quinta-feira, 12 de janeiro de 2023

A palavra terrorismo deve ser usada com moderação, Rodrigo Tavares -FSP

 Nenhuma palavra é só uma mera expressão gráfica. Cada uma é um armazém de história, de cultura, de leis e de experiências pessoais, que vai muito além de uma significação. É como se cada palavra contivesse uma dose de interpretação, que possibilita a subjetividade, e outra de precisão, que facilita o entendimento por uma mesma comunidade linguística. Os tradutores sabem.

Mas depois há algumas palavras cujos elementos interpretativos são tão preponderantes que devem ser usadas com moderação. São palavras dúbias, parciais, dissensuais. Podem conter tantos significados e ser usadas de formas tão divergentes por uma mesma sociedade que devem ser evitadas por todas aquelas que buscam a exatidão. Os jornalistas deveriam saber.

Bolsonaristas invadem as sedes dos Três Poderes e depredam os prédios - Gabriela Biló/Folhapress

No dia 8 de janeiro alguns canais de TV e jornais definiram os invasores dos prédios sede dos Três Poderes como "terroristas". Na GloboNews o termo foi usado sem freios e de forma consensual por todos os jornalistas, como se o dicionário da insurreição contivesse apenas uma palavra. O objetivo certamente era aplicar um termo chocante para comunicar a gravidade dos fatos.

Estadão e Folha seguiram caminhos mais seguros. O Estadão, nos editoriais de 9, 10 e 11 de janeiro usou as seguintes palavras para descrever os invasores: "golpistas", "baderneiros", "malta de bolsonaristas", "radicais", "insurgentes", "amalucados", "radicais bolsonaristas", "extremistas" e "bárbaros", enquanto a Folha nos editoriais de 9 e 10 de janeiro (o de 11 não se debruçou sobre este tema) optou por "idiotas", "malta golpista", "imbecis criminosos", "celerados", "vândalos", "arruaceiros", "energúmenos", "bolsonaristas", "turba delinquente" e "extremistas".

O grau de barbaridade de dia 8 poderá legitimar que se cometam excessos nas reações. Textos jurídicos poderão ser alvo de interpretações forçadas, poderá haver violações de direitos humanos no tratamento dos detidos. Mas é precisamente quando foi agredido que o Estado precisa de mostrar que é republicano e de Direito. E os profissionais de comunicação deveriam de seguir pelo mesmo caminho.

Só a lei poderá definir se os autores dos atos podem ser chamados de terroristas. Certamente que há margem para a utilização do termo fora do domínio do Direito, de forma retórica ou discursiva. Mas o atual contexto é tão sensível politicamente que a comunicação deve ser feita com racionalidade e sobriedade.

Aparentemente, se lermos o artigo 2º da Lei Antiterrorismo, os invasores não são terroristas à luz da lei. Mas caso as cortes brasileiras tenham uma outra interpretação, certamente válida, só uma efetiva condenação enquadrada por esta lei permitiria a utilização do termo.

Não deveríamos de chamar os invasores de terroristas para enquadrá-los na Lei Antiterrorismo, mas aguardar a condenação pela Lei Antiterrorismo para chamá-los de terroristas. Talvez mais importante, independentemente do enquadramento legal, esses bárbaros serão julgados e punidos –espera-se com a mão dura da lei.

A ONU (Organização das Nações Unidas) é um cemitério de tentativas de parir uma definição universal de terrorismo. A Convenção Global sobre Terrorismo Internacional está estagnada há décadas, sem aprovação.

É um termo sem expressão consensual a nível global e que, por isso, depende de interpretação nas leis locais para ganhar um significado nítido, ainda que regionalizado. Por isso, o termo continua sendo usado arbitrariamente como munição de guerra. Como a Folha destacou, a esquerda e a direita já mudaram de lado sobre o conceito de terrorismo.

De fato, a discricionariedade com que o termo terrorista é usado é aplicável aos próprios insurgentes de Brasília. Em uma simples pesquisa por grupos bolsonaristas nota-se que o presidente Lula, o MST, o Foro de São Paulo, Alexandre de Moraes e tantas outras personalidades e organizações são infantilmente adjetivadas como terroristas. Chamar, por isso, de "terroristas" aos extremistas antes de uma condenação é aceitar a convocação para uma pocilga ideológica onde falta circunspeção e lei.

