segunda-feira, 6 de agosto de 2018

Você hoje cuidando do seu amanhã, FSP

Não espere ajuda do governo ou da família, assuma a responsabilidade pelo seu futuro

Sabemos que é preciso poupar para o futuro. Dois argumentos para afirmar que isso deixou de ser desejável e passou a ser obrigatório: a perspectiva de vida mais longeva e alterações nas regras da aposentadoria social que virão, mais cedo ou mais tarde.
Então uma coisa é certa: todos precisamos poupar, hoje, parte da nossa renda para prover o nosso futuro. Isso é inegociável.
Para atingir esse objetivo, é necessário projetar nosso orçamento daqui a muitos anos.
Difícil, mas não tem outro jeito. Se não soubermos de quanto precisaremos para viver na aposentadoria, não saberemos quanto devemos poupar hoje para acumular recursos suficientes para nossa subsistência.
Definido o montante das despesas, com a melhor projeção possível, estime o montante de eventuais rendas: pensão do INSS, plano de previdência fechado, juros de investimentos, aluguéis de imóveis etc. A diferença entre entradas e saídas permitirá apurar a renda complementar necessária para fechar o caixa mensal projetado.
O exercício de planejar o futuro continua. Com que idade pretende se aposentar? Qual a expectativa de vida a partir da idade de aposentadoria? Qual será a rentabilidade real (descontada a inflação), líquida (descontados os custos e o imposto de renda), da nossa carteira de ativos, financeiros ou imobiliários?
São premissas de difícil definição, porém necessárias para calcular quanto devemos acumular na fase ativa para financiar a fase seguinte.
Nada como um bom exemplo para ajudar a entender o conceito. José tem 43 anos, é casado, tem dois filhos pré-adolescentes. Orçamento mensal atual de R$ 15 mil, que ele pretende manter para assegurar o mesmo padrão de vida. Estima que o aumento das despesas com saúde será compensado com a redução das despesas com educação dos filhos.
Calcula que precisará de uma renda de R$ 5.000 para complementar a aposentadoria. Pretende se aposentar aos 65 anos e tem expectativa de viver mais 30 anos a partir dessa idade. Com base no seu perfil conservador, entende ser adequado considerar taxa de juros real líquida de 3% ao ano, seja no período de acumulação (até 65 anos), seja no período de retiradas (dos 65 aos 95 anos).
Embora José tenha hoje certa reserva financeira, existem outros projetos de vida que pretende alcançar no curto e no médio prazo. Para o objetivo de aposentadoria, não há capital disponível e partiremos de zero.
Premissas definidas, calculadora financeira na mão, vamos aos números. Primeiro, vamos apurar que capital será necessário para permitir saques mensais de R$ 5.000 por 30 anos (360 meses). O prazo (n) = 360 meses; a taxa de juros (i) = 0,25 ao mês; retiradas mensais (PMT) = 5.000. Pressionamos a tecla PV (valor presente) e a calculadora responderá R$ 1.185.947.
Segundo cálculo, quanto José deverá investir por mês, pelos próximos 22 anos (264 meses), até os 65 anos, para acumular essa quantia? Voltamos à calculadora: o valor futuro (FV) = 1.185.947; o prazo (n) = 264; a taxa de juros (i) = 0,25. Pressionamos a tecla PMT para saber que a aplicação mensal será de R$ 2.965.
Se o orçamento de José permitir essa poupança, ótimo. Caso contrário, deverá considerar a hipótese de adiar um pouco a idade de aposentadoria e/ou reduzir as despesas atuais e abrir espaço no orçamento para alcançar esse objetivo.
Conhece a história do cobertor curto? Se cobrir com folga o presente, vai faltar dinheiro no futuro. Equilibrar e esticar o cobertor, desafio de todos.
marcia.dessen@gmail.com
Marcia Dessen
Planejadora financeira CFP (“Certified Financial Planner”), autora de “Finanças Pessoais: O Que Fazer com Meu Dinheiro”.

O underground do Instagram, Ronaldo Lemos, FSP

Nas contas 'flop', o oposto do mundo cor-de-rosa do 'Insta', publica-se o que deu errado

