domingo, 8 de julho de 2018

Asas aos gritos, Ruy Castro FSP

ararinha-azul não está sozinha nas preocupações da ACTP. Ela é só uma das espécies vulneráveis, ameaçadas ou já extintas de papagaios brasileiros. Por sorte, há hoje muita gente séria se preocupando com os papagaios no Brasil, mas dói imaginar o que fizemos com eles em nossa história. Nesses 500 anos, nós os capturamos, cortamos suas asas para impedi-los de fugir, vendemo-los individualmente ou em lotes e transportamos nas condições mais cruéis ou simplesmente os abatemos, depenamos e servimos ensopados —em 1808, uma galinha custava mais caro no mercado do que um papagaio.
“Asas aos gritos.” Esta foi a grande imagem com que, em seu livro “Vamos Caçar Papagaios”, de 1926, o poeta Cassiano Ricardo descreveu o protesto dos maracanãs, tiribas e periquitos à entrada do homem no mato. Mas, apesar de seus gritos lancinantes —“em verde comício”, como escreveu Cassiano—, os papagaios perderam. E é vergonhoso que, hoje, tenhamos de recorrer aos de fora para recuperar o que um dia foi nosso.
Já que vamos importar da Alemanha 50 ararinhas-azuis, por que não mandar trazer igual número de políticos, ministros de Estado, empresários, advogados e até juízes para que se reproduzam aqui e, com o tempo, substituam alguns dos nossos atualmente em exercício ou fora dele?  
E rápido, antes que o Brasil também esteja extinto.    
 
Ruy Castro
Jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues.

A serviço do público, Opinião FSP

Portaria que autoriza transferência compulsória de funcionário federal abre caminho para racionalizar alocação de pessoal

Vista da Esplanada dos Ministérios, em Brasília - Renato Costa/Folhapress
O Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão deu um passo até certo ponto óbvio, mas com algum potencial contencioso, na administração de pessoal: diminuiu as barreiras para remanejar servidores públicos federais entre órgãos, prescindindo da autorização destes para as transferências, que passam a ser obrigatórias.
A medida estava prevista em lei desde 1990, sem chegar a ser posta em prática por falta de regulamentação. Esta veio na quarta-feira (4), com a publicação de uma portaria no Diário Oficial da União.
Ninguém desconhece que as regras a disciplinar o funcionalismo compõem hoje um emaranhado que, em nome de proteger os empregados, levantam obstáculos consideráveis para os gestores. Premido por restrição orçamentária, o Planalto enfim buscou a flexibilidade necessária para racionalizar recursos disponíveis.
A nova norma afetará até cerca de 1,2 milhão de profissionais a serviço da União, aí incluídas administração direta e indireta e estatais.
Para o primeiro grupo, que abarca ministérios e institutos federais como o IBGE, a portaria torna compulsórias as transferências de uma entidade a outra para “promover o adequado dimensionamento da força de trabalho no âmbito do Poder Executivo federal”. A decisão cabe ao Planejamento.
Nesse caso, o da administração direta e indireta (679 mil funcionários), desaparece o poder de veto antes exercido pelo órgão de origem do servidor. A obrigatoriedade vale também para aquelas estatais que dependem de repasses do Tesouro Nacional (75 mil pessoas), como a Empresa Brasil de Comunicação (EBC).
A realocação de funcionários das empresas federais sustentadas com as receitas que geram, como o Banco do Brasil, prossegue na dependência de anuência de seus superiores. Nessa rubrica se encaixam 428 mil profissionais.
Sem algum ganho de maleabilidade, as distorções continuarão a multiplicar-se. Um exemplo claro está no número despropositado de servidores da União envolvidos na gestão de pessoal: 21 mil.
Com o plano de centralizar no Planejamento a administração de 697 mil funcionários inativos, o governo espera liberar 9.500 assalariados nos próximos dois anos. Estes poderão então ser realocados e suprir órgãos deficitários, sempre respeitadas a natureza do trabalho e as vantagens nas carreiras para as quais fizeram concurso.
Os profissionais imbuídos do espírito de servir ao público não deverão opor resistência significativa a mudanças retificadoras. Ela poderá vir dos bolsões corporativistas incrustados no Estado —e já passou da hora de enfrentá-los com maior determinação.

Sobrevivência no ar, Opinião FSP



A venda dos principais negócios da brasileira Embraer para a americana Boeing foi decisão orientada pela necessidade de sobreviver em um mercado mundial concentrado.
A principal concorrente da Embraer, a divisão de jatos médios da canadense Bombardier, foi incorporada pela Airbus. A ex-estatal passou a competir com as gigantes da fabricação de aeronaves em condições mais desfavoráveis. Sua escala menor de produção limita tentativas de redução de custos, bem como o acesso a compradores.
As negociações em curso preveem a criação de duas empresas. Uma delas produzirá jatos comerciais médios, sendo em 80% propriedade da Boeing.
Outra companhia, talvez uma associação com controle da brasileira, ficará com as linhas de aviões de defesa, jatos executivos e outros pequenos aparelhos, negócio que rende menos de 10% do lucro da companhia brasileira.
A primeira vai se valer das vantagens oferecidas pela participante dos Estados Unidos: tamanho, possibilidade de redução de encargos administrativos e operacionais devido a sinergias, tecnologia, recursos mais baratos para investir e facilidades comerciais e políticas.
No entanto é incerto como serão divididas as capacidades tecnológicas dessa empresa —engenheiros e conhecimentos que servem às várias linhas de produção da Embraer. Tampouco se sabe se a ênfase em pesquisa e desenvolvimento será mantida pelos novos proprietários, ou se a atividade será mais parecida com a de uma montadora.
Já a segunda companhia terá escala ainda menor e tende a sofrer com resultados econômicos insustentáveis. Há indícios de que terá apoio da Boeing na promoção e aperfeiçoamento de seu avião de transporte militar e de cargas. Terá a mesma ajuda no projeto do caça Gripen, que desenvolve em parceria com a sueca Saab?
O governo brasileiro, os militares em particular, preocupava-se com esse assunto —a manutenção da capacidade nacional de produzir aviões de combate e tecnologias relacionadas.
Em tese, a transação parece tranquilizadora para aqueles que se ocupam de problemas ditos estratégicos. Mas o sucesso do que restou da Embraer nacional é um ponto de interrogação.
Faltam definições, ademais, a respeito da cisão operacional e das dívidas. Apenas em 2019 haverá clareza sobre o formato das novas empresas de aviação que vão atuar no Brasil. Tais questões sem dúvida se mostram relevantes.
Entretanto é inegável que a alternativa de enfrentar sozinha o mercado mundial não mais se afigurava razoável para a Embraer.