O Supremo Tribunal Federal (STF) voltou a interromper julgamento, retomado após nove meses, de um conjunto de ações sobre o uso do amianto no Brasil. Por volta de 18h desta quinta-feira (10), a presidenta da Corte, ministra Cármen Lúcia, decidiu suspender a sessão, que deverá ser retomada daqui a uma semana. O julgamento havia sido interrompido em 23 de novembro do ano passado, após pedido de vista do ministro José Antonio Dias Toffoli.
Algumas ações questionam a proibição do produto em estado como São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Pernambuco, enquanto outra, a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4.066, de responsabilidade de procuradores e magistrados do Trabalho, contesta parte de lei federal (9.055, de 1995) que permite o uso “controlado” do amianto, na modalidade crisotila. Único a votar hoje, Dias Toffoli manifestou-se favoravelmente às leis estaduais.
“Hoje, o que se observa é um consenso em torno da natureza cancerígena do mineral e da inviabilidade de seu uso de forma segura, sendo esse o entendimento oficial dos órgãos nacionais e internacionais que detêm autoridade no tema”, afirmou o ministro. A ADI sobre a lei federal começou a ser discutida, mas não houve votação.
A polêmica está no fato de que algumas entidades e especialistas afirmam que é possível haver um uso controlado do produto, enquanto outros afirmam que não há um nível seguro de exposição. A ex-auditora fiscal do Trabalho Fernanda Giannasi, ativista contra a substância, sustenta que não há possibilidade de uso seguro da fibra, o que ela considera uma “falácia”.
“Eu fui fiscal por 30 anos do Ministério do Trabalho e posso lhe assegurar que não existe uso seguro do amianto. Isso é mais do que provado”, afirmou ao Brasil de Fato. “Em lugar nenhum do mundo o uso controlado foi considerado factível. A própria Organização Mundial do Comércio, imagine, um órgão que tem interesses de defesa do livre comércio, disse que não havia factualidade na tese do uso controlado, que não ocorria nem nos países de economia desenvolvidos nem nos periféricos.”
Atualmente, há apenas uma mina de amianto em atividade no Brasil, a Cana Brava. Fica no município goiano de Minaçu, no norte do estado, a 500 quilômetros de Goiânia. A mina é explorada pela Sama, do grupo Eternit. “Cidade criada em torno da mina”, disse no julgamento o advogado Marcelo Henriques Ribeiro de Oliveira, pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria (CNTI), que defende o uso controlado do produto. “O amianto usado da forma como é hoje não faz esse mal propalado. Vários cientistas sérios dizem que não há problema em usar o amianto crisotila.”
O advogado Roberto Caldas, pela Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT), afirma exatamente o contrário. “A presença do amianto na nossa sociedade gerou, ao longo do tempo, diversos consensos. (…) O consenso internacional científico é de que não há tolerância no corpo humano para sequer se dizer que é cumulativo. Um único contato com a fibra do amianto pode ser letal ao indivíduo. A OMS (Organização Mundial da Saúde) já muitos anos atrás recomendava expressamente que a forma mais eficaz de eliminação das enfermidades decorrentes do amianto consiste em cessar completamente o uso de todo e qualquer tipo de amianto”, afirmou Caldas, atual presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Segundo Mauro Menezes, advogado da Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto (Abrea), existe uma “trilha de dor, sofrimento e morte que no mundo afora está sempre associada ao amianto”.
O tema foi objeto de audiência pública organizada pelo Supremo em 2012. Naquele ano, o Ministério Público do Trabalho (MPT) criou o Programa Nacional de Banimento do Amianto. Desde então, várias empresas fizeram acordos para substituir o produto. Dez estados já aprovaram leis de restrição ao uso e comercialização.
Na audiência pública de 2012, o então titular da Coordenadoria Nacional de Defesa do Meio Ambiente do Trabalho (Codemat), procurador Philippe Gomes Jardim, defendeu a abolição do amianto na indústria. “Não há possibilidade do uso controlado”, afirmou. De acordo com o MPT, a exposição ao amianto ou a produtos fabricados com a fibra pode causar vários tipos de câncer.
Na semana passada, o procurador-geral do Trabalho, Ronaldo Fleury – que acaba de ser reconduzido ao cargo até 2019 –, e a vice-presidenta da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho, Noemia Porto, foram recebidos pelo ministro do STF Ricardo Lewandowski para discutir a ADI 4.066, que questiona a Lei federal 9.055, de 1995, que prevê uso controlado do amianto crisotila.
“Embora apenas duas empresas ainda utilizem o amianto crisotila na indústria de fibrocimento, o potencial de adoecimento e mortes é significativo no Brasil”, diz a Anamatra. “Apenas no período de 2000 a 2010, em todo o país, foram registradas no Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) 2.400 mortes relacionadas ao amianto, entre pessoas com 20 anos ou mais de idade. Dentre os casos de câncer, foram 827 óbitos por mesotelioma e 1.298 por neoplasias malignas da pleura.”
São discutidas seis ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) e uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF). Confira as ações:
Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 109: Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria x Prefeitura e Câmara de São Paulo. Contesta a Lei 13.113, de 2001, e decreto que regulamenta a proibição do uso de amianto como matéria-prima na construção civil.
Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3.356: CNTI x governo e Assembleia Legislativa de Pernambuco. Contesta a Lei estadual 12.589, de 2004, que proíbe fabricação, comércio e uso de materiais constituídos por amianto ou asbesto.
ADI 3.357: CNTI x governo e Assembleia do Rio Grande do Sul. Contesta a Lei estadual 11.643, de 2001, que proíbe produção e comercialização de produtos à base de amianto no estado.
ADI 3.937: CNTI x governo e Assembleia de São Paulo. Contesta a Lei estadual 12.684, de 2004, que proíbe o uso no estado de “produtos, materiais e artefatos que contenham quaisquer tipos de amianto ou asbesto ou outros minerais que, acidentalmente, tenham fibras de amianto na sua composição.
ADI 3.470. CNTI x governo e Assembleia do Rio de Janeiro. Questiona a Lei 3.579, de 2001, que trata de substituição progressiva da produção e da comercialização de produtos que contenham asbesto. A ADI 3.406também questiona essa lei.
ADI 4.066, da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho e da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho, contra Presidência da República e Congresso Nacional. Pede suspensão parcial da Lei 9.055, de 1995, que disciplina o uso, comercialização e transporte de asbesto/amianto.
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