11 de agosto de 2017
A Mobiliza conversou com Pedro Abramovay, advogado, professor de Direito e diretor para a América Latina da Open Society Foundations, sobre quem são e quais os maiores desafios para as organizações sociais dos dias de hoje. Entre diversas pautas importantes no campo social atual, Pedro chama a atenção para a governança das organizações e para as dificuldades para captar recursos no país. Confira:
Mobiliza – Qual a razão social da organização social do século XXI? São associações, cooperativas, coletivos, laboratórios, todos estes? Ela tem uma razão social em particular?
Pedro Abramovay – Não existe um modelo único. Por um bom tempo vivemos um modelo muito tradicional de organização social. Acho que nos últimos 10 anos começamos a questionar a própria ideia de organização muito hierarquizada. O sentido de intermediador também começou a ser questionado – assim como nos mercados de música, táxi, etc. A internet possibilitou relações entre pares. Isso sem dúvida teve um grande impacto no movimento social como um todo. O discurso dos movimentos de hoje está muito na linha de não ter hierarquia, de horizontalidade. Tudo isso, claro, reflete na maneira das organizações da sociedade civil funcionarem.
Mobiliza – E a tecnologia tem acelerado e dado potência a estas transformações?
Pedro Abramovay – Exato. Ao mesmo tempo em que a internet traz uma força nova, essa ideia de conexão, de rede, percebo que essa potência é muito mais no sentido de colocar coisas abaixo, do que de construção. Junho de 2013 foi o retrato disso. Muita coisa foi colocada abaixo. Mas qual construção tivemos a partir daí? Que agenda concreta nasceu? O debate atual é entender como essas organizações e movimentos menos hierarquizados são capazes de propor, de avançar e de construir agendas.
Mobiliza – E o que essas organizações e movimentos menos hierarquizados têm em comum?
Pedro Abramovay – Tem um ponto importante aí que é a questão geracional. Os mais jovens têm mais dificuldade de se estruturarem em organizações de perfil muito tradicional. E, naturalmente, os temas que sensibilizam essa geração acabam entrando na agenda destas novas organizações. Mas acho que o debate mesmo é como a gente concilia essas coisas. Temos muitas organizações mais tradicionais que são extremamente eficientes.
Mobiliza – Comparando, então, esses modelos mais tradicionais com os contemporâneos, o que podemos falar sobre as estratégias de comunicação? Como essas organizações falam com seus públicos?
Pedro Abramovay – Tem um debate muito relevante hoje em dia sobre a nossa relação com as redes sociais. Vejo ainda muitas organizações que atuam na chave ‘vamos fazer nosso trabalho e depois vemos como a gente comunica’. Isso é uma coisa que não funciona. A comunicação tem que ser um elemento tão importante quanto a própria política, a forma de atuação da organização. Ela deve estar na concepção do projeto. Comunicação deve ser um tema completamente integrado à lógica inicial, à estratégia da organização. Outro tema ligado à comunicação que acho bastante atual é o uso de dados [de usuários de redes sociais, por exemplo] em campanhas e uso de inteligência artificial, como robôs, em determinadas ações. Tivemos recentemente o caso da campanha do [Donald] Trump. É um dilema ético que precisa ser discutido. E esse debate precisa ser ocupado pelas agendas progressistas.
Mobiliza – E como você enxerga o cenário brasileiro quando o assunto é mobilização de recursos e sustentabilidade institucional de organizações sociais?
Pedro Abramovay – Não dá pra pensar captação de recursos se você não tiver uma estrutura para gerir tudo isso. Também é preciso pensar o planejamento no longo prazo, e não tudo para o mês que vem. Ou seja, uma organização sustentável precisa de um bom modelo de governança. E esse é um ponto importante: algumas pessoas da nova geração são muito inovadoras, mas têm preguiça de pensar a governança. Do ponto de vista do financiamento, é preciso salientar que a cultura de filantropia no Brasil é muito diferente dos modelos norte-americano e europeu. As fundações são, sobretudo, de caráter corporativo, ligadas a grandes empresas. Em alguns casos isso significa uma aversão a correr riscos, e um tipo de investimento voltado para projetos próprios e não para o repasse de recursos para outras organizações que estão testando ideias diferentes. O que eu quero dizer é que não é um ambiente fácil, no caso do Brasil, para pensar a sustentabilidade institucional. Ao mesmo tempo ainda não temos uma cultura de doações individuais estabelecida no país. E tudo isso em um cenário de desconfiança para com as instituições no Brasil. Logo, fica muito mais difícil para as organizações serem criativas e inovadoras.
Mobiliza – A Open Society Foundations financiou um estudo chamado “Organizações Sólidas em um Mundo Líquido”, da pesquisadora Lucia Nader. Que reflexões essa experiência provocou?
Pedro Abramovay – O que eu destacaria é essa ideia de que as organizações eram pensadas como representantes de alguma coisa. Quando nossa capacidade de articulação era menor, quando não existia internet, nós precisávamos de organizações que funcionassem como a voz de um grupo, de uma causa. Era uma ideia de representação. Hoje vemos um movimento que vem da ação em rede, com novas agendas, maneiras de interação, de inovar.
Mobiliza – De novo: a tecnologia ajudou a transformar o campo social.
Pedro Abramovay – Sim. O papel das organizações mudou. Não dá pra falar por cima do ruído das redes. Hoje, elas precisam aprender a se apropriar dos debates para propor agendas interessantes.
(*) A entrevista é parte do primeiro fascículo da Coleção Mobiliza, que teve como tema: “Organizações Sociais Conectadas – tendências e desafios para o século XXI”. Clique aqui para baixar a publicação completa.
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