sábado, 6 de março de 2021

As alterações previstas na Lei de Improbidade Administrativa são adequadas? SIM e NÃO

 Carlos Zarattini ​ -  SIM

Deputado federal (PT-SP), é relator do projeto de lei 10.887/2018, que revê a Lei de Improbidade Administrativa

Lei de Improbidade Administrativa foi editada há quase 29 anos em meio às denúncias de corrupção que envolviam o governo Collor. É uma lei importante, cujo objetivo central é punir a desonestidade dos gestores públicos, o enriquecimento ilícito e os danos ao patrimônio público.

Entre 2009 e 2018, segundo o Conselho Nacional de Justiça, houve 18,7 mil condenações transitadas em julgado nos tribunais federais. Um volume expressivo para os 5.570 municípios brasileiros. De acordo com estatística da Confederação Nacional dos Municípios, cerca de 50% dessas ações têm como origem os comportamentos previstos no artigo 11 da lei: ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade e lealdade às instituições. E a seguir exemplifica alguns tipos de atos com essas características.

O deputado federal Carlos Zarattini (PT-SP) discursa no plenário da Câmara - Luis Macedo - 18.set.20/Câmara dos Deputados

Um artigo com redação tão abstrata e aberta, e com exemplos de comportamentos irregulares, é perfeito para o cometimento de inúmeras injustiças. Gestores públicos, ordenadores de despesas, prefeitos e governadores são acusados de improbidade por promotores, procuradores ou advogados municipais por supostas irregularidades que, na maior parte das vezes, nada têm a ver com desonestidade ou com prejuízo ao patrimônio público.

O resultado é a paralisia da administração pública, o medo na tomada de decisões, o afastamento da vida pública de inúmeras pessoas capacitadas, mas receosas de colocar sua moral em jogo, arriscando seu futuro e seus bens por conta de interpretações que podem levar a processos que duram décadas.

A atual redação do artigo 11 possibilita a condenação dos agentes públicos em inúmeras situações em que não há dolo ou má-fé, perde o foco do combate à corrupção e provoca o cometimento de injustiças. A maioria dos processos não resulta em condenações, mas o simples fato da sua abertura já condena politicamente o gestor e o pune com bloqueio de bens. É comum constatar que quase nenhum prefeito conclui seu mandato sem sofrer um processo de improbidade.

A Lei de Improbidade Administrativa tem natureza sancionatória, ou seja, visa punir aquele que pratica um ilícito. Portanto, assim como é no direito penal, as descrições dos crimes necessariamente precisam ser mais objetivas, evitando margem para interpretações subjetivas que possam ocasionar injustiças. Não há segurança jurídica nas motivações judiciais quando a decisão é fundamentada no artigo 11. É recorrente a identificação de argumentações semelhantes de magistrados que concluem de modo distinto.

revisão da lei de improbidade, iniciada em 2018 na Câmara dos Deputados, trata a questão do artigo 11 como um dos seus pontos principais. O novo texto que se pretende aprovar tem como objetivo garantir a punição aos desonestos (e até mesmo aumentar as penas), processos mais rápidos, exigência da comprovação de dolo na apresentação das denúncias e maior segurança jurídica para os gestores públicos.

Atos que não se enquadrem nos dispositivos previstos poderão ser interrompidos e eventualmente punidos por ações civis públicas ou ações populares. Modificar o artigo 11 da Lei de Improbidade Administrativa não significa deixar de punir os desonestos ou permitir irregularidades na gestão. A lei continuará funcionando, de forma mais objetiva e precisa. A justiça será feita, afastando da vida pública aqueles que cometem atos de corrupção e garantindo a segurança jurídica de todos que exercem um mandato popular ou uma função pública.



Maurício Zockun - NÃO

Advogado e doutor em direito, é professor de direito administrativo na PUC-SP e presidente do IBDA (Instituto Brasileiro de Direito Administrativo)

“Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer.” A ideia foi talhada pelo maior jurista de nossos tempos, Celso Antônio Bandeira de Mello. Bastaria ela para justificar este pontual desacerto do projeto de lei.

Pois bem: atualmente, a Lei de Improbidade Administrativa sanciona os servidores públicos que, intencionalmente, violam princípios jurídicos aos quais a administração está submetida. O projeto de lei em debate pretende suprimir essa hipótese. Leitores, os princípios —e os princípios jurídicos— são valores que guiam e orientam o agir humano em uma sociedade organizada e nos apontam um caminho a seguir.

O advogado e professor de direito administrativo Maurício Zockun - Bruno Poletti - 28.mai.15/Folhapress

Assim são os princípios democráticos, da liberdade, da igualdade, dentre outros. Justamente por essa razão pode haver muita controvérsia a respeito do concreto alcance dos valores impregnados nos princípios —variáveis, inclusive, segundo o momento histórico.

