sexta-feira, 26 de abril de 2024

André Roncaglia - Milei transformou a economia argentina numa panela de pressão, FSP

 A inflação argentina desacelerou de 25%, em dezembro, para 11%, em março, mas acumula 276% em 12 meses. Analistas apontaram o primeiro superávit fiscal em 15 anos (0,2% do PIB no primeiro trimestre de 2024) como causa da perda de ritmo da inflação.

É claramente uma falácia. Com gastos públicos congelados e remarcação de preços liberada (que produzem mais arrecadação ao governo), a inflação produz quase sozinha esse resultado positivo (o efeito Olivera-Tanzi às avessas).

Segundo dados oficiais, entre os meses de março de 2023 e de 2024, a arrecadação cresceu 254%, enquanto as despesas avançaram 177%. Os investimentos mergulharam 48% no período em termos nominais. A calamidade fica nítida se descontarmos a inflação de 300%.

A economia argentina é uma panela de pressão. A contração do PIB é prevista em 2,8%, e a pobreza já atinge 57% da população. Salários, pensões e gastos sociais correm muito atrás dos preços de energia, transportes, alimentos e itens de saúde. Neste primeiro trimestre, o consumo recuou 10% e derrubou as vendas no varejo.

Manifestação contra medidas econômicas do governo em janeiro, em Buenos Aires - Martín Zabala/Xinhua

O sincericídio dos preços e a retórica incendiária do presidente elevam a temperatura da sociedade. A válvula de escape é a frágil e insustentável combinação de minidesvalorizações cambiais e uma taxa real de juros negativa. Vejamos.

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A taxa de câmbio argentina é fixada pelo banco central, o qual vem aplicando uma desvalorização rastejante ("crawling peg") do câmbio oficial —hoje, em 820 pesos por dólar— para reduzir a diferença com a taxa do mercado paralelo (1.150 pesos/US$). Quanto maior for essa diferença, mais dólares ficam fora das reservas oficiais.

De olho no início da safra agrícola, agora em abril, o ministro da Economia, Luis Caputo, vem depreciando a moeda ao ritmo de 2% a cada mês para incentivar os exportadores a repatriar os dólares obtidos com as vendas no exterior. Com isso, o aumento das reservas em moeda forte do país diminui o risco de crise cambial.

Todavia, a cada rodada de depreciação cambial administrada, os preços dos bens importados se elevam e disseminam a inflação para o restante da economia. A indexação formal e informal de preços e salários aumenta a pressão por novas rodadas de elevação de preços, realimentando a inflação. Lembra muito o Brasil pré-Plano Real.

Com isso, Milei ganha tempo para que a inflação em queda reúna força política para aprovar um plano de estabilização mais sólido. Contornando a resistência parlamentar em casa, Milei seduziu a elite financeira global e obteve um voto de confiança.

Sem o controle da taxa de câmbio, seria impraticável a redução da taxa de juros pelo banco central, de 133% em dezembro para 70% em abril, que busca contrair o pagamento de juros da dívida pública; ao reduzir a pressão fiscal (Faria Lima, fica a dica!), cai o financiamento por meio da emissão monetária.

Por outro lado, a taxa de juros real negativa afugenta os dólares do país e bloqueia a queda da moeda no mercado paralelo. Os capitais retornarão quando Milei convencer a comunidade internacional de que a inflação esperada cairá muito abaixo de 70% (a taxa básica de juros), produzindo ganhos financeiros que compensem o risco embutido nos títulos do país.

A celebração do superávit fiscal busca construir essa confiança para obter mais US$ 15 bilhões do FMI. Contudo, a queda da inflação ameaça os superávits fiscais, enquanto se acumulam as pressões pela recomposição dos gastos públicos.

Sem aliviar a escassez de dólares, a austeridade aguda agravará a crise social sem abater a inflação. A Praça de Maio ficará pequena para tamanha insatisfação.


RODRIGO SAUAIA E RONALDO KOLOSZUK Acordos necessários para a transição energética, FSP

 Para além de discursos, entrevistas e anúncios públicos de autoridades de diversos países, a transição energética é um processo prático, baseado em ações concretas e programas governamentais objetivos. Requer investimentos públicos e privados, vontade política para a definição e implementação e consolidação de diretrizes capazes de impulsionar uma agenda sustentável robusta, bem como o estabelecimento e a manutenção de bons acordos comerciais entre os mercados de diferentes países.

Diante desse desafio, o Brasil tem assumido cada vez mais protagonismo na geopolítica da transição energética. Rico em diversos recursos naturais, como sol, vento, água, biomassa e minerais estratégicos, o país se tornou exemplo global da expansão eficiente e bem-sucedida das energias renováveis nos últimos anos, com destaque para a fonte solar fotovoltaica.

Placas de energia solar no morro da Babilônia, na zona sul do Rio de Janeiro - 05.mai.2023-Eduardo Anizelli/Folhapre - Folhapress

Relatório recente da BloombergNEF sobre os países que mais investiram em transição energética em 2023 mostra que o Brasil atingiu a sexta posição global e a liderança na América Latina. O estudo considera iniciativas práticas para a ampliação das energias renováveis, avanço dos veículos elétricos e implantação de projetos para a produção de hidrogênio verde, entre outras tecnologias sustentáveis.

A ascensão brasileira na transição energética está intimamente relacionada com o avanço dos investimentos na expansão da geração solar, especialmente a partir de 2012. Atualmente, com mais de 4 GW da fonte já adicionados em 2024, o Brasil ultrapassou a marca de 42 GW com a tecnologia fotovoltaica, o equivalente a 17,4% da matriz elétrica, sendo a segunda maior fonte do país.

O setor solar trouxe ao Brasil mais de R$ 195 bilhões em investimentos, mais de R$ 53 bilhões em arrecadação aos cofres públicos e cerca de 1,2 milhão de empregos verdes. Com isso, evitou a emissão de 50,1 milhões de toneladas de CO2 na geração de eletricidade.

Outro marco importante veio ao longo de 2022, quando o Brasil entrou, pela primeira vez, na lista dos dez países com maior potência instalada acumulada da fonte solar. E, no último ano, o país subiu duas posições no ranking global de capacidade instalada da tecnologia fotovoltaica, chegando à sexta colocação, segundo balanço da Agência Internacional de Energias Renováveis (Irena).

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Um dos pontos centrais dessa expansão está na popularização da energia solar junto à sociedade, resultado do barateamento da tecnologia fotovoltaica aos consumidores, empresas e produtores rurais brasileiros. Estima-se que, em 2023, os painéis solares ficaram 50% mais baratos em relação ao ano anterior, fruto, em grande medida, das positivas relações comerciais com parceiros internacionais, sobretudo com os fabricantes chineses de equipamentos solares.

É inegável que o ganho de escala de produção global, o aumento de eficiência dos equipamentos e a consequente queda de seus preços aos consumidores finais têm sido cruciais para acelerar a transição energética no país.

A parceria internacional do Brasil com o mundo também garante competitividade às dezenas de milhares de empresas que atuam neste setor e a preservação e ampliação dos seus centenas de milhares de empregos verdes. Trata-se de uma relação "ganha-ganha", que, no final das contas, atende a demanda do mercado interno e acelera a transição energética, beneficiando a sociedade.