sábado, 30 de abril de 2022

Luís Francisco Carvalho Filho - Marcola, Lombroso, Bolsonaro, FSP

 O perdão ao deputado Daniel Silveira é o ataque mais atrevido de Jair Bolsonaro ao cenário democrático.

Ridiculariza o Supremo Tribunal Federal e estabelece um estado de coisas inconstitucional, aparentemente insuperável. O presidente, que já manietava a Polícia Federal, as Forças Armadas e a Procuradoria-Geral da República, manipulando também regras de segredo de Estado para favorecer a delinquência mais próxima, firma-se agora como última e mais poderosa voz.

Príncipe da incivilidade, chefe supremo de todos e de tudo, Jair Bolsonaro estende o manto protetor da Presidência da República para aliados golpistas.

O perdão um dia depois da condenação mostra que decisão contrária não é mesmo para valer.

O deputado Daniel Silveira - Evaristo Sa-29.mar.22/AFP

A senha é inconfundível. Não hesitem, ameacem: eu estou aqui, como um Deus, para amparar o futuro dos meus inocentes.

Bolsonaro estraga, desconstrói o Brasil. Logo haverá demanda para perdão de policiais que torturam ou matam suspeitos, de madeireiros que queimam florestas, de garimpeiros que estupram meninas indígenas.

A mesma mão que promete livrar o país do fantasma comunista —nas artes, nas escolas, na medicina, nos tribunais— é clemente para quem afronta a democracia. A mesma voz que acusa impiedosamente a corrupção de adversários é dócil, dócil demais, com corruptos amigos.

É o ápice da escalada golpista. Bolsonaro prega a desobediência como política pública. O descrédito da Justiça Eleitoral é essencial (em caso de derrota) para deslegitimar o resultado das eleições.

O Supremo estabelece marco temporal para a demarcação de terras indígenas? Bolsonaro anuncia que não vai cumprir. Em nome da liberdade de expressão, Bolsonaro manda juiz calar a boca.

A altivez politicamente criminosa de Jair Bolsonaro, às vezes vista como singelo exagero, é reafirmada nas vésperas da eleição para reacender (na hora do golpe) o sentimento plantado em diversos setores sociais —nos pontos de táxi, nas delegacias de polícia, entre milicianos, nas cooperativas agrícolas, nas corretoras de valores, nas igrejas, nos quartéis e, sobretudo, em entidades empresariais— de que a veia autoritária é sim um caminho viável (sempre passageiro, é claro) para o desenvolvimento do Brasil.

O emaranhado democrático de leis, tribunais e direitos atrapalha o empreendedorismo e a vida liberal.

São as homenagens ao deputado Daniel Silveira, imundo e perdoado, que formam o retrato mais constrangedor da distopia nacional.

Se as fotografias das comemorações na Câmara dos Deputados e no Palácio do Planalto fossem observadas pelo criador da criminologia científica, o médico italiano Cesare Lombroso (1835-1909), uma teoria antropológica baseada nas características (físicas, psíquicas, éticas e estéticas) dos apoiadores homens e mulheres de Jair Bolsonaro poderia ser construída para explicar a natureza da delinquência política no país.

Piadas a parte, parlamentares das bancadas da bala e da fé, eleitos pela poderosa ressonância do bolsonarismo no Brasil real, formam um agrupamento de delinquência política que, em matéria de desafio à lei e à ordem, só encontra paralelo em agrupamentos de delinquentes comuns, como o PCC e a máfia.

Paradoxalmente, "homens de bem" que se recusam a compartilhar valores morais do crime organizado, admiram e compartilham valores morais apodrecidos que as ventas do Marcola da política brasileira, Jair Bolsonaro, expelem sobre nós.

lfcarvalhofilho@uol.com.br

Janio de Freitas - Conclusão da ONU sobre Lula é esmagadora para Moro e Deltan, FSP


A conclusão dos seis anos de exame, na ONU, dos processos contra o ex-presidente Lula é esmagadora para Sergio Moro, mas seu alcance não cessa na condenação moral desse ocupante ilegítimo de uma cadeira de juiz.

