domingo, 19 de fevereiro de 2017

O preço do congelamento, OESP


As consequências negativas do congelamento por um ano da tarifa de ônibus de R$ 3,80 pelo prefeito João Doria, facilmente previsíveis desde que ele foi anunciado como uma das primeiras medidas de seu governo, tornaram-se agora ainda mais evidentes, quando o tamanho da conta dessa infeliz decisão começa a ser expresso em números precisos. Em janeiro, a Prefeitura gastou R$ 305 milhões em subsídios ao serviço de ônibus, ou 17% do total previsto para essa despesa no orçamento de 2017 – R$ 1,8 bilhão –, valor muito acima da média mensal de 8%, o que logo acendeu um sinal de alerta.
Mesmo considerando que, como se espera, um gasto de tal ordem não se repita nos meses seguintes, o total do subsídio deve ficar muito acima do orçado, como reconhece o próprio governo municipal: “Em 2016, o subsídio atingiu R$ 2,9 bilhões, frente a orçamento aprovado de R$ 1,7 bilhão. Para 2017, o orçamento prevê R$ 1,8 bilhão, o que sugere que o déficit de 2016 deve se repetir”. Exatamente porque, acrescente-se, a tarifa foi congelada.
A situação é preocupante, porque o congelamento ocorre não num momento de folga na receita municipal, que poderia justificar tal liberalidade, mas, ao contrário, quando ela está em baixa por causa da retração da atividade econômica em meio à grave crise por que passa o País, o que recomenda apertar o cinto. Não é por acaso que, à cata de recursos, Doria lançou um ousado programa de privatização de bens municipais e de concessão até de parques à iniciativa privada.
Uma medida mais importante e drástica do que essas foi o remanejamento de verbas que o prefeito foi obrigado a fazer para que a Secretaria Municipal de Educação pudesse pagar o aumento de salário dos professores da rede municipal concedido pelo ex-prefeito Fernando Haddad no ano passado. O orçamento aprovado em dezembro não previa nem essa despesa nem a do pagamento de professores que estão se aposentando. O dinheiro para cobrir esse rombo sairá principalmente de verbas que seriam destinadas a obras públicas, que perdem R$ 215,9 milhões, e do setor de habitação, que perde R$ 150 milhões.
Além de administrar a escassez de recursos para socorrer setores vitais como a educação, o prefeito tem de procurar outros para tapar o buraco deixado pela defasada tarifa de ônibus de R$ 3,80. E não é pouca coisa, já que é de R$ 1,1 bilhão a diferença entre o previsto no orçamento para o subsídio ao setor (R$ 1,8 bilhão) e o que será de fato gasto, como reconhece o governo (R$ 2,9 bilhões). Uma cifra muito superior à da primeira estimativa feita por Doria ainda antes de sua posse para o custo do congelamento – R$ 450 milhões.
Medidas anunciadas por ele para cobrir essa despesa, como a redução das gratuidades do serviço de ônibus, bancadas pelo subsídio, como a dos bilhetes para os idosos, consideradas excessivamente generosas, têm alcance limitado. O mesmo se pode dizer do combate às fraudes crescentes do sistema. Como é inconcebível que o serviço pare de funcionar por falta de recursos, o dinheiro para mantê-lo terá de vir do corte de gastos de outros setores. Em outras palavras, outros serviços serão fatalmente prejudicados por causa do congelamento, e os paulistanos precisam saber disso.
Dinheiro não cai do céu. Alguém sempre paga a conta de qualquer benefício concedido. No caso, esse alguém é o contribuinte paulistano, que sustenta os serviços municipais com seus altos impostos. O custo do congelamento, que favorece quem anda de ônibus, será passado para o conjunto dos contribuintes, ou seja, também para quem não utiliza o serviço.
O mais grave nessa história é que todo mundo sabe do efeito nefasto do congelamento. Ele já foi feito várias vezes – a última, ainda muito recente, no governo anterior, de Fernando Haddad – e sempre deu errado, com benefício passageiro apenas para os que usam o serviço. E mesmo estes, no momento seguinte, têm de arcar com aumento muito elevado da tarifa para compensar o tempo em que ela foi mantida artificialmente baixa.

