Um estudo elaborado pela CNI projeta que a almejada universalização do acesso aos serviços de água e esgoto no Brasil não se dará antes de 2054
23 Janeiro 2017 | 05h00
No início deste mês completaram-se dez anos da promulgação da Lei 11.445/07, que estabeleceu as diretrizes nacionais para o saneamento básico. Um dos princípios fundamentais da lei foi o da universalização do acesso da população aos serviços de água e esgoto. À época da sanção da lei pelo então presidente Lula da Silva, a meta definida pelo governo federal foi garantir que até 2033 todos os cidadãos brasileiros tivessem o direito de viver num local com acesso à água encanada e coleta de esgoto. Este seria um objetivo a ser atingido, mas não a ser comemorado. Conseguir resolver, no século 21, uma mazela que já deveria ter sido resolvida no século 19 não é proeza que figure no rol dos grandes triunfos nacionais.
Um estudo elaborado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), com base em dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), projeta agora que a almejada universalização não se dará antes de 2054. Hoje, 82,5% dos municípios brasileiros têm acesso à água encanada e menos da metade (48,6%) dispõe de sistemas de coleta de esgoto. O índice de cidades que tratam adequadamente os seus dejetos é ainda mais desolador: apenas 39%. É um quadro calamitoso que pode ser explicado pela dificuldade dos municípios em administrar o problema, seja por falta de corpo técnico especializado, seja por desinteresse. Some-se a isso o fato de os investimentos em saneamento básico não estarem dissociados dos demais gastos públicos, o que representa um forte obstáculo ao avanço das obras que visam à ampliação do serviço. Em função do dramático quadro de crise econômica por que passa grande parte dos municípios brasileiros, muitas prefeituras não têm acesso a crédito e a parcerias com potenciais investidores, o que faz com que os projetos de crescimento da rede de água e esgoto sejam abandonados como tantos outros.
Os danos mais evidentes causados pela falta de saneamento básico são observados na esfera da saúde pública. Problemas relativamente simples, como diarreia e vômito, não raro levam a outros mais graves, como os quadros de severa desidratação que podem ser fatais. Além destes, doenças como febre tifoide, cólera e leptospirose, há muito erradicadas de nações desenvolvidas, ainda representam uma ameaça aos brasileiros. A questão ainda se torna particularmente crítica diante da proliferação de doenças transmitidas pelo mosquito Aedes aegypti, como a dengue, a febre chikungunya e as infecções pelo vírus zika. O mosquito encontra em ambientes insalubres as condições ideais para se desenvolver.
Além das consequências sobre a saúde, a falta de saneamento básico afeta diretamente a economia e a educação, comprometendo o desenvolvimento do País. Segundo estudo do Instituto Trata Brasil, em parceria com o Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável, o Brasil figura como a nona economia mundial, mas ocupa a 112.ª posição num ranking de saneamento composto por 200 países. É impensável que uma educação de qualidade possa florescer num ambiente onde os alunos convivem com esgoto a céu aberto. Igualmente comprometida fica a produtividade de trabalhadores submetidos a condições insalubres.
Sucessivos governos parecem lamber com gosto certas chagas que há muito já deveriam ter sido curadas estivessem os governantes inspirados pelo mais elevado espírito público. Não há nação livre de problemas. Entretanto, o que difere as que estão em estados civilizatórios mais avançados é a natureza das mazelas que enfrentam e, sobretudo, o vigor manifestado por seus governantes para eliminá-las.
O saneamento básico é um direito fundamental do cidadão. Cabe à sociedade organizada cobrar vigorosamente do poder público – em todas as esferas de governo – ações no sentido de resolver de uma vez por todas esse gravíssimo problema nacional. E cabe aos governantes enfrentar com urgência e seriedade o estado vergonhoso em que se encontra a oferta de um serviço público essencial. Se não por dever de ofício, ao menos por decência.
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