quinta-feira, 2 de abril de 2015

18 razões para não reduzir a maioridade penal, por Douglas Belchior (pauta)


Publicado por Moema Fiuza - 1 dia atrás
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Por Douglas Belchior

O debate sobre a redução da maioridade penal é muito complexo. Não porque seja difícil defender a inconsequência e a ineficácia da medida enquanto solução para os problemas da violência e criminalidade. Mas, principalmente, por ter de enfrentar um imaginário retroalimentado pela grande mídia o tempo todo e há muitos anos, que reafirma: há pessoas que colocam a sociedade em risco. Precisamos nos ver livres delas. Se possível, matá-las. Ou ao menos prendê-las, quanto mais e quanto antes.
Em sala de aula, ver adolescentes defendendo a prisão e a morte para seus iguais dói. Mas é possível reverter esse pensamento. “Queremos justiça ou vingança?”, é a pergunta que mais gosto de fazer.
E você que me lê, se quer vingança, está correto. Reduza a maioridade penal para 16, e depois para 14, 12, 10 anos. Prenda em maior número e cada vez mais cedo. Institua a pena de morte.
Mas se quer justiça, as saídas são outras. E te apresento abaixo, 18 razões para refletir.
18 razes para no reduzir a maioridade penal

1º. Porque já responsabilizamos adolescentes em ato infracional

A partir dos 12 anos, qualquer adolescente é responsabilizado pelo ato cometido contra a lei. Essa responsabilização, executada por meio de medidas socioeducativas previstas no ECA, tem o objetivo de ajudá-lo a recomeçar e a prepará-lo para uma vida adulta de acordo com o socialmente estabelecido. É parte do seu processo de aprendizagem que ele não volte a repetir o ato infracional.
Por isso, não devemos confundir impunidade com imputabilidade. A imputabilidade, segundo o Código Penal, é a capacidade da pessoa entender que o fato é ilícito e agir de acordo com esse entendimento, fundamentando em sua maturidade psíquica.

2º. Porque a lei já existe, resta ser cumprida

ECA prevê seis medidas educativas: advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, semiliberdade e internação. Recomenda que a medida seja aplicada de acordo com a capacidade de cumpri-la, as circunstâncias do fato e a gravidade da infração.
Muitos adolescentes, que são privados de sua liberdade, não ficam em instituições preparadas para sua reeducação, reproduzindo o ambiente de uma prisão comum. E mais: o adolescente pode ficar até 9 anos em medidas socioeducativas, sendo três anos interno, três em semiliberdade e três em liberdade assistida, com o Estado acompanhando e ajudando a se reinserir na sociedade.
Não adianta só endurecer as leis se o próprio Estado não as cumpre.

3º. Porque o índice de reincidência nas prisões é de 70%

Não há dados que comprovem que o rebaixamento da idade penal reduz os índices de criminalidade juvenil. Ao contrário, o ingresso antecipado no falido sistema penal brasileiro expõe as (os) adolescentes a mecanismos/comportamentos reprodutores da violência, como o aumento das chances de reincidência, uma vez que as taxas nas penitenciárias são de 70% enquanto no sistema socioeducativo estão abaixo de 20%.
A violência não será solucionada com a culpabilização e punição, mas pela ação da sociedade e governos nas instâncias psíquicas, sociais, políticas e econômicas que as reproduzem. Agir punindo e sem se preocupar em discutir quais os reais motivos que reproduzem e mantém a violência, só gera mais violência.

4º. Porque o sistema prisional brasileiro não suporta mais pessoas

O Brasil tem a 4º maior população carcerária do mundo e um sistema prisional superlotado com 500 mil presos. Só fica atrás em número de presos para os Estados Unidos (2,2 milhões), China (1,6 milhões) e Rússia (740 mil).
O sistema penitenciário brasileiro NÃO tem cumprido sua função social de controle, reinserção e reeducação dos agentes da violência. Ao contrário, tem demonstrado ser uma “escola do crime”.
Portanto, nenhum tipo de experiência na cadeia pode contribuir com o processo de reeducação e reintegração dos jovens na sociedade.

