sábado, 14 de janeiro de 2012

Economias e excessos do etanol



11 de janeiro de 2012 | 3h 07

O Estado de S.Paulo
MAURILIO BIAGI FILHO
Você sabe quanto custam as gotinhas d'água que pingam dos escapamentos dos carros movidos a etanol? Do início do Proálcool, em 1975, até agora, tendo como base o preço atual - em torno de R$ 2 por litro de etanol -, são cerca de R$ 28 bilhões. Esse é o valor atualizado dos quase 14 bilhões de litros de água contidos nos etanóis de cana nesse período.
No início, havia razões técnicas para a produção de álcool hidratado, que dava mais torque aos primeiros motores adaptados. Mas, com o advento da frota flex, é preciso eliminar o oneroso "passeio da água", agora que o etanol pode se tornar uma commodity global. Dos países que já adotaram combustíveis renováveis, o Brasil é o único a manter o etanol hidratado, cabendo à Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) avaliar a possibilidade de estabelecer um único padrão.
Até ser eliminada pelos carros, a água embebida no etanol passa por sete "trasfegas": 1) das colunas de destilação para os tanques das usinas; 2) dali para os tanques dos caminhões; 3) depois, para os tanques das distribuidoras; 4) volta aos tanques dos caminhões; 5) destes, para os tanques dos postos de combustíveis; 6) das bombas para os tanques dos carros; 7) e destes para os motores.
O hidratado poderia ter sido extinto há alguns anos, quando o álcool foi rebatizado como etanol. A imagem melhorou, mas perdeu-se a oportunidade de lançar o "etanol mais puro". Mais de 30 anos depois dos primeiros motores adaptados para etanol e quase uma década após a chegada dos motores flex - mais sofisticados -, é preciso melhorar a economicidade do nosso combustível renovável. O fim da duplicidade do etanol ajudaria a compensar a quebra da paridade técnica etanol-gasolina. Problema seriíssimo: enquanto o brasileiro foi condicionado a consumir etanol apenas quando este for "vantajoso", o governo ignora que a cadeia produtiva do etanol perdeu o horizonte econômico desde antes da crise de 2008.
Em 2011, reconhecendo a mudança dos parâmetros ambientais e econômicos, o governo reduziu a carga tributária de diversos produtos. A gasolina teve redução da Cide. Para o setor sucroalcooleiro, "ferido de morte", o contrário, nem sequer foi dada isonomia. Pior, determinou-se a possibilidade de aumento da alíquota da Cide sobre o etanol. Sinal claro para bons entendedores.
Nunca pensamos em aumento de preço para a gasolina, mas, sim, que se resolva o impasse criado com o etanol. Sem políticas públicas claras e efetivas para a matriz energética do País, continuará o enfraquecimento da cadeia produtiva do etanol, que envolve 2 milhões de pessoas e teria plenas condições de dobrar de tamanho nesta década, com inegáveis benefícios ambientais, sociais e econômicos. Como não costumamos valorizar o que é nosso, esquecemos, dentre outros fatores, a despoluição e a economia de divisas propiciadas pelo etanol. Segundo dados da Datagro, de 1975 a julho de 2011, o Brasil deixou de consumir o equivalente a 2,1 bilhões de barris de gasolina graças ao etanol, uma economia de US$ 261,4 bilhões.
Boa hora de olhar o que ocorre lá fora. Os EUA copiaram o programa brasileiro e fizeram uma adaptação eficiente. Hoje produzem mais que o dobro de etanol que o Brasil, e de milho, cujo processo é mais exigente do ponto de vista energético. Os produtores norte-americanos abraçaram o etanol porque lá as regras são claras e oferecem horizontes previsíveis, sem oscilações sazonais ditadas por fatores conjunturais.
O etanol de lá é tratado oficialmente como produto estratégico, de alto valor econômico e ecológico, sem equivalência de preço com a gasolina. Assim o consumidor assimila a ligação entre economia, saúde pessoal e meio ambiente.
Tempos atrás, ninguém imaginaria maços de cigarros com a frase Fumar faz mal à saúde. Portanto, ninguém estranharia se nas bombas dos postos constasse que Consumir gasolina prejudica o meio ambiente. Está na hora de encarar o etanol com outros olhos, afinal, sem perspectivas de longo prazo, os novos investimentos não acontecem.

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