terça-feira, 2 de fevereiro de 2021

Nabil Bonduki - No novo pico da pandemia, a aglomeração no Maracanã revela a insensatez nacional, FSP

 No quente mês de janeiro, mais de um milhão e meio de novos casos de Covid 19 surgiram no país, recorde mensal absoluto de toda a pandemia, e ocorreram 29,5 mil mortes, pilha de cadáveres apenas superada (de leve) nos meses de junho (30,3 mil) e julho (32,8 mil). A média de mortes da última semana, 1.071 óbitos, auferida nesse sábado, foi superada em apenas três dias de 2020, na 2ª quinzena de julho.

Alô, alô Brasil! Estamos de novo no pico da pandemia, mas parece que poucos estão dando atenção desse fato. A pandemia está sendo naturalizada e, por isso, está em forte aceleração.

Do presidente que continua dizendo “e daí” para as mortes, às autoridades locais que não têm criatividade e competência para formular políticas e proposta especificas para lidar com a situação, a mensagem que está sendo passada para a população é que os cuidados podem ser relaxados. Isso ocorre em um momento particularmente grave, gerado pela descoberta da variante de Manaus do coronavirus.

Essa variante, que predomina por lá na 2ª onda, é muito mais contagiosa e se difunde com mais facilidade. Isso explica, entre outras razões, o caos vivido no sistema de saúde amazonense. Na primeira onda, foram necessários cerca de 30 mil mde oxigênio para atender a demanda hospitalar da cidade; agora estão sendo requeridos nada menos que 77 mil m3.

Isso dá a dimensão do problema. Um cinturão sanitário deveria ter sido criado em torno de Manaus para evitar a difusão dessa variante. Como isso não foi feito, ela começa a chegar em outros estados, o que pode nacionalizar a situação de Manaus.

Apesar do agravamento do quadro, a real dimensão da pandemia não está sendo percebida pela população. Por um lado, temos o negacionismo do presidente e de sua rede, que dá continuidade a um discurso que minimiza ou desconsidera os efeitos da doença, além de ter desestruturado o Ministério da Saúde.

Por outro, tivemos o exagerado marketing promovido pelo governador Doria em torno da vacina, inclusive apresentando um calendário irreal de vacinação sem ainda dispor dos insumos necessários para sua produção. Isso passou a sensação de que estaríamos próximos da luz no final do túnel. Passados 14 dias, menos de 1% da população foi vacinada.

Como alertei em 13 de dezembro, na coluna “Enquanto Bolsonaro e Doria se enfrentam na batalha da vacina, a pandemia acelera em todo o país”, apenas no 2º semestre poderemos sentir os efeitos da vacinação.

Enquanto isso, devemos ter uma estratégia para conter o avanço da pandemia, inclusive considerando a possibilidade de rígido lockdown, ao mesmo tempo em que se deveria promover uma campanha educação sanitária para que a população retome a consciência deque precisa se cuidar. Infelizmente, estamos longe disso.

As imagens do Maracanã na final das Libertadores, transmitidas para todo o país, com 7.000 torcedores (10% da capacidade do estádio) aglomerados em um pequeno trecho das arquibancadas enquanto o restante do estádio permanecia vazio é o retrato de deseducação sobre como enfrentar a pandemia.

No atual quadro, foi uma irresponsabilidade admitir público no estádio. Não apenas pelo risco de contaminação, mas sobretudo pelo exemplo que se passou. Já que se permitiu, então que se desse uma aula de como organizar uma plateia com isolamento e segurança.

O Maracanã tem capacidade para 78 mil pessoas. Se os presentes estivessem espalhados e regularmente distribuídos por toda a arquibancada, se garantiria um distanciamento de cerca de cinco metros entre cada casal de expectadores. Daria uma foto, que valeria mil palavras, de organização e educação.

Para agravar ainda mais o mau exemplo, entre os torcedores estava o prefeito licenciado de São Paulo, Bruno Covas. Nada contra ele se divertir com o filho em um sábado. Tem todo direito ao lazer e ao convívio familiar.

A questão é a mensagem que isso passa para a população, aspecto que o prefeito da maior cidade brasileira não deve desconsiderar em meio a pandemia. Se o prefeito pode estar lá no meio dos torcedores, porque eu não posso ir para as imediações do Allianz Parque comemorar a vitória, pensaram os palmeirenses.

As imagens do Maracanã reforçaram a sensação de que os cuidados sanitários e o distanciamento físico são “frescuras de maricas”, usando a linguagem do presidente, o maior garoto propaganda da disseminação do coronavírus.

No sábado, São Paulo, que está em um arremedo de “fase vermelha” nos fins de semana, viveu uma situação esdrúxula. Enquanto restaurantes estruturados, que trabalham com número reduzido de mesas e regras corretas de distanciamento físico, estavam proibidos de atender presencialmente, milhares de pessoas sem máscaras e distanciamento se aglomeraram no entorno do estádio do Palmeiras bebendo, gritando e se abraçando. Bares vendiam bebidas alcoólicas.

Cenas semelhantes ocorreram em todas as regiões das cidade, em maior ou menor escala. Na periferia, continua inexistindo fase roxa, vermelha, laranja ou amarela: tudo segue funcionando normalmente, inclusive a ausência do Estado.

Em muitos lugares, via-se rodas de pessoas bebendo sem máscara nas calçadas, enquanto os bares vendiam apenas para delivery. A taxa de isolamento no sábado foi de 40% contra 38% na 6ª feira, quando a cidade estava da fase laranja, menos restritivas. Ou seja, o efeito foi mínimo.

