sexta-feira, 10 de junho de 2011

Só a escola tira da pobreza


06 de junho de 2011 | 0h 00
Carlos Alberto Sardenberg - O Estado de S.Paulo
Não se mede o sucesso de um programa tipo Bolsa-Família pela quantidade de pessoas beneficiadas. É certo que o programa tem o objetivo imediato de aliviar a pobreza corrente e oferecer um mínimo de conforto para as famílias mais necessitadas. Mas isso não retira as pessoas dessa condição. Elas continuam dependendo do dinheiro do governo. Nesse caso, trata-se de assistência social, não de um programa de redução e eliminação da pobreza. Como esse objetivo poderia ser atendido?
A medida essencial está no progresso escolar das crianças atendidas. A ideia básica para esses programas, desenvolvida no âmbito do Banco Mundial, partiu do seguinte ponto: as famílias mais pobres transmitem a pobreza a seus filhos porque não têm recursos para mandá-los para a escola ou porque precisam do rendimento do trabalho dessas crianças. Sem educação formal, estas não encontram bons empregos e, assim, não têm como escapar da pobreza.
Daí o nome técnico do programa - Transferência de Renda com Condicionalidades (Conditional Cash Transfer) - e sua regra básica: a mãe recebe uma renda mínima e mais dinheiro conforme o número de crianças na escola. Trata-se de cobrir aquilo que o menino ou a menina poderiam ganhar trabalhando.
A ideia de entregar o dinheiro partiu da constatação do fracasso de programas antigos, como a distribuição da cesta básica. Em todos os países os problemas se repetiam: corrupção na compra pelo governo, erros na composição da cesta, perdas na distribuição. Auditorias mostravam que, a cada R$ 1 alocado para o programa, menos da metade chegava na casa das famílias pobres.
Que tal dar o dinheiro à família? Muitos tecnocratas diziam que isso daria errado, pois as pessoas gastariam tudo com bobagens ou, pior, com bebida, cigarro e jogo. Um equívoco. A prática provou que as famílias sabem cuidar de si, especialmente quando o dinheiro é entregue para a mãe, como é o caso dos atuais programas.
A segunda ideia boa foi exigir uma condição. A bolsa está condicionada basicamente à presença da criança na escola e, mais que isso, ao seu progresso na educação (frequentar aulas, passar de ano, etc.).
No México Oportunidades, o primeiro programa de âmbito nacional na América Latina, iniciado em 1997 e hoje considerado o mais bem implementado, a bolsa paga por criança aumenta na medida em que esta progride na vida escolar. Vai de US$ 10 (mensais), para alunos do ensino primário, a US$ 58, para os rapazes no 3.º ano do ensino superior, com até 22 anos.
As meninas recebem bolsa maior (US$ 66 no ensino universitário) porque são retiradas da escola com mais frequência, para ajudar na casa e no cuidado com os irmãos. Além disso, o México Oportunidades ainda paga uma caderneta de poupança para alunos do ensino médio. Concluindo o curso, eles podem usar o dinheiro para iniciar um negócio ou financiar os estudos universitários.
No Brasil, o Bolsa-Família atende crianças de até 15 anos. Eis, pois, um caminho para aperfeiçoar o programa brasileiro, sobretudo porque há um problema grave de evasão escolar e atraso no ensino médio. Outro ponto que se poderia copiar do México: o programa é auditado por uma instituição independente.
Resumo da ópera: o programa pode atender 1/4 da população, como ocorre no Brasil e no México, mas fracassará se as crianças não estiverem avançando na escola. Vai daí que a melhora do ensino público é uma condição essencial.
É preciso prestar atenção no foco, porque há sempre uma visão político-clientelista, dinheiro em troca de votos, como, aliás, denunciava Lula em suas campanhas eleitorais antes de ganhar. Ele atacava a distribuição de cesta básica e tíquete de leite, definida como prática eleitoral para ganhar o povo pela barriga. Dizia mais o candidato Lula: "Eles (dirigentes) tratam o povo mais pobre da mesma maneira que Cabral tratou os índios, distribuindo bijuterias e espelhos para ganhar os índios. Hoje, eles (da elite) distribuem alimentos... Tem como lógica manter a política de dominação".