Combinado não sai caro, editorial OESP


A reforma trabalhista em discussão no Congresso pretende corrigir as distorções da CLT
19 Fevereiro 2017 | 04h00
Apenas no ano passado, 3 milhões de novas ações trabalhistas foram ajuizadas nos tribunais de todo o País – número que faz do Brasil o campeão mundial em processos dessa natureza –, sobrecarregando ainda mais o já assoberbado Poder Judiciário. É razoável inferir que o volume de reclamações trabalhistas seria menor caso a sabedoria popular consagrada pelo provérbio que dá título a este editorial também fluísse, como nas ruas, pelas páginas da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), hoje em absoluto descompasso com a realidade daquilo que pretende proteger. Esta é uma das distorções que a reforma trabalhista em discussão no Congresso pretende corrigir.
Entre as medidas que visam a arejar a arcaica legislação da década de 1940, a prevalência do acordo negociado entre empregados e empregadores sobre o disposto em lei é das mais auspiciosas. Em recente seminário sobre o tema, ocorrido na Fundação Fernando Henrique Cardoso, o presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Ives Gandra Martins Filho, alertou para o que chamou de “ativismo judiciário” ao tratar do caráter intervencionista da Justiça trabalhista. Segundo Martins Filho, “há um ativismo judiciário que chega ao cúmulo de partir de princípios próprios para criar normas”. Tão pernicioso é esse “ativismo” na Justiça trabalhista, prossegue o ministro, que “há casos que podem levar empresas ao fechamento”. Esse furor normativo tem custado caro aos brasileiros, tanto do ponto de vista econômico como da qualidade da prestação jurisdicional, inversamente proporcional às pilhas de processos que hoje atravancam os gabinetes dos magistrados e desestabilizam as relações entre empresas e trabalhadores.
Um número tão grande de ações trabalhistas pode levar à conclusão de que ser desprovido de quaisquer escrúpulos parece ser condição para os empregadores contratarem no Brasil; ou de que as normas que regem as relações de trabalho ora em vigor distanciaram-se das atuais necessidades de patrões e empregados. Não obstante os abusos ainda praticados por empregadores leoninos, parece clara a prevalência da segunda hipótese. A necessidade da reforma trabalhista impõe-se, nos termos propostos pelo governo federal, de um lado, para desafogar a Justiça e, consequentemente, melhorar a prestação jurisdicional às partes. De outro, para trazer maior segurança jurídica às relações entre as empresas e os trabalhadores.
A insegurança jurídica nas relações de trabalho não escaparia da apreciação do Supremo Tribunal Federal. No início de 2015, a Corte foi instada a manifestar-se sobre a questão no julgamento da validade do acordo coletivo celebrado entre o Banco do Estado de Santa Catarina (Besc) e o sindicato dos empregados, antes da incorporação do banco catarinense pelo Banco do Brasil, em 2008. Pelo acordo, as indenizações pagas à época dariam quitação geral de débitos trabalhistas, ou seja, o pagamento impediria futuros questionamentos na Justiça. O TST julgou nula esta cláusula por seu caráter genérico. Já no Supremo, foi determinante o voto do ministro Luís Roberto Barroso, relator do processo, que entendeu ser válido o acordo à luz da Constituição, que “prestigiou a autonomia coletiva da vontade como mecanismo pelo qual o trabalhador participará da formulação das normas que regerão a sua própria vida, inclusive no trabalho”. O julgamento não teve repercussão geral por ter sido o primeiro dessa natureza a tramitar na Corte Suprema, prolongando, assim, o conflito com o entendimento do TST de que a negociação coletiva não se sobrepõe aos direitos garantidos por preceito de lei.
A reforma trabalhista ora em discussão no Congresso é um imperativo para pacificar as relações de trabalho, trazer equilíbrio para o processo decisório nos tribunais – hoje notoriamente favoráveis a um dos lados contendores, o dos empregados – e fomentar o desenvolvimento da atividade econômica, muitas vezes tolhida por um arcabouço jurídico intimidador.