As praias de Santos, também na fase vermelha, ficaram repletas de banhistas sem máscaras nesse domingo. Poucos devem se lembrar do desembargador negacionista que foi multado por andar sem máscara na orla de Santos e que desacatou o guarda municipal que o abordou, assunto que abordei na coluna de 20/07/2020. Vendo essas cenas na praia, ele deve estar rindo e pensando: está vendo como eu tinha razão!

Esses são apenas alguns exemplos da insensatez que vivemos em um novo pico da pandemia. E nem vou entrar no assunto da retomada das aulas presenciais.

Se tivéssemos um presidente com liderança e preocupado com a vida dos brasileiros, ele iria para uma cadeia nacional de rádio e televisão junto com os governadores e alertaria para a gravidade da situação e necessidade de medidas extremas, com a colaboração e participação da população.

Infelizmente estamos longe disso. Parecemos um barco à deriva, com um comandante delirante e prestes a ganhar o controle do Congresso.

Nabil Bonduki

Professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, foi relator do Plano Diretor e Secretário de Cultura de São Paulo.

Robin Hood, Demi Getschko, OESP

 Devemos à internet o fato de, apesar de estarmos há mais de ano sob a sobra da pandemia, conseguirmos preservar uma vida com alguma normalidade. Ela nos propiciou formas de trabalho remoto, de interação com discussão em grupo, além de continuar a nos prover acesso rápido e ilimitado a informações de todos os tipos, desde aquelas críticas para o nosso dia a dia, até abundantes boatos e futricas, sem falar do expressivo número de variadas “teorias conspiratórias”. Isto, entretanto, não ofusca a constatação do continuado desconstruir que a rede provoca, e a irrefreável mudança, às vezes assustadora. Essas convulsões que vem com a disseminação da rede não são novas e nem deveriam ser motivo de espanto.

    Rodrigo Maia, novos presidentes e grandes desafios, OESP

    Carlos Melo

    01 de fevereiro de 2021 | 23h25

    Foto: Dida Sampaio/Estadão

     

    Foto: Dida Sampaio/Estadão

     

    Atividade dinâmica, a política é cruel. Há três meses, o Dem saía das urnas municipais quase consagrado – era o mais vistoso. Rodrigo Maia colhia os maiores louros. O então presidente da Câmara posicionava-se como o aglutinador do chamado “centro”, o “sujeito do diálogo” pelo qual, não sem motivo, muitos clamavam. Com vistas em 2022, Maia seria a ponte desde o centro direita até o centro esquerda. Independente do candidato à presidência desse amplo espectro, certo é que Maia seria um dos articuladores do que se pretendia “uma frente ampla”.

    A fama que Maia construiu não foi imerecida: no longo período em que se manteve à frente da Câmara, deu extraordinário salto de importância; interveio no debate nacional, propôs. No mais, não se deixou levar pelo canto que lhe oferecia o lugar de Michel Temer; articulou o teto de gastos e a reforma da Previdência – com todos seus erros, acertos e inevitabilidades –, defendeu as prerrogativas do Congresso Nacional e seu papel de freio e contrapeso ao bolsonarismo.

    A possibilidade de continuar no centro da cena, foi-lhe, porém, corretamente negada pelo Supremo. O papel da aglutinação foi-lhe retirado pelos próprios correligionários do Dem, pelos parceiros do PSDB e de outros partidos em que, entre a fidelidade ao líder e a fidelidade a seus próprios interesses, ficaram naturalmente consigo mesmos. Como demonstrou O Estadão (aqui), as verbas do governo tiveram poder irresistível diante do apetite dos parlamentares. Sem conexão com o Executivo, Maia (e Rossi) tornou-se pão dormido; no curto prazo, não apeteceria aquele tipo de paladar; deixou de ser perspectiva de poder.

    Para reaver a esperança de exercer papel relevante em 2022, o emotivo ex-presidente terá que se reconstruir. Rapidamente, numa dinâmica mais vertiginosa que sua queda. Como diz a canção, se seu mundo caiu, carece aprender a levitar. E haverá ambiente para isso.

    Nesta terça-feira, Câmara e Senado amanheceram com novos presidentes, ambos apoiados por Jair Bolsonaro — quem, um dia, estimulou sua turba a fechar as duas Casas. Terá mudado de ideia? O tempo dirá. O processo político não depende apenas da vontade dos atores; menos ainda das confabulações em torno de cargos e emendas. Bem ou mal, há uma sociedade com expectativas, interesses, desesperos e, às vezes, indignação. Os desafios para contentá-la são gigantes. Já a dimensão do entendimento dos problemas do país e a efetividade da ação governamental para resolver múltiplas crises é ínfima.

    A situação interna se deteriora, o respeito externo ao país derrete. Paciência e resignação têm limites; os leões da morte, do desemprego e da fome rugem. E o centrão ouve mal. Tome-se o programa (sic) que Arthur Lira expôs da tribuna, ao defender a candidatura e mesmo as platitudes mencionadas, já eleito: foram discursos de, para e pelo “baixo clero”. No máximo, espumas sobre o país, democracia, autonomia do Legislativo. Nada muito além disso. Não falou para o Povo. Antes, dirigiu-se a seus pares — o seu povo verdadeiro. Ao que tudo indica, isso não bastará. Se houver, o engenho e a arte — que têm faltado — haverá espaço para vários Maias.

    Carlos Melo, cientista político. Professor do Insper.