Isso vale para o Bolsa-Família, se o programa for apenas, ou principalmente, de distribuição de dinheiro aos pobres. Há até um argumento econômico a favor dessa distribuição: os beneficiados gastam o dinheiro e movimentam o consumo, de modo que, quanto mais dinheiro dado, melhor. Os pobres continuam pobres, mas gastando o dinheirinho recebido das mãos dos políticos no governo e... votando neles. O que muda tudo é o foco na educação, o efetivo progresso escolar das crianças.
Paternidades. O programa Transferência de Renda com Condicionalidades, desenvolvido no Banco Mundial, foi testado no início dos anos 90 em Honduras.
No Brasil, a primeira experiência nasceu em Campinas, em 1994, numa iniciativa do prefeito José Roberto Magalhães. Era um Bolsa-Escola. Um ano depois, o então governador Cristovam Buarque introduziu o programa em Brasília.
Buarque batalha a ideia desde os anos 80. Colaborou com pesquisadores do Banco Mundial e a Unicef, que estiveram em Brasília, e ajudou o prefeito Magalhães.
O primeiro programa nacional em larga escala começou no México, em 1997. O Brasil foi o terceiro país, com o Bolsa-Escola de 2001, governo FHC, numa iniciativa do Comunidade Solidária, de Ruth Cardoso, que participara dos estudos no Banco Mundial. Em 2002, o Bolsa-Escola e outros programas semelhantes atendiam mais de 4 milhões de famílias.
No início de 2004, depois do fracasso do Fome Zero, o presidente Lula criou o Bolsa-Família, juntando todos aqueles programas. E ampliou o número de famílias beneficiadas para 12,5 milhões.
O risco, hoje, é afrouxar o controle da vida escolar das crianças, tolerar as faltas à escola e acabar levando o programa mais para a distribuição de dinheiro do que o apoio à educação. Ao anunciar a ampliação do Bolsa-Família na semana passada, a presidente Dilma pouco falou da escola.
JORNALISTA
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Carcinicultura e os mangues


06 de junho de 2011 | 0h 00
João Lara Mesquita - O Estado de S.Paulo
A discussão sobre o novo Código Florestal, recém-aprovado na Câmara dos Deputados, esconde alguns problemas que passaram despercebidos no noticiário e, especialmente, nos artigos de especialistas que analisaram o assunto. Uma pena. O público saiu perdendo. É em nome dele que proponho esta pequena contribuição.
Não pretendo voltar aos temas polêmicos: reservas legais, anistia para quem desrespeitou a lei, tamanho da mata ciliar, etc. A polarização entre "mocinhos" e "bandidos" causou prejuízos demais.
Eis os fatos.
O relatório de Aldo Rebelo, sancionado na Câmara por 410 votos a favor, 63 contra e uma abstenção, alterou as áreas de preservação permanente em topos de morros, encostas, várzeas e margens de rios. Certo? Errado. Faltou citar um bioma importantíssimo que, da mesma forma, perdeu a proteção: os mangues (assim como as restingas).
O Código Florestal também vale, ou valia, para a zona costeira. Mas a discussão ficou de tal modo centrada entre a "floresta" e a "agricultura" que o litoral, como sempre acontece, perdeu espaço.
Os manguezais eram considerados áreas de proteção permanente por sua importância. Mas o lobby dos carcinicultores - produtores de camarão em cativeiro -, parece, venceu a parada. O novo Código Florestal, se aprovado no Senado, será o réquiem dos manguezais brasileiros.
Os mangues são extremamente importantes por vários motivos, a começar pela proteção que oferecem à linha da costa contra as marés, os ventos, as ressacas, forças naturais típicas da zona costeira. Ficou provado, quando do tsunami na Indonésia em 2004, que as áreas protegidas por manguezais sofreram estrago menor.