5º. Porque reduzir a maioridade penal não reduz a violência

Muitos estudos no campo da criminologia e das ciências sociais têm demonstrado que NÃO HÁ RELAÇÃO direta de causalidade entre a adoção de soluções punitivas e repressivas e a diminuição dos índices de violência.
No sentido contrário, no entanto, se observa que são as políticas e ações de natureza social que desempenham um papel importante na redução das taxas de criminalidade.
Dados do Unicef revelam a experiência mal sucedida dos EUA. O país, que assinou a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, aplicou em seus adolescentes, penas previstas para os adultos. Os jovens que cumpriram pena em penitenciárias voltaram a delinquir e de forma mais violenta. O resultado concreto para a sociedade foi o agravamento da violência.
(Sobre este assunto, recomendo a leitura deste artigo: Todos os países que reduziram a maioridade penal não diminuíram a violência)

6º. Porque fixar a maioridade penal em 18 anos é tendência mundial

Diferentemente do que alguns jornais, revistas ou veículos de comunicação em geral têm divulgado, a idade de responsabilidade penal no Brasil não se encontra em desequilíbrio se comparada à maioria dos países do mundo.
De uma lista de 54 países analisados, a maioria deles adota a idade de responsabilidade penal absoluta aos 18 anos de idade, como é o caso brasileiro.
Essa fixação majoritária decorre das recomendações internacionais que sugerem a existência de um sistema de justiça especializado para julgar, processar e responsabilizar autores de delitos abaixo dos 18 anos.

7º. Porque a fase de transição justifica o tratamento diferenciado

A Doutrina da Proteção Integral é o que caracteriza o tratamento jurídico dispensado pelo Direito Brasileiro às crianças e adolescentes, cujos fundamentos encontram-se no próprio texto constitucional, em documentos e tratados internacionais e noEstatuto da Criança e do Adolescente.
Tal doutrina exige que os direitos humanos de crianças e adolescentes sejam respeitados e garantidos de forma integral e integrada, mediando e operacionalização de políticas de natureza universal, protetiva e socioeducativa.
A definição do adolescente como a pessoa entre 12 e 18 anos incompletos implica a incidência de um sistema de justiça especializado para responder a infrações penais quando o autor trata-se de um adolescente.
A imposição de medidas socioeducativas e não das penas criminais relaciona-se justamente com a finalidade pedagógica que o sistema deve alcançar, e decorre do reconhecimento da condição peculiar de desenvolvimento na qual se encontra o adolescente.

8º. Porque as leis não podem se pautar na exceção

Até junho de 2011, o Cadastro Nacional de Adolescentes em Conflito com a Lei (CNACL), do Conselho Nacional de Justiça, registrou ocorrências de mais de 90 mil adolescentes. Desses, cerca de 30 mil cumprem medidas socioeducativas. O número, embora seja considerável, corresponde a 0,5% da população jovem do Brasil, que conta com 21 milhões de meninos e meninas entre 12 e 18 anos.
Sabemos que os jovens infratores são a minoria, no entanto, é pensando neles que surgem as propostas de redução da idade penal. Cabe lembrar que a exceção nunca pode pautar a definição da política criminal e muito menos a adoção de leis, que devem ser universais e valer para todos.
As causas da violência e da desigualdade social não se resolverão com a adoção de leis penais severas. O processo exige que sejam tomadas medidas capazes de romper com a banalização da violência e seu ciclo. Ações no campo da educação, por exemplo, demonstram-se positivas na diminuição da vulnerabilidade de centenas de adolescentes ao crime e à violência.

9º. Porque reduzir a maioridade penal é tratar o efeito, não a causa

constituição brasileira assegura nos artigos  e  direitos fundamentais como educação, saúde, moradia, etc. Com muitos desses direitos negados, a probabilidade do envolvimento com o crime aumenta, sobretudo entre os jovens.
O adolescente marginalizado não surge ao acaso. Ele é fruto de um estado de injustiça social que gera e agrava a pobreza em que sobrevive grande parte da população.
A marginalidade torna-se uma prática moldada pelas condições sociais e históricas em que os homens vivem. O adolescente em conflito com a lei é considerado um ‘sintoma’ social, utilizado como uma forma de eximir a responsabilidade que a sociedade tem nessa construção.
Reduzir a maioridade é transferir o problema. Para o Estado é mais fácil prender do que educar.

