terça-feira, 2 de outubro de 2018

Os puns de Bolsonaro, FSP

O que Stanislaw Ponte Preta diria das besteiras que continuam a assolar o país?

Volta e meia, alguém se pergunta: e o Stanislaw Ponte Preta, hein? O que ele diria de todo esse festival de tolices? Uma coisa é certa: estaria mais atarefado do que jamais esteve na vida.
Seu criador, Sérgio Porto, morreu há 50 anos, completados no último domingo (30). Escritor, jornalista, radialista, teatrólogo, humorista, “televisista” (termo que inventou), Sérgio se desdobrava. De preferência, trabalhava em casa, só de cueca. Um mínimo de 15 horas por dia, descontando o mergulho na praia bem cedinho. “Só estou levantando o olho da máquina de escrever pra botar colírio”, brincava. 
Ah, sim, também era namorador, pescador, colecionador de discos de jazz, cronista da noite de Copacabana e, não por último, funcionário do Banco do Brasil. Dava expediente na agência central da rua Primeiro de Março, no Centro do Rio. Muitas vezes aparecia por lá de smoking, indo ou chegando de alguma boate, e ninguém se espantava. Depois do enfarte que o matou aos 45 anos, o coleguinha (expressão que ele popularizou) José Carlos Oliveira escreveu: “O maior trabalhador do Brasil acaba de bater o pino”. 
O humor de Stanislaw Ponte Preta fugia do simples protesto político. Revelava-se numa concepção mais anarquista. O que lhe interessava era o ridículo da condição humana, flagrada no impiedosamente engraçado Febeapá (Festival de Besteira que Assola o País). Situação que, no Brasil atual, está elevada à enésima potência. 
 
Daí a curiosidade de seus leitores em saber o que ele falaria a respeito de quem vive na internet pontificando sobre os puns de Bolsonaro, a terra plana, o nazismo de esquerda, o papa comunista, a ditadura sem corrupção nem tortura, os R$ 600 milhões que a Veja teria recebido para atacar um presidenciável. 
Pensado bem, Sérgio Porto não aguentaria o trabalho de acompanhar as redes sociais. Mesmo sendo tão pé de boi. 
Alvaro Costa e Silva
Jornalista, atuou como repórter e editor. É autor de "Dicionário Amoroso do Rio de Janeiro".

Algo está errado quando juízes querem ser árbitros da arena eleitoral, FSP

O avanço das ações de combate à corrupção deu protagonismo inédito ao Judiciário na vida do país. O trabalho de magistrados produziu revelações que imprimiram uma marca permanente em partidos e agentes políticos. Algo está fora do lugar, entretanto, quando juízes pretendem assumir também o papel de árbitros da arena eleitoral.
Em agosto, o juiz Sergio Moro achou melhor adiar para novembro o depoimento de Lula em um dos processos que correm contra o petista. “A fim de evitar a exploração eleitoral dos interrogatórios, seja qual for a perspectiva, reputo oportuno redesignar as audiências.”
O magistrado acrescentou uma crítica ao réu nesta segunda-feira (1º) e afirmou que o ex-presidente “tem transformado as datas de seus interrogatórios em eventos partidários”.
O comentário serviu de introdução ao despacho em que o juiz tornou públicos, a seis dias da eleição presidencial, trechos da delação de Antonio Palocci. O ex-ministro acusa Lula de ter conhecimento dos esquemas de corrupção na Petrobras e diz que o PT financiou ilegalmente suas campanhas políticas.
A divulgação do depoimento, com clara influência sobre o processo eleitoral, reforçou no PT o discurso de que o Judiciário age para prejudicar o partido. Moro sabia disso e buscou uma defesa prévia: “A farsa da invocação de perseguição política não tem lugar perante este juízo”.
No Supremo, Luiz Fux também olhou o calendário ao proibir uma entrevista de Lula à Folha. O ministro julgou razoável tutelar o eleitor, “considerando a proximidade do primeiro turno”, e afirmou que declarações do ex-presidente provocariam “confusão”. A única confusão até agora se deu no tribunal, que precisará discutir o caso no plenário.
Os juízes exercem um bom ofício quando tomam decisões para garantir direitos e punir aqueles que desrespeitam a lei, em qualquer dia do ano. Interferir e tentar mediar o debate eleitoral não cai bem a quem exerce essa função —“seja qual for a perspectiva”, como escreveu Moro. 


Bruno Boghossian
Jornalista, foi repórter da Sucursal de Brasília. É mestre em ciência política pela Universidade Columbia (EUA).