07 de maio de 2011 | 0h 00
- O Estado de S.Paulo
A democracia não tem preço, mas tem custo. Como a existência de partidos políticos é essencial para a democracia e exige dinheiro, a questão do financiamento da vida partidária se torna uma das mais complexas e delicadas para o funcionamento dos sistemas democráticos de governo, principalmente porque, em qualquer lugar do mundo, a relação política/dinheiro implica sempre problemas muito delicados, para dizer o mínimo. Nos países em que as instituições democráticas se assentam sobre bases mais sólidas, qualquer que seja a modalidade de financiamento partidário adotado - público, privado ou misto -, a regulamentação, a transparência e a fiscalização garantem a legitimidade do sistema.
No Brasil, este é um dos maiores nós em que a atividade político-partidária está enredada, porque, além de o modelo misto de financiamento em vigor estar sob permanente questionamento, a regulamentação é confusa, a transparência é muito relativa e a fiscalização, deficiente.
A receita dos partidos políticos brasileiros provém, basicamente, de três fontes: doações de pessoas físicas e jurídicas; fundo partidário, provido pelo governo; e contribuição paga pelos filiados. A maior aberração desse sistema, contudo, está no fato de que o grosso dos recursos doados às legendas provém de pessoas jurídicas, de empresas, o que acaba se constituindo numa porta escancarada para a corrupção. Seria ingênuo imaginar que essas doações são feitas sem pensar em algum tipo de contrapartida. Segundo levantamento divulgado pelo TSE, do total de R$ 722,7 milhões de receita obtidos em 2010 pelos 12 maiores partidos políticos, R$ 507,9 milhões, mais de 70%, foram doações de empresas. Além disso, das quase 20 mil empresas que declararam ter feito doações aos partidos, cerca de 4 mil, 20% delas, desrespeitaram o limite legal máximo e fizeram doações num total de R$ 142 milhões, superiores a 2% de seu faturamento bruto informado no ano anterior. Tanta generosidade não é motivada, certamente, por espírito cívico.
Além da natural propensão de doadores e beneficiados de serem discretos nessas transações, a lei deixa brechas que são exploradas em prejuízo da desejável transparência no financiamento dos partidos. Na prestação de contas devida ao TSE, os partidos identificam os doadores de recursos. Mas não são obrigados a revelar o destino específico desse dinheiro, que em sua maior parte não é usado diretamente pela direção nacional da legenda, mas repassado a diretórios regionais e municipais e também diretamente a candidatos. Assim, descartado o caso de uma doação feita diretamente ao interessado, é impossível saber qual candidato foi beneficiado pela doação de uma empresa.
Do fundo partidário, os 12 maiores partidos receberam em 2010 pouco mais de R$ 173 milhões. E a receita proveniente da contribuição de filiados foi de R$ 7,7 milhões. Por outro lado, o levantamento do TSE revela que o montante de doações feitas aos partidos por pessoas físicas não chegou à casa dos R$ 26 milhões em 2010, o que é pouco mais de 5% do total de recursos cedidos às legendas no âmbito privado.
Esses números revelam que o financiamento partidário no Brasil está ainda muito distante do modelo preconizado por estudiosos como o mais adequado ao exercício pleno de um sistema político-eleitoral que tenha na transparência a maior garantia de sua legitimidade. Esse modelo é o do financiamento privado feito exclusivamente pelas doações de pessoas físicas, em limites estabelecidos pela lei. É um sistema que cria um vínculo forte entre os partidos e seus eleitores e elimina os inconvenientes do financiamento público, sempre vulnerável ao casuísmo dos poderosos de turno, bem como acaba com a prevalência dos interesses obscuros inerentes às doações de corporações empresariais. A questão que se coloca é a de que até que ponto o cidadão brasileiro se animaria a se transformar no maior responsável pelo financiamento de uma atividade que geralmente não vê com bons olhos. Mas é preciso pensar num modelo que controle o dinheiro, e não o contrário.
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