10º. Porque educar é melhor e mais eficiente do que punir

A educação é fundamental para qualquer indivíduo se tornar um cidadão, mas é realidade que no Brasil muitos jovens pobres são excluídos deste processo. Puni-los com o encarceramento é tirar a chance de se tornarem cidadãos conscientes de direitos e deveres, é assumir a própria incompetência do Estado em lhes assegurar esse direito básico que é a educação.
As causas da violência e da desigualdade social não se resolverão com adoção de leis penais mais severas. O processo exige que sejam tomadas medidas capazes de romper com a banalização da violência e seu ciclo. Ações no campo da educação, por exemplo, demonstram-se positivas na diminuição da vulnerabilidade de centenas de adolescentes ao crime e à violência.
Precisamos valorizar o jovem, considerá-los como parceiros na caminhada para a construção de uma sociedade melhor. E não como os vilões que estão colocando toda uma nação em risco.

18 razes para no reduzir a maioridade penal

11º. Porque reduzir a maioridade penal isenta o Estado do compromisso com a juventude

O Brasil não aplicou as políticas necessárias para garantir às crianças, aos adolescentes e jovens o pleno exercício de seus direitos e isso ajudou em muito a aumentar os índices de criminalidade da juventude.
O que estamos vendo é uma mudança de um tipo de Estado que deveria garantir direitos para um tipo de Estado Penal que administra a panela de pressão de uma sociedade tão desigual. Deve-se mencionar ainda a ineficiência do Estado para emplacar programas de prevenção da criminalidade e de assistência social eficazes, junto às comunidades mais pobres, além da deficiência generalizada em nosso sistema educacional.

12º. Porque os adolescentes são as maiores vítimas, e não os principais autores da violência

Até junho de 2011, cerca de 90 mil adolescentes cometeram atos infracionais. Destes, cerca de 30 mil cumprem medidas socioeducativas. O número, embora considerável, corresponde a 0,5% da população jovem do Brasil que conta com 21 milhões de meninos e meninas entre 12 e 18 anos.
Os homicídios de crianças e adolescentes brasileiros cresceram vertiginosamente nas últimas décadas: 346% entre 1980 e 2010. De 1981 a 2010, mais de 176 mil foram mortos e só em 2010, o número foi de 8.686 crianças e adolescentes assassinadas, ou seja, 24 POR DIA!
A Organização Mundial de Saúde diz que o Brasil ocupa a 4º posição entre 92 países do mundo analisados em pesquisa. Aqui são 13 homicídios para cada 100 mil crianças e adolescentes; de 50 a 150 vezes maior que países como Inglaterra, Portugal, Espanha, Irlanda, Itália, Egito cujas taxas mal chegam a 0,2 homicídios para a mesma quantidade de crianças e adolescentes.

13º. Porque, na prática, a PEC 33/2012 é inviável

A Proposta de Emenda Constitucional quer alterar os artigos 129 e 228 daConstituição Federal, acrescentando um parágrafo que prevê a possibilidade de desconsiderar da inimputabilidade penal de maiores de 16 anos e menores de 18 anos.
E o que isso quer dizer? Que continuarão sendo julgados nas varas Especializadas Criminais da Infância e Juventude, mas se o Ministério Público quiser poderá pedir para ‘desconsiderar inimputabilidade’, o juiz decidirá se o adolescente tem capacidade para responder por seus delitos. Seriam necessários laudos psicológicos e perícia psiquiátrica diante das infrações: crimes hediondos, tráfico de drogas, tortura e terrorismo ou reincidência na pratica de lesão corporal grave e roubo qualificado. Os laudos atrasariam os processos e congestionariam a rede pública de saúde.
A PEC apenas delega ao juiz a responsabilidade de dizer se o adolescente deve ou não ser punido como um adulto.
No Brasil, o gargalo da impunidade está na ineficiência da polícia investigativa e na lentidão dos julgamentos. Ao contrário do senso comum, muito divulgado pela mídia, aumentar as penas e para um número cada vez mais abrangente de pessoas não ajuda em nada a diminuir a criminalidade, pois, muitas vezes, elas não chegam a ser aplicadas.

