domingo, 29 de setembro de 2013

O mundo segundo Mujica


29 de setembro de 2013 | 2h 04

MAC MARGOLIS - O Estado de S.Paulo
Não foi o antecipado discurso de Barack Obama que comoveu o mundo na semana passada, na Assembleia-Geral da ONU. Nem tampouco o brado de Dilma Rousseff. As palavras que mais reverberam em Nova York, para depois acenderem as redes sociais na internet, foram as do presidente uruguaio, José Mujica.
Sua pauta pouco tinha a ver com os anseios da hora, como a guerra na Síria ou o escândalo da espionagem americana, que tanto indignou Brasília. Bisbilhotar o Uruguai? "Seria uma perda de tempo", diz. "Venho do Sul", abriu seu discurso. A referência foi ao seu país meridional, mas também remete ao posicionamento discreto que ocupa no enredo mundial, fora do radar e dos conflitos das grandes potências.
Assim, Mujica projetou sua pequena nação como uma espécie de reserva moral. Se hoje os países emergentes reclamam seu lugar ao sol, o Uruguai orgulha-se do seu paradeiro humilde, "esquina do Atlântico com o Prata", um portento só se for na agenda social.
Mujica esbanja o charme de um homem fora de seu tempo. A visão desse ex-guerrilheiro de 78 anos, que abriu mão da residência presidencial, que consome verduras cultivadas em sua própria horta e doa boa parte do salário para caridade, vem de mais longe. Uma visão dos anos 70.
Orador inspirado, Mujica desenhou na tribuna das nações um mundo melhor, sem o capitalismo selvagem e a cobiça. "Se aspirarmos a consumir como um americano médio, seriam imprescindíveis três planetas para podermos viver." E como salvar o planeta, indagou, se "em cada minuto gastamos US$ 2 milhões em ações militares?". Sua receita: "Mobilizar as grandes economias não para criar descartáveis com obsolescência calculada, mas bens úteis, sem frivolidades, para ajudar a levantar os pobres do mundo."
O evangelho segundo Mujica soa tão belo quanto distante da América Latina real, onde a maioria dos "excluídos" anseia participar do capitalismo. "A América Latina hoje quer mais, não menos", diz Bernardo Sorj, estudioso uruguaio. Ao mesmo tempo, seu discurso anticapitalista é atual. Seu libelo contra a cobiça e os excessos do vil metal tem ampla ressonância, especialmente no jogo eleitoral.
Da Cidade do México a Santiago, os partidos políticos desfilam seu carnaval de siglas, mas nenhum ousa assumir a identidade liberal. Em 1992, quando o historiador Francis Fukuyama decretou o "fim da história", estava se referindo ao fim do embate ideológico da Guerra Fria que rachava os países entre comunismo e capitalismo. Vitória para o consenso liberal, disse Fukuyama, pois as alternativas dirigistas ruíram com o Muro de Berlim.
Menos na America Latina. Por aqui, a ojeriza ao liberalismo é consenso continental. Claro, a venda dos elefantes estatais, o fim do monopólio na industria de petróleo e a abertura comercial impulsionaram o comércio e criaram empregos, mas não se fala nisso em voz alta, muito menos no horário eleitoral gratuito. Assumir a bandeira liberal na América Latina de hoje é como confessar pedofilia. A historia política na região acabou. Somos todos social-democratas.
Há várias explicações para o conformismo latino. A desigualdade social é tachada como mazela dos mercados. O colapso do capitalismo global, em 2008, não ajudou. Pior, em muitos