Nas mãos dos bandidos
Com o auxílio de aparelhos de raio X e detectores de metal, os militares apreenderam 4.203 armas brancas, de facas a estiletes e tesouras, o que representa uma arma para cada 3 dos 11.829 detentos das unidades vistoriadas
O Estado de S.Paulo
18 Maio 2017 | 03h10
Que a corrupção corre solta nos superlotados presídios do País, onde os presos, bem armados e organizados, mandam e desmandam – e, divididos em facções rivais, se matam em massacres que se repetem cada vez com maior frequência –, é coisa mais do que sabida, e há muito tempo. Mas essa verdade fica ainda mais chocante quando exposta com os números colhidos durante varredura feita pelas Forças Armadas, mostrados em reportagem do jornal O Globo.
Essa operação foi decidida depois de massacres ocorridos em janeiro passado, primeiro em Manaus, depois em Boa Vista e finalmente em Natal, que deixaram um saldo de mais de 130 mortos no curto período de 15 dias. E chocaram o País com cenas de selvageria – tortura, decapitações, esquartejamentos – protagonizadas por presos em luta pelo controle das penitenciárias situadas naquelas cidades. A própria necessidade de empregar as Forças Armadas – que utilizaram 4.602 militares para a varredura em 13 presídios de 5 Estados (Amazonas, Rondônia, Roraima, Mato Grosso do Sul e Rio Grande do Norte) – já foi uma demonstração da preocupante incapacidade dos governos daqueles Estados de cumprir funções elementares como essa na área de segurança.
A quantidade de armas e aparelhos que lá não podiam estar, a começar por telefones celulares, dá uma ideia da incapacidade das autoridades de controlar aqueles locais. O controle de fato é dos presos. Com o auxílio de aparelhos de raio X e detectores de metal, os militares apreenderam 4.203 armas brancas, de facas a estiletes e tesouras, o que representa uma arma para cada 3 dos 11.829 detentos das unidades vistoriadas. Foram encontrados também dois rádios transmissores, 66 televisores, 83 antenas improvisadas, 40 fogões e fogareiros e 3 botijões de gás.
A todo esse aparato, que vai de armas a aparelhos que garantem privilégios indevidos a presos, se juntam 316 celulares, 163 chips e 238 acessórios (fones de ouvido e carregadores). Com um detalhe importante: estava no presídio de segurança máxima Jair Ferreira de Carvalho, de Campo Grande, Mato Grosso do Sul, a maior quantidade de celulares (18,4% do total). Em resumo, organizações criminosas como o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV) – para citar apenas as mais poderosas – dispunham de tudo que precisavam para dominar os presídios, comandar de dentro deles – ou seja, com a proteção do Estado – ações criminosas lá fora, para acertar contas entre elas e ainda para garantir conforto a seus líderes.
A situação nos demais presídios do País não difere muito, como é notório, da que foi encontrada naqueles 13 vistoriados pelas Forças Armadas. A esse quadro explosivo se chegou por causa da irresponsabilidade – não há palavra mais apropriada para qualificar esse comportamento – de governadores que se sucederam no poder nas últimas décadas, aos quais cabia a obrigação de manter a ordem no sistema penitenciário. Deixaram de lado tanto essa obrigação como a de ampliar o sistema, cuja superlotação – que condena os presos a condições sub-humanas – constitui o caldo de cultura ideal para as organizações criminosas aliciarem adeptos.
O ministro da Defesa, Raul Jungmann, está certo quando afirma: “Fica evidente que em alguns Estados há um acordo não escrito entre a administração penitenciária e o crime organizado. Como esse material todo entra nas cadeias?”. E dá a resposta óbvia: por causa de “corrupção institucionalizada”.
O governo federal não pode fazer muito mais do que já vem fazendo. A solução do problema está principalmente nas mãos dos Estados. Cabe a eles retomar o controle dos presídios, combater a corrupção que ali impera e impedir a utilização de celulares pelos presos – com revistas mais cuidadosas dos visitantes e com a instalação de redes de bloqueadores. Na situação a que se chegou, isso é difícil e caro. Mas o preço de não se fazer isso é a continuação da barbárie a que se assistiu em janeiro.
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