14º. Porque reduzir a maioridade penal não afasta crianças e adolescentes do crime

Se reduzida a idade penal, estes serão recrutados cada vez mais cedo.
O problema da marginalidade é causado por uma série de fatores. Vivemos em um país onde há má gestão de programas sociais/educacionais, escassez das ações de planejamento familiar, pouca oferta de lazer nas periferias, lentidão de urbanização de favelas, pouco policiamento comunitário, e assim por diante.
A redução da maioridade penal não visa a resolver o problema da violência. Apenas fingir que há “justiça”. Um autoengano coletivo quando, na verdade, é apenas uma forma de massacrar quem já é massacrado.
Medidas como essa têm caráter de vingança, não de solução dos graves problemas do Brasil que são de fundo econômico, social, político. O debate sobre o aumento das punições a criminosos juvenis envolve um grave problema: a lei do menor esforço. Esta seduz políticos prontos para oferecer soluções fáceis e rápidas diante do clamor popular.
Nesse momento, diante de um crime odioso, é mais fácil mandar quebrar o termômetro do que falar em enfrentar com seriedade a infecção que gera a febre.

15º. Porque afronta leis brasileiras e acordos internacionais

Vai contra a Constituição Federal Brasileira que reconhece prioridade e proteção especial a crianças e adolescentes. A redução é inconstitucional.
Vai contra o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE) de princípios administrativos, políticos e pedagógicos que orientam os programas de medidas socioeducativas.
Vai contra a Doutrina da Proteção Integral do Direito Brasileiro que exige que os direitos humanos de crianças e adolescentes sejam respeitados e garantidos de forma integral e integrada às políticas de natureza universal, protetiva e socioeducativa.
Vai contra parâmetros internacionais de leis especiais para os casos que envolvem pessoas abaixo dos dezoito anos autoras de infrações penais.
Vai contra a Convenção sobre os Direitos da Criança e do Adolescente da Organização das Nações Unidas (ONU) e a Declaração Internacional dos Direitos da Criança compromissos assinados pelo Brasil.

16º. Porque poder votar não tem a ver com ser preso com adultos

O voto aos 16 anos é opcional e não obrigatório, direito adquirido pela juventude. O voto não é para a vida toda, e caso o adolescente se arrependa ou se decepcione com sua escolha, ele pode corrigir seu voto nas eleições seguintes. Ele pode votar aos 16, mas não pode ser votado.
Nesta idade ele tem maturidade sim para votar, compreender e responsabilizar-se por um ato infracional.
Em nosso país qualquer adolescente, a partir dos 12 anos, pode ser responsabilizado pelo cometimento de um ato contra a lei.
O tratamento é diferenciado não porque o adolescente não sabe o que está fazendo. Mas pela sua condição especial de pessoa em desenvolvimento e, neste sentido, o objetivo da medida socioeducativa não é fazê-lo sofrer pelos erros que cometeu, e sim prepará-lo para uma vida adulta e ajuda-lo a recomeçar.

17º. Porque o Brasil está dentro dos padrões internacionais

São minoria os países que definem o adulto como pessoa menor de 18 anos. Das 57 legislações analisadas pela ONU, 17% adotam idade menor do que 18 anos como critério para a definição legal de adulto.
Alemanha e Espanha elevaram recentemente para 18 a idade penal e a primeira criou ainda um sistema especial para julgar os jovens na faixa de 18 a 21 anos.
Tomando 55 países de pesquisa da ONU, na média os jovens representam 11,6% do total de infratores, enquanto no Brasil está em torno de 10%. Portanto, o país está dentro dos padrões internacionais e abaixo mesmo do que se deveria esperar. No Japão, eles representam 42,6% e ainda assim a idade penal no país é de 20 anos.
Se o Brasil chama a atenção por algum motivo é pela enorme proporção de jovens vítimas de crimes e não pela de infratores.
18 razes para no reduzir a maioridade penal

18º. Porque importantes órgãos têm apontado que não é uma boa solução

O UNICEF expressa sua posição contrária à redução da idade penal, assim como à qualquer alteração desta natureza. Acredita que ela representa um enorme retrocesso no atual estágio de defesa, promoção e garantia dos direitos da criança e do adolescente no Brasil. A Organização dos Estados Americanos (OEA) comprovou que há mais jovens vítimas da criminalidade do que agentes dela.
O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA) defende o debate ampliado para que o Brasil não conduza mudanças em sua legislação sob o impacto dos acontecimentos e das emoções. O CRP (Conselho Regional de Psicologia) lança a campanha Dez Razões da Psicologia contra a Redução da idade penal CNBB, OAB, Fundação Abrinq lamentam publicamente a redução da maioridade penal no país.

quarta-feira, 1 de abril de 2015

Projetos de ciclovias da década de 80 saem do papel na gestão Haddad (não Lido)