1964 foi um "golpe" ou uma "revolução"? 1915 foi um "genocídio" ou um "crime de guerra" na Armênia? 1500 foi um "descobrimento" ou um "achamento"? O uso de algumas palavras tem implicações. Desperta comoções e divisões. Enquanto limpamos os escombros dos palácios, o termo terrorista deve ser usado com parcimônia.


Ruy Castro ATAQUE À DEMOCRACIA - O Estado policial de Bolsonaro, FSP

 Diz a velha frase que o pior de uma ditadura não é o ditador, mas o guarda da esquina. Não caia nessa. O ditador pode tudo, inclusive nomear os guardas da esquina —os delegados, investigadores e comandantes das forças policiais que o ajudarão a implantar a ditadura. E é impressionante como, em todos os escândalos criminais, financeiros ou institucionais do governo Bolsonaro, sempre houve alguém da Polícia Federal, da Polícia Rodoviária ou da Polícia Militar envolvido.

Enquanto não se fizer a completa desratização, continuará a haver. Mesmo com Bolsonaro fora do Planalto, os ataques em Brasília denunciam a ação ou omissão de policiais, escoltando os terroristas pela rua ou lhes dando passe livre para invadir e depredar. Não por acaso, um dos acusados pela conspiração, iniciada já na diplomação de Lula, é um policial, ex-ministro da Justiça de Bolsonaro e que acabara de ser nomeado para o cargo-chave de secretário de Segurança do DF.

Escalar delegados para este ou aquele posto é uma função que um presidente normal confia a seus subordinados da Justiça. Mas, dia após dia, por quatro anos, Bolsonaro desceu da cadeira para cuidar disso em pessoa. Era como se a presença de tal policial, não outro, mesmo nos cafundós, fosse fundamental para a condução do país —e, no caso, era. Bolsonaro trocou dezenas de delegados em cargos de chefia, bastando que um deles relaxasse na proteção de um seu familiar ou acólito ou insinuasse algo que significasse menos do que submissão total (e nada deixava de chegar aos seus ouvidos).

Enquanto nos ocupávamos do seu ostensivo processo de corrupção do Exército, Bolsonaro, em surdina, estava implantando um Estado policial. Teve tempo para infiltrar as polícias de todos os estados com elementos de sua confiança ou identificados com ele.

E não necessariamente para atacar, mas para garantir os levantes civis que não se limitarão aos de Brasília.

8 anos de calor, editorial FSP

 Segundo um provérbio da antiguidade grega, "uma sociedade cresce quando velhos plantam árvores sob cuja sombra eles sabem que nunca se sentarão". A mensagem é agir no presente pensando nas futuras gerações. Em matéria de meio ambiente, o mundo não tem seguido esse princípio ético.

A Revolução Industrial, nos séculos 18 e 19, deu início a avanços econômicos e sociais da humanidade. Em 1820, de acordo com o Banco Mundial, 89,15% da população vivia em extrema pobreza; em 2015, o número caiu para 9,98%.

Mas a tecnologia que criou riqueza causou graves danos ambientais, como o aquecimento global.
Dados do Copernicus, observatório da União Europeia, mostram que os últimos oito anos foram os mais quentes já documentados. De 2014 a 2022, as temperaturas ficaram acima de 1ºC em comparação com as calculadas para o período pré-industrial (1850-1900). Daí o aumento da incidência de eventos climáticos extremos.

Em 2022, a Europa teve o verão mais quente desde a década de 1990, com a seca afetando a agricultura da região. Portugal, Espanha e França registraram incêndios florestais. Já Austrália, Índia e Paquistão sofreram com inundações —este último em proporções trágicas, com alto número de mortos.

O aquecimento global é um consenso científico. Medidas de contenção foram firmadas em acordos internacionais, como o de Paris em 2015, mas se revelam insuficientes.

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Relatório do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente atesta que a temperatura mundial deve chegar a 2,8°C acima do nível pré-industrial até o fim do século, quando o ideal seria manter a cifra abaixo de 1,5°C.

A receita para arrefecer o calor é conhecida: descarbonizar a geração de energia e os meios de transporte, que emitem quase dois terços (64%) da poluição climática; promover agropecuária sustentável; proteger e restaurar áreas verdes, combater o desmatamento.

Se no século 19 não havia tecnologia e conhecimento para conter o impacto humano sobre a natureza, atualmente não há essa desculpa. Trata-se de imperativo ético legar um ambiente saudável para as futuras gerações —como a sombra das árvores do provérbio grego.

editoriais@grupofolha.com