Todos os jornais franceses apareceram ontem com suas primeiras páginas em cor negra sobre a qual se destacavam, em enormes caracteres brancos, um título curto, às vezes, uma única palavra: "Horror!" ou "Carnificina". E também: "Terror em Paris", "A guerra em plena Paris".
Depois, vieram os editoriais e os artigos. E sempre a tentativa desesperada de encontrar adjetivos ou substantivos adequados para relatar os fatos. Tudo convém: infâmia, vergonha, ignomínia etc. Mas as palavras são dramaticamente insuficientes, impotentes.
Essa profusão de termos e a sua inutilidade constituem a primeira lição da noite de morte e luto. Para dar uma noção do que ocorreu no Stade de France, nas ruas do bairro da Republique ou no Bataclan, não há palavras. É o fim das palavras. Da linguagem. Como se a linguagem humana fosse incapaz de retraçar fatos como esses. Como se os dicionários mais completos só conseguissem traduzir o que se passou pelo vazio, o silêncio.
Claro que não podemos evitar lembrar de outra tragédia na França, em janeiro deste ano: o assassinato por jihadistas de jornalistas do semanário Charlie Hebdo. E é verdade que um fato se espelha no outro. Um como o outro, esses ataques foram cometidos pela mesma besta imunda.
Contudo, a diferença é grande. O massacre no Charlie Hebdo tinha um alvo claro e um motivo reivindicado - castigar um jornal que havia publicado por diversas vezes caricaturas ferozes sobre o profeta Maomé.
Na noite de sexta-feira, os assassinos obedeceram um protocolo diferente: assassinar aleatoriamente. É a guerra. Mas contra quem? Contra o ser humano.
Tudo isso ocorreu em Paris. Ou seja, à identidade de seres humanos, as vítimas do Estado Islâmico, é preciso acrescentar mais uma particularidade: elas vivem na França. Quer dizer que os jihadistas do EI quiseram punir especialmente, entre os humanos, os humanos ocidentais, e, entre os ocidentais, humanos franceses.
A França é detestada pelos homens da morte - tanto quanto os EUA. As razões? A mais inteligível é o envolvimento de Paris na coalizão contra o EI liderada pelos americanos. No Iraque, e na Síria aviões Rafale e Mirage franceses bombardeiam posições do grupo extremista.
Mas a memória do ódio vai longe. O EI não perdoa a França por ter assinado, em 1916, o acordo Sykes-Picot, que desmantelou o Império Otomano e dividiu seus despojos entre a França, que recebeu o Líbano, e a Inglaterra, que ficou com a Síria. Enfim, a França cometeu outra vilania. Entre todos os Estados, é aquele que observa com maior vigilância o secularismo - estatuto que autoriza e protege todas as religiões sem privilegiar nenhuma delas.
A noite infernal de sexta-feira mostra que o perigo jihadista não vai cessar de crescer. O momento é favorável aos assassinos. A França é um dos países que envia mais aprendizes assassinos à Síria. Lá eles são recebidos, passam por uma lavagem cerebral, são instruídos a matar.
A vida da França vai sofrer, após essa noite abominável, uma violenta metamorfose. Um exemplo: em menos de 15 dias, Paris será centro do mundo, pois hospedará a COP-21, a grande conferência sobre o clima. Uma centena de chefes de Estado, de Putin a Obama, estarão presentes. Cerca de 40 mil pessoas durante 15 dias tentarão buscar meios de enfrentar um outro flagelo enfrentado pelo homem, o aquecimento global. Será que um dos cérebros do EI não vai achar que essa é uma oportunidade para enviar alguns soldados do inferno? / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO
*GILLES LAPOUGE É CORRESPONDENTE EM PARIS
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