Tomemos como exemplo a contratação de parentes para o exercício de funções de confiança na estrutura do Estado. Muito embora o princípio da moralidade esteja presente na Constituição desde a sua promulgação, em 1988, apenas em 2008 o Supremo Tribunal Federal valeu-se deste princípio para proibir tal prática, no que ficou conhecido como “vedação ao nepotismo”.

Notem, leitores, que se passaram quase 20 anos para que se concluísse que, nas dobras do princípio da moralidade, habitava a “vedação ao nepotismo”. Essa proibição não foi prevista em 1988, mas uma ideia que demorou 20 anos para ser construída.

Nesse contexto, andou mal o projeto de lei ao pretender desqualificar como ato de improbidade a violação a princípio. O ideal teria sido, olhando para os excessos cometidos no passado (que também se cometem no presente), edificar outra solução.

Qual o problema que atualmente enfrentamos? A qualificação da violação a princípio como ato de improbidade tornou os nossos administradores inteligentemente covardes, movimento que desaguou no denominado “apagão das canetas” —ou, mais recentemente, no “direito administrativo do medo”, ideia talhada por Rodrigo Valgas.

Afinal, como os princípios encerram valores abstratos, pode haver muita controvérsia a respeito da sua abrangência. Basta ver que, no caso da “vedação ao nepotismo”, foi grande a controvérsia a respeito da possibilidade de se extrair essa proibição diretamente do princípio da moralidade. Nesse contexto, como os membros do Ministério Público e das advocacias públicas podem, interpretando a Constituição, entender que um ato produzido por um agente público viola um princípio jurídico, esse agente sempre estará à mercê de uma ação de improbidade.

Esse clima de terror deve cessar, pois impede a adoção de soluções inovadoras e mesmo a possibilidade de o administrador cometer erros ao procurar acertar.

Qual a solução adequada, perguntariam os leitores? Aquela que qualificasse como improbidade o ato que violasse um princípio cuja interpretação é incontroversa. Mas isso é possível? Perfeitamente possível. Saibam que, após modificações promovidas na Constituição e em leis, o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça passaram a fixar “teses jurídicas” cuja obediência, atendidos alguns ritos, deve ser observada por todos os tribunais.

A fixação dessas “teses” não apenas contribui para maior segurança jurídica, mas evita que o acesso ao Judiciário se torne uma verdadeira loteria. Dessa forma, o projeto de lei teria acertado se qualificasse como ímprobo o ato que violasse um princípio cuja interpretação está incontroversamente consolidada em uma “tese jurídica” fixada por STF e STJ. Ainda podemos pegar esse bonde da história.


Hélio Schwartsman - Com Bolsonaro e Araújo, Brasil corre risco de ficar sem aliados, FSP

Há uma diferença importante entre o policial e o diplomata. Diante de crimes mais sérios, policiais não têm opção que não a de indiciar os suspeitos, independentemente do que achem da lei ou das circunstâncias que levaram ao delito.

Nas relações internacionais, as coisas são um pouco mais complicadas. Mesmo quando a diplomacia está diante de um crime gravíssimo e muito bem documentado, pode ver-se compelida a pegar leve com o autor. É o que acaba de fazer o presidente dos EUA, Joe Biden, ao deixar de responsabilizar o príncipe saudita Mohammed bin Salman pelo assassinato e esquartejamento do jornalista Jamal Khashoggi em 2018.

O problema de base é que, nas relações internacionais, vige o estado de natureza hobbesiano. Sem uma autoridade central forte que a todos submeta, cada Estado é mais ou menos livre para agir como quiser. As principais limitações são a força de outros países, seguida de acordos e tratados internacionais, cuja imposição, entretanto, é fraca, e, no caso de democracias, da repercussão política que as ações possam ter para o público interno.

A resultante desses vetores em nível nacional costuma ser uma política externa pragmática, com algum tempero moral. Os EUA não podem dar-se ao luxo de romper com os sauditas, um de seus principais aliados na região, então Biden optou por pegar leve com o príncipe, mas sem deixar de sinalizar que reprova o homicídio e que poderá reagir de modo mais duro se violações desse tipo se repetirem.

Uma diplomacia totalmente pragmática, pautada exclusivamente por interesses, até pode funcionar para países autocráticos, onde o líder não deve satisfações a ninguém. Já uma diplomacia que se guie apenas por princípios acabaria rapidamente isolada, sem nenhum aliado.

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O Brasil, com Bolsonaro e Ernesto Araújo no comando da política externa, corre o risco de terminar sem aliados e defendendo posições imorais.