Do ponto de vista de vida marinha, os mangues são especiais. Suas raízes aéreas retêm nutrientes, o que os torna berçários importantíssimos. Um sem-número de peixes, moluscos e crustáceos dependem deles para procriar. Os mangues também filtram e melhoram a qualidade da água, enquanto servem como hábitat para diversos tipos de aves.
Tem mais. De acordo com matéria publicada pelo Estado na quinta-feira (Mangue concentra mais CO2 que floresta na Amazônia, 2/6, A18), relatório do IBGE divulgado na semana passada "revela que as maiores concentrações de carbono no solo da Amazônia estão em áreas de mangue, hoje ameaçadas pelas mudanças nas regras do Código Florestal aprovadas na Câmara". Segundo a geógrafa Rosangela Garrido, citada na reportagem, "o trabalho reforça a importância da conservação de manguezais e o seu papel no equilíbrio climático".
Quando produzi a série de documentários Mar Sem Fim, para a TV Cultura (2005-2007), naveguei desde o Oiapoque ao Chuí, visitando cada palmo da costa brasileira. Conheci, se não todas, a maioria das fazendas de camarão que proliferaram no Nordeste, desde o Piauí até o sul da Bahia, mas não apenas nessa região.
Fiquei horrorizado com o que vi, e aprendi, entrevistando mais de 40 especialistas da academia, raramente chamados para discussões como as da mudança do Código Florestal, diga-se.
Denunciei a carcinicultura com vigor, no meu site, nos documentários e no livro que publiquei ao fim da expedição (O Brasil Visto do Mar Sem Fim - editoras Terceiro Nome, Albatroz e Loqui, indicado ao Prêmio Jabuti na categoria reportagem). No livro, em dois volumes, sem o problema do espaço exíguo deste artigo, não economizei ao mostrar, até com fotos aéreas, o descalabro, espécie de escárnio contra o meio ambiente, provocado pela carcinicultura. Fiz questão de publicar o depoimento dos maiores especialistas em vida marinha e ecossistemas costeiros, unânimes em condenar o modo como ela vem sendo praticada no Brasil, ou seja, transformando imensas áreas de mangues em terra arrasada.
Sobram motivos para a condenação. Para começar, manguezais, áreas públicas, são "doados" aos produtores, que, ao contrário dos agricultores, têm a vantagem de não precisarem pagar a terra onde vão produzir. Curiosamente, descobri, a vasta maioria das fazendas pertence ou a políticos (entre os quais prefeitos, deputados e senadores) ou a grandes grupos empresariais. Desta vez não há a desculpa "dos pequenos produtores".
Uma vez de posse da área, os mangues são arrasados. A vegetação é extirpada até a raiz. No lugar da floresta são construídas as piscinas criatórias. A maioria sem bacia de sedimentação A contaminação do lençol freático quase sempre acontece. Assim fica mais fácil, e barato, sugar a água do estuário, através de bombas, para criar um camarão exótico, originário do Pacífico, o Paneus vannamei.
Ao detonar os mangues, os produtores criam conflitos sociais com as populações nativas que vivem do extrativismo. Constatei. Tenho depoimentos gravados, de várias pessoas dessas áreas, contando sobre ameaças e truculência por parte dos poderosos do camarão. Até um membro do Ministério Público do município de Natal, no Rio Grande do Norte, contou das ameaças que sua família passou a receber desde que entrou na luta contra a carcinicultura.
O desaparecimento de hábitats é o principal responsável pela perda de biodiversidade no mundo. Em segundo lugar está a introdução de espécies exóticas.
A carcinicultura é uma proeza. Faz as duas coisas simultaneamente.
Muitas vezes as fazendas são financiadas com dinheiros públicos, como é o caso das que estão instaladas no Rio Real, entre Bahia e Sergipe, que receberam aportes do Banco do Nordeste (BNB), com recursos do FNE Aquipesca (Programa de Apoio ao Desenvolvimento da Aquicultura e Pesca do Nordeste).