Moro e Deltan Dallagnol, também objeto da condenação moral, sem poderosos coadjuvantes não conseguiriam subverter algo tão relevante como é o processo de eleição de um presidente da República.

Não receberem menção direta da ONU não é excluir da condenação moral esses coautores. Outros dos muitos sentidos implícitos, mas não obscuros, na conclusão das duas dezenas de autoridades internacionais do Comitê de Direitos Humanos da ONU é a grande impunidade brasileira.

O ex-procurador Deltan Dallagnon e o ex-juiz Sergio Moro
O ex-procurador Deltan Dallagnon e o ex-juiz Sergio Moro - Theo Marques/UOL

O velho vício nacional de caráter se impõe, paradoxal, com a inconsequência penal das transgressões judiciais e da articulação eleitoralmente violadora. O ministro Gilmar Mendes, para surpresa de muitos, criou um caso raro.

Sua decisão individual de impedir, sem base jurídica ou factual, que Lula fosse ministro da presidente Dilma abriu o caminho para o golpe no processo eleitoral de 2018, com a retirada forçada de Lula. Na prática, a entrega a Bolsonaro da vitória ilegítima.

Gilmar Mendes viria a ser, porém, o mais áspero crítico de Moro no Judiciário e batalhador pelo reconhecimento, no Supremo, da parcialidade e da suspeição de Moro contra Lula.

O Tribunal Regional Federal da Região Sul, sediado em Porto Alegre, foi o revisor dos atos de Moro.

Endossou-os na aprovação dos atabalhoados relatórios do juiz João Gebran e dos seus companheiros de turma, que não se pouparam em sinais de entendimento com Moro e das mesmas parcialidade e suspeição.

TRF-4 e os que lá reviram sem rever as transgressões e malandragens de Moro têm lugar destacado na condenação moral. O Conselho Nacional de Justiça não quis perceber irregularidade alguma nos procedimentos de Moro.

Os desvios de conduta judicial e pessoal estavam até na imprensa, apesar de tão discretos quanto possível. Eram inúmeros juristas e advogados sempre prestigiados pelo jornalismo a advertir, sem descanso, para a ocorrência de cada perversão praticada por Moro e por Deltan Dallagnol. Em vão.

Vigorava, em nome do jornalismo, um dos componentes mais deploráveis do acontecimento escandalosamente histórico que foi, ainda é, a distorção da escolha eleitoral de um presidente da República.

Tudo o que houve por ação ou influência da Lava Jato de Curitiba só foi possível pela força do ambiente criado por imprensa e TV combinadas.

Os então editores de primeira página, de telejornais e seus chefes, acompanhados da quase totalidade dos comentaristas profissionais, colunistas e editorialistas, tiveram protagonismo decisivo.

A maioria, no mínimo, consciente das irregularidades a que dava apoio. E do que fazia o Moro a quem aplaudia. Assim está configurada uma dívida monstruosa com o país dos últimos oito anos, desmoralizado, mais degradado do que nunca e aturdido na obscuridade do seu futuro.

São esses protagonistas os que cobram autocrítica —de Lula. Desde que o Supremo Tribunal Federal fixou a convicção de que Moro conduziu com parcialidade e suspeição os processos contra Lula, tornou-o merecedor de passar da cadeira de juiz à de réu.

Suas transgressões foram criminosas: fez e divulgou gravação clandestina de telefone da presidente, divulgou mentiras de Palocci sobre Lula a uma semana da eleição para beneficiar Bolsonaro, e muito mais. Por aí vagueia, no entanto, como autocandidato a presidir o país.

No rol dos construtores deste período desastroso há um oceano de traições à função pública que, em país de alguma decência, não ficariam impunes. Aqui, os gritos são contra a impunidade de crime vagabundo e de ferocidades animalescas.

Mas esta impunidade primária só existe como decorrência da impunidade que, entre tantos, beneficia Moro, Dallagnol e muitos atingidos pela conclusão da ONU. Sintam-se como são: condenados morais pelo mundo.