Quando muita gente pensa no Instagram, vem à mente a imagem de pessoas de férias, pratos de comida bem preparados ou exibicionismo de moda ou de atividades físicas. Especialmente para a geração millennial, o "Insta" de fato se tornou uma plataforma para projetar a melhor imagem pessoal de si mesmo, cuidadosamente selecionada e filtrada. É o lugar por excelência da construção da "marca pessoal".
No entanto, nem todo o mundo notou que o Instagram está se modificando profundamente. A versão pasteurizada do mundo está começando a ficar para trás com o surgimento de vários hábitos novos na plataforma.
AFP
Um exemplo são as chamadas "flop accounts", gerenciadas coletivamente por várias pessoas. Em sua maioria adolescentes que há muito tempo se desencantaram com o Facebook.
"Flop" significa fracasso. E é esse exatamente o tema dessas contas. O objetivo é postar tudo aquilo que deu errado. Celebridades envolvidas em escândalos de assédio ou racismo, cenas de violência física ou verbal, comentários homofóbicos e assim por diante. Qualquer questão moralmente duvidosa ou socialmente inaceitável rapidamente ganha espaço nas muitas contas "flop" que estão sendo criadas.
Curiosamente, as contas flop estão virando o lugar onde muitos adolescentes estão se informando sobre as notícias do dia e debatendo controvérsias sociais. Mais do que isso, há um interesse crescente em debater política.
Reportagem recente da revista The Atlantic fez uma análise da dinâmica dessas discussões. Todos os elementos que já se tornaram familiares estão presentes: polarização, uso de memes como ferramenta de propaganda para posições políticas, debates acalorados, anonimato e assim por diante.
Essas contas funcionam como o avesso do mundo cor-de-rosa do Instagram. São também indício de uma mudança geracional. Enquanto os millennials ficaram presos à ideia de marca pessoal, as gerações mais novas (nascidas as partir de 1998) adotam uma estratégia de ofuscamento. Sabem que é arriscado demais apostar tudo na sua identidade real. O risco de se tornarem "flops" por si mesmo é muito grande.
Em razão disso, muitos optam por utilizar múltiplas contas ao mesmo tempo, a grande maioria fechada somente para amigos.
Outra estratégia é a criação de contas fake, que não permitem identificar a identidade da pessoa (os chamados "finstas"). Nessas contas a geração pós-millennial se sente à vontade para projetar seu lado menos glamoroso, sem correr o risco de afetar sua identidade real.
Essa tendência mostra que, na internet, a dinâmica barra-pesada dos fóruns anônimos —como a 4Chan— acaba se projetando por todos os espaços de discussão coletiva, dos grupos de WhatsApp a agora o Instagram.
Quando primeiro escrevi sobre esses fóruns anônimos, em junho de 2009, aqui na Folha, disse o seguinte: "Existe uma força coletiva surgindo do "underground" da rede. Algumas pessoas acham que é uma forma radical de liberdade de expressão, com esteroides. Vejo o fenômeno com desconfiança, acho que pode ser indício de um ovo da serpente, ruim para todo o mundo no longo prazo".

Reader
Já era Consultar o médico apenas pessoalmente
Já é Telemedicina: poder ser atendido remotamente por um médico por chamada de vídeo
Já vem Ser atendido por uma inteligência artificial médica por meio da internet
Ronaldo Lemos
Advogado, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro.

Geraldo quem?, FSP

Após governar por três mandatos, Geraldo Alckmin é um ilustre desconhecido fora de SP

Convenção Nacional do PSDB lança Geraldo Alckmin como candidato à presidente nas eleições de 2018, com a senadora Ana Amélia (PP-RS) candidata a vice
Convenção Nacional do PSDB lança Geraldo Alckmin como candidato à presidente nas eleições de 2018, com a senadora Ana Amélia (PP-RS) candidata a vice - Pedro Ladeira/Folhapress
Se nos basearmos na experiência dos últimos governos, parece evidente que a projeção do Brasil no mundo fica favorecida com um presidente com trânsito nas instâncias internacionais. Foi o caso com FHC, apreciado pelas elites do atlântico norte, e Lula, respeitado no sul global.
Dilma Rousseff evitava as sonolentas cimeiras internacionais, enquanto Michel Temer consegue ser ainda mais impopular nos círculos diplomáticos. Ele legará ao próximo presidente um Brasil profundamente desprestigiado.
Nesse contexto, as sólidas credenciais internacionais dos candidatos e prováveis candidatos do arco republicano são uma boa notícia. Guilherme Boulos é uma referência incontornável para a esquerda da península ibérica. Fernando Haddad tem boas relações com o atual presidente argentino, Mauricio Macri, e o ex-prefeito de Nova York Michael Bloomberg. Marina Silva conta com o apoio de influentes ONGs internacionais. Por fim, Ciro Gomes estudou em Harvard e tem entre seus assessores um dos intelectuais brasileiros mais conceituados no exterior, Mangabeira Unger.

But what about Geraldo? O governador de São Paulo parece muito mais confiante numa reunião do Sindicato Rural de Ribeirão Preto do que numa reunião do G20 em Hamburgo. Uma qualidade inegável para um candidato em campanha, sobretudo no Brasil, onde as relações internacionais estão longe de ser uma pauta eleitoral.
Porém, se for eleito presidente, ele terá de saber se mostrar ao mundo para reconquistar a confiança dos investidores internacionais. E, feito notável, após governar por três mandatos uma potência econômica da América Latina, ele continua sendo um ilustre desconhecido fora de São Paulo.
A indicação da senadora Ana Amélia para vice revela que, para os estrategistas de Alckmin, a credibilidade internacional constitui um não problema. Em abril deste ano, a senadora gaúcha inventou uma comparação entre a A Jazeera e o "exército islâmico". Ela não é a primeira política brasileira a ridicularizar-se ao abordar assuntos internacionais.
Só no último ano, Temer chamou os russos de soviéticos, e Dória tratou uma selfie com Emmanuel Macron como uma reunião bilateral. O ridículo não mata, como diz o ditado, mas poderia ter deflagrado um incidente diplomático no caso da senadora.
A Al Jazeera é propriedade do governo do Catar, um importante aliado ocidental na luta contra o terrorismo global. No mais, a comparação deixa a entender que, para a senadora, todos os árabes são terroristas em potencial. Um antecedente inconveniente para uma vice-presidente.
Sabemos que a percepção de um país pode mudar subitamente. Os EUA perderam todo o capital de simpatia conquistado por Barack Obama com alguns tuítes de Donald Trump. A França, conhecida pela sua aversão ao livre mercado, tornou-se a capital mundial da inovação tecnóloga sob a liderança de Macron.
Para acelerar a economia, o próximo presidente terá de batalhar para mudar a imagem do Brasil. Para tanto, o anestesista de Pindamonhangaba terá de sair da sua zona de conforto.
Mathias Alencastro
Pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento e doutor em ciência política pela Universidade de Oxford (Inglaterra).