As diretrizes do FNE (o Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste) especificam "tratamento especial aos míni e pequenos empreendedores e preservação do meio ambiente".
Galhofada!
Mais fácil, só sendo ministro. E prestando consultoria, claro.

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Dormir se torna a preocupação do momento



Em certas empresas, os funcionários estão livres para cochilar

Jogadores de basquete profissional da Associação Nacional de Basquete (NBA, na sigla em inglês) como Lebron James, Grant Hill e Steve Nash juram que tiram um cochilo antes dos jogos, dizendo que tal prática faz com que eles recuperem a energia e estejam prontos para a competição.
Jogadores que têm nove horas de sono possuem maiores chances de reagir mais rapidamente e jogar melhor, de acordo com o doutor Charles Czeisler, o diretor da Divisão do Sono da Escola de Medicina de Harvard.
"Se você faz parte do mundo corporativo, adoraria tirar um cochilo", disse o jogador do Filadélfia 76ers Jason Kapono ao jornal "The New York Times". "Então, por que não o faria se você pudesse?", completou.
Porque para o restante da América -diferentemente de países quentes e de clima mediterrâneo que possuem a chamada "siesta"- a soneca é algo improdutivo ou preguiçoso. Mas cochilar pode estar perdendo esse estigma, já que pesquisas estão mostrando que os cochilos podem corrigir desatenções ao longo do dia, pois aumentam o nível de alerta, a produtividade e a memória, além de melhorar o humor. Um estudo britânico descobriu que a soneca pode fazer bem para a pressão sanguínea, e pesquisa na Grécia concluiu que o cochilo diminui o risco de infarto e derrame cerebral, de acordo com o "Times".
As companhias se renderam ao cochilo de 20 minutos como uma maneira de prevenir a perda de bilhões de dólares anuais em queda de produtividade.
E por que não, se já existem atrações no trabalho como academia, creche, sala de videogames e, até mesmo, lugar para os cachorros? Os trabalhadores da Nike possuem um "quarto silencioso" para o bem-vindo cochilo, o Google também possui algo parecido, e Jawa, uma companhia de celulares do Arizona, conta com dois quartos voltados para o repouso.
Depois que controladores de voo nos EUA foram pegos cochilando no trabalho, a Administração Federal de Aviação, em abril, mudou os horários para combater a sonolência. Na Alemanha e no Japão, os controladores de voo, quando estão com sono, vão para quartos silenciosos.
Dormir se tornou a preocupação do momento. Mesmo que você consiga tê-lo de graça, o sono está sendo negociado, comercializado, como sendo um prazer, por vezes inalcançável, escreveu o "Times". Yelo, um salão localizado em Manhattan, vende aos ansiosos nova-iorquinos a promessa de um breve, mas revigorante sono em um quarto privado (o preço começa em US$ 17 pelo direito de descansar por 20 minutos). A saúde do sono também virou um rentável negócio para a indústria do spa. Um número crescente deles oferece tratamentos que se enquadram na medicina do sono, reportou o "Times". Um salão de Londres disponibiliza massagens, sem se esquecer, é claro, do cochilo na chamada "Barraca do Sono".
Para ajudá-los a dormir melhor, os consumidores compram travesseiros especiais. A melatonina, adicionada aos alimentos, é o ingrediente utilizado para obter o efeito calmante. Chamados de "bolos da preguiça", esses produtos, que contêm oito miligramas de melatonina, são vendidos por US$ 3 a US$ 4 como uma forma de promover o tão perseguido relaxamento.
Em um mundo estressado e cada vez mais baseado em remédios, as pessoas exigem sempre uma solução. Como Jussie Gruman, a presidente do Centro para a Saúde de Washington, disse ao "Times": "Você pode comprar coisas como excitação sexual, um novo padrão para o seu rosto, um corpo esbelto, então, por que não poderia comprar o sono?
ANITA PATIL