Proposta de construção de sistema cicloviário feita pela CET e datada de 1981previa rede de 174 quilômetros de faixas para bicicletas

Leonardo Fuhrmannlfuhrmann@brasileconomico.com.br
São Paulo - Autora da ação que pretende o fim das obras das ciclovias na cidade de São Paulo e a destruição das existentes ou em obras, a promotora de Justiça Camila Mansour Magalhães da Silveira garante não ser contrária a essa estrutura urbana. Ela argumenta que o problema é a falta de planejamento e estudo de impacto e de consultas públicas antes da construção da faixa exclusiva, compartilhada com pedestres ou segregada. E alega que chegou a pedir os documentos para a Prefeitura, mas não foi atendida. A promotora chegou a justificar que um dos motivos para sua ação era garantir a segurança dos usuários das ciclovias, pois muitas delas apresentam buracos e obstáculos físicos em seu traçado. 
A liminar que suspendia as obras, exceto da Avenida Paulista, foi suspensa pelo presidente do Tribunal de Justiça, José Renato Nalini. É a segunda decisão dele que garante a construção e manutenção das ciclovias. Ele já havia suspendido uma liminar dada a um colégio particular, que obrigava o poder público a alterar o trajeto de uma ciclovia para retirá-la da rua onde fica a escola. Para Nalini, o argumento de “falta de estudo prévio de impacto viário”” não é suficiente para a interrupção, ainda mais antes de ouvir a Prefeitura sobre o tema. 
Além da administração municipal, urbanistas e ciclistas contestam a promotora. Doutora em Planejamento Urbano pela USP, a arquiteta Maria Ermelina Brosch Malatesta afirma que os estudos para a implantação de ciclovias na cidade começaram em 1980. O primeiro trajeto foi proposto em dezembro de 1980, e ligaria o Parque do Ibirapuera à Cidade Universitária. Em fevereiro do ano seguinte, foi sugerida a construção de 174 quilômetros, espalhados em 14 setores, que cobririam boa parte da cidade e seriam interligados entre si. “O que está sendo construído é uma evolução do que vinha dessa época”, afirma. 
Maria Ermelina lembra que, em 1982, era proposta a inclusão de ciclovias no plano de avenidas então apresentado, que utilizava áreas de leito de rios para a expansão da estrutura urbana. A pista exclusiva, no entanto, jamais saiu do papel. Naquela época, a construção de ciclovias provocaria um aumento irrisório no custo das obras. Ela é autora de um documento sobre a história dos estudos da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) acerca da implantação de ciclovias. O texto foi publicado na gestão de Gilberto Kassab (PSD), antes do plano de expansão de Fernando Haddad. 
Cicloativista, a jornalista Renata Falzoni separa o planejamento em dois pontos: a criação de uma rede interligada com outros modais e que permita o acesso do ciclista com segurança de uma região para outra da cidade; e a execução das obras em si, em cada parte do sistema. “As rotas foram delineadas e depois a infraestrutura vai precisar ser aperfeiçoada. Alguns traçados podem ser contestados. Mas tem muita gente que critica o planejamento sem entender de ciclovias, como os que apontam a existência de uma árvore no trajeto como um problema”, afirma. Para ela, muitas imagens de ciclovias na periferia induzem as pessoas que não conhecem as regiões a erro. “Falam de lugares onde foram criadas ciclovias e não existiam calçadas, mas não é isso. Foram criadas, na verdade, calçadas compartilhadas para ciclistas e pedestres”, defende. 
Os ciclistas rebatem ainda as afirmações de que a população não foi consultada sobre a construção das faixas para bicicletas. O diretor-geral da Ciclocidade, Gabriel Di Pierro, contou mais de 170 audiências públicas entre 2013 e 2014 sobre o assunto. Sua criação também consta no Plano Diretor Estratégico, no Plano de Metas, e fez parte do programa de governo de Haddad. A aprovação às ciclovias, segundo diferentes pesquisas, varia entre 66% e 84%. Um levantamento da Rede Nossa São Paulo, em parceria com o Ibope, mostrou que 26% dos paulistanos que não usam a bicicleta como meio de transporte passariam a usar caso fossem construídas mais faixas exclusivas. Outros 26% afirmaram que passaria a usá-la se houvesse maior segurança para os ciclistas. 
Livre-docente pela USP e integrante do Conselho da Cidade, o urbanista João Sette Whitaker afirma que as ciclovias estão sendo construídas basicamente sem tirar espaço da circulação de carros. “Muitas delas tiram o espaço de estacionamento. É parte de um processo que foi feito em outras cidades, como Paris e Amsterdã, e a resistência sempre veio do mesmo grupo, uma classe média alta de bairros nobres que usa o automóvel até para deslocamentos ínfimos dentro do bairro”, diz. 