Nova economia, velha política


Não há nova economia sem velha política. Se essa hipótese estiver correta, o pragmatismo que olha para o lado quando a Turma do Pudim fecha a torneira da Lava Jato é quase tudo, menos vão. Para os agentes econômicos, justifica-se apoiar o governo Temer por sua capacidade de aprovar reformas estruturais, restabelecer a confiança do consumidor e promover o equilíbrio orçamentário. Ele ruma ao sucesso? Depende de onde isso fica.
José Roberto de Toledo
13 Fevereiro 2017 | 05h00
Na contabilidade oficial brasiliense, tudo parece resolvido ou perto de sê-lo. No papel, o orçamento está equilibrado, a maioria do governo no Congresso é esmagadora e Michel Temer caminha para conquistar hegemonia também no Judiciário - principal fonte de instabilidade para seus antecessores. Controlar o Supremo Tribunal Federal será a cereja do bolo.
Os problemas só aparecem quando se teima em olhar para aquele quinhão de terra que circunda o Distrito Federal. No Brasil, as contas públicas continuam sendo um problema. A cada semana, ele se manifesta de maneira diferente. A mais recente é a subversão da Polícia Militar do Espírito Santo, cujas consequências são toque de recolher da população e assassinatos às centenas. Não por acaso, a crise policial militar ameaça se expandir para o vizinho Rio de Janeiro. O que esses estados têm em comum? A enorme dependência da economia do petróleo. Some-se desvalorização do preço do barril com a crise da Petrobras, e o buraco nas receitas fluminense e capixaba vai tão fundo quanto o pré-sal. E o lado da despesa? Basta lembrar que o Rio tem um ex-governador preso, e que o atual foi cassado pelo TRE-RJ.
Nada disso ocorreu de repente. Só não faz mais tempo que o PMDB domina a política fluminense do que o partido controla o Poder Legislativo em Brasília. A flor mais recente que desabrochou do canteiro de obras peemedebista no Rio foi colhida pela Lava Jato e é conservada em Curitiba, preventivamente. Isso depois de ter espalhado seu perfume por metade da atual Câmara dos Deputados. Alguém pode achar que é coincidência, perseguição - ou milagre.
Política e economia são dois lados da mesma moeda. Se um é velho, encardido e desvalorizado, impossível o outro ser lustroso, limpinho e forte. Até porque os métodos que alimentam o rolo compressor do governo no Congresso são os mesmos que, na era petista, batizaram escândalos na base do aumentativo. Os personagens, inclusive, são os mesmos - tirando os presos.
Como de hábito, quando o governo precisa acomodar uma insurreição em sua base no Senado ou na Câmara, nomeia o insurreto ou um seu indicado para algum cargo público - às vezes recria um ministério que acabara de fechar. A ânsia por ocupar essas funções, imagina-se, é para ajudar o PMDB a construir sua ponte para o futuro - ou várias, se o orçamento permitir.
A despeito disso, pelos indicadores de mercado, o governo Temer está dando certo. A Bolsa sobe, os juros e a inflação caem. A confiança do consumidor, aos soluços, ameaça crescer. Até a avaliação da atual gestão parece melhorar - afinal, sair do "péssimo" para o "ruim" não deixa de ser um avanço.
Em resumo, se o Brasil não atrapalhar, Brasília promete inaugurar uma nova fase de progresso à medida que a Lava Jato vira esguicho. Se tiver êxito, será a confirmação de que sem a velha política, a nova economia não existe. E a prova é para já.
Quem sabe após o gato Angorá subir à cobertura do Palácio do Planalto, e o novo ministro atravessar a praça dos Três Poderes para vestir a toga no Supremo as coisas engrenem de vez? Não é impossível. Vão se somar a uma equipe notória por entregar o que promete. Ninguém ganha apelido da Odebrecht de graça.