas para o país.
Pelo que representa para a economia, o setor não pode ficar a mercê do improviso, de medidas pontuais e paliativas. As políticas públicas precisam ser pensadas e executadas dentro de um projeto nacional levando-se em conta a vantagem competitiva do país em energias renováveis, no pré-sal e, evidentemente, na agricultura.
A agricultura tem de ser tratada de forma mais estratégica porque é o nosso grande diferencial competitivo, uma oportunidade para nos firmarmos como o maior produtor de alimentos e energia renovável do planeta.
ARNALDO JARDIM - Deputado Federal (PPS/SP)
Presidente da Frente Parlamentar Mista em Defesa da Infraestrutura Nacional
A pacificação do funcionalismo público
Ministra-Chefe do Ministério do Planejamento, Mirian Belchior, considera que as demandas do funcionalismo público estão pacificadas pelos próximos três anos, após acordo definindo regras de reposição de salários – e aceitos por categorias representando 96% do funcionalismo.
Disse que algumas centrais sindicais disseram nunca ter conseguido acordo de prazo tão prolongado no setor privado.
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Mirian justificou aumentos diferenciados para algumas categorias prioritárias, como as universidades federais e o setor militar. Mas informa que o atendimento de todas as demandas iniciais dos sindicatos, dobraria o custo da folha, como proporção do PIB.
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Mirian considera que o maior empecilho aos investimentos públicos no país é a carência de projetos técnicos – tanto da parte da União, estados e municípios, quanto do setor privado.
Durante décadas, o setor público se organizou para impedir investimentos, seja por conta da crise fiscal dos anos 80, seja por conta da obsessão por superávits primários nos anos 90 e 2.000. Além disso, várias gerações de engenheiros foram absorvidas pelo mercado financeiro ou em funções menores.
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Quando o governo decidiu iniciar os programas de investimentos, deparou-se com enorme carência de projetos executivos (aqueles mais detalhados), seja para grandes obras, seja para obras municipais de saneamento.
Esta foi a razão de, no início, parte relevante dos recursos para saneamentos não ter sido demandado pelas prefeituras.
Depois, gradativamente as obras começaram a ganhar ritmo. “É um trabalho extenuante”, admite ela, “mas que é plenamente compensado quando se conferem os resultados no PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios).
De acordo com a pesquisa, divulgada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) a rede coletora de esgoto alcançou mais 3,8 milhões de domicílio entre 2009 e 2011 – passando de 59% para 62,6% dos domicílios. No Norte o aumento foi de 63,8%, passando de 547 mi para 896 mil unidades.
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Sem projetos executivos, para impedir maiores atrasos, foram feitas licitações com projetos básicos (sem o detalhamento final), muitas vezes insuficientes para entender todas as dificuldades dos projetos. Foi como se trocasse pneu sem parar o carro.
Mesmo assim, diz Mirian, no PAC 1 já se conseguiu implementar 96% dos recursos previstos. E o PAC 2 está em pleno andamento.
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Desde o “Avança Brasil” – no governo FHC – tenta-se avançar em formas superiores de coordenação de despesas, através de comissões interministeriais.
A partir do PAC 1, criaram-se salas de situação para analisar e conduzir cada grande projeto. Juntam-se numa sala representantes dos diversos ministérios, autarquias, eventualmente estados e municípios envolvidos. Reúnem-se todos, identificando todos os problemas envolvidos, encaminhando soluções e definindo responsabilidades a cada qual. Depois, assinam um documento com a especificação das responsabilidades.
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Foi dessa maneira que definiram-se as grandes obras de infraestrutura do centro-oeste, explica Mirian, rebatendo críticas de alguns especialistas, de quem não teriam sido obedecidas as análises de fluxos de mercadorias na região.
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