Líder do movimento Bicicleta para Todos, Daniel Guth esteve no Ministério Público para apresentar a visão dos ciclistas à promotora. Dias depois, ele e outros cicloativistas entraram com uma representação contra ela na Corregedoria do MP. “Ao propor a destruição de ciclovias, ela coloca em risco a vida de todos os que pedalam na cidade. O fato de a bicicleta perder espaço no trânsito reforça a violência já existente contra o ciclista nas ruas”, argumenta. A Associação Paulista do Ministério Público reagiu e divulgou uma nota de apoio à colega. Para a entidade, ela “agiu em cumprimento de seus deveres legais e constitucionais, com arrimo em sua independência funcional”.
Congresso discute isenlção de IPI para bicicleta desde 2009
A ação contra as ciclovias paulistanas mobilizou movimentos de ciclistas pelo país e até no exterior. Segundo os organizadores, em pelo menos 24 cidades brasileiras e outras 18 espalhadas por 13 países foram organizados atos, de diversos tamanhos, em solidariedade aos ativistas paulistanos. Em São Paulo, os cerca de 7 mil manifestantes organizaram comboios de todas as regiões da cidade para irem à Praça do Ciclista, na Avenida Paulista, local da manifestação. 
A avenida, que é um símbolo da cidade e costuma ser ponto de encontro de manifestações diversas, tem significado especial para os cicloativistas. Por conta de atropelamentos, a via é considerada proporcionalmente o local mais perigoso da cidade para os ciclistas. Em seus pouco mais de dois quilômetros, as chamadas ghost bikes marcam os ciclistas que perderam a vida nela. Esses monumentos urbanos são bicicletas propositalmente danificadas e pintadas de branco em homenagem a quem morreu quando pedalava. Costumam ser colocadas em postes ou calçadas no local do acidente. Por isso, a construção do espaço segregado é considerada não só uma obra de alto valor simbólico, como fundamental para a segurança do paulistano que pedala. 
A organização de atos em solidariedade se deve a grupos organizados de forma horizontal como o Bicicletada e o Massa Crítica, que se comunicam por redes sociais. “Conseguimos uma mobilização semelhante em 2011, depois que um motorista avançou em uma manifestação em Porto Alegre e atropelou diversos ciclistas”, recorda-se Henrique Espírito Santo, estudante que faz parte do grupo. O problema se repetiu na sexta-feira em Fortaleza (CE).
Mais do que discutir a situação de São Paulo, os protestos também mostram uma preocupação com o espaço para bicicletas no trânsito e as discussões sobre a mobilidade urbana. Ativistas e urbanistas lembram que a bicicleta só foi oficialmente incorporada em 1998 como meio de transporte no Código de Trânsito. De lá para cá, as iniciativas em favor do uso da bicicleta podem ser consideradas pontuais. O Plano Nacional de Mobilidade Urbana, de 2012, além de dar prioridade ao transporte público em relação ao individual, também ressalta a preferência ao veículo não motorizado. Mesmo assim, são poucas as políticas públicas para o modal bicicleta. 
O Ministério da Educação, por exemplo, incluiu em 2010 a bicicleta no projeto Caminho da Escola, que pretende facilitar o transporte de alunos. O plano prevê ainda o apoio a prefeituras para a compra de lanchas e ônibus com esse fim. Segundo o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), a ação foi concebida após estudos internos mostrarem que crianças percorrem a pé, diariamente, de três a 15 quilômetros para chegar à escola ou ao ponto onde passa o ônibus escolar. Só em 2011, foram entregues mais de 6,4 mil bicicletas para estudantes. 
Ano passado, o movimento Bicicleta para Todos, que reúne mais de 200 empresas e entidades ligadas ao setor, entregaram um manifesto ao Congresso pela desoneração do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) para a produção e importação de bicicletas e seus acessórios. Atualmente, esse imposto é de 10,4%. A discussão veio na época em que o governo reduziu a cobrança para veículos automotores. A carga tributária dos carros somava 32% e passava de 40% no caso das bicicletas. 
O então senador Inácio Arruda (PCdoB-CE) apresentou emendas com esse fim a medidas provisórias que tramitavam no Legislativo, mas sem sucesso. Ele e o senador Paulo Paim (PT-RS) apresentaram projetos de isenção em 2009. Na Câmara, tramita um projeto com o mesmo objetivo de autoria do deputado Felipe Bornier (PSD-RJ). A proposta foi aprovada na Comissão de Finanças na legislatura passada e desarquivada a pedido do deputado Sarney Filho (PV-MA) no início do atual mandato. Uma das pressões contrárias ao projeto curiosamente viria do principal fabricante de bicicletas em território nacional, a hoje multinacional Caloi. Caso a medida fosse aprovada, a empresa perderia as vantagens fiscais em relação aos concorrentes, porque produz na Zona Franca de Manaus (AM).

domingo, 29 de março de 2015

Enchentes continuarão se SP não voltar a reter água da chuva, por Álvaro Rodrigues dos Santos


Especial para o UOL28/03/201506h00
As enchentes têm se repetido de forma devastadora nesse ano de 2015 em São Paulo. Vidas, patrimônios, a saúde e o cotidiano de milhões de cidadãos são, a cada chuva de verão, consumidos em águas pútridas e lamacentas de forma trágica.
E, basicamente, não se observa nenhuma reação do governo e da sociedade, nada além de um noticiário repetitivo, frio e burocrático de alguns órgãos de imprensa. Preferimos imaginar que tal desgraça é impossível de ser vencida? Ou, diante da insensibilidade dos governos, acabar aceitando, cabisbaixos, tal nível de violência e desrespeito às nossas vidas?
Onde estão os resultados de um programa de combate às enchentes que investiu bilhões de reais em medidas estruturais, como de ampliação da calha do Tietê? Onde está a construção de dezenas de piscinões, insalubres e deletérios, apresentados como a panacéia que daria fim às inundações?
Piscinões esses, vale ressaltar, que implicaram no comprometimento anual de vultosas verbas públicas, retiradas dos orçamentos estaduais e municipais, que garantissem a manutenção mínima de todo esse aparato hidráulico.
O que falta, além do sacrifício da população, para que o governo paulista se convença do total fracasso de sua estratégia de enfrentamento das enchentes urbanas?
O que falta para o governo paulista se convencer definitivamente que é fundamental que se ataque as causas das enchentes, e que a principal causa desse fenômeno está no fato da cidade impermeável lançar praticamente todas suas águas de chuva rápida e diretamente sobre um sistema de drenagem que não lhes consegue dar a devida vazão?
Ou seja, o que falta para o governo paulista se convencer que não haverá sucesso possível na redução das enchentes enquanto não forem paralelamente implantadas medidas voltadas a fazer com que a cidade recupere sua capacidade de reter boa parte das águas de chuva e, concomitantemente, impor uma drástica redução aos processos erosivos/assoreadores e ao lançamento irregular de lixo urbano e entulho da construção civil?
As enchentes diminuiriam drasticamente com ações simples, como disseminação de bosques florestados por toda a cidade; obrigatoriedade e estímulo para instalação de reservatórios domésticos e empresariais de águas de chuva; obrigação da adoção de pisos e pavimentos drenantes em pátios, estacionamentos e calçadas; instalação generalizada de valetas e poços de infiltração; criminalização da erosão etc.
As medidas indispensáveis apontadas, e que inexplicavelmente não são implementadas, são todas medidas de baixo custo relativo e de fácil execução.
Em adição, essas medidas colaborariam, em muito, para a alimentação das reservas de água subterrânea da cidade. Aliás, é de se indagar: paradoxalmente estaria aí o motivo de sua incompreensível não adoção?
Vale por fim dizer que, infelizmente, o conteúdo desse artigo é inteiramente válido para muitas outras cidades brasileiras que são afetadas pelo mesmo e trágico fenômeno das enchentes urbanas.
Álvaro Rodrigues dos Santos
72 anos, é geólogo formado pela USP, pesquisador sênior pelo IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas), autor de 'Enchentes e Deslizamentos: Causas e Soluções' (PINI) e consultor em geologia, geotecnia e meio ambiente

Geól. Álvaro Rodrigues dos Santos
ARS Geologia Ltda.
Tel: (55) 11 - 3722 1455
Cel: 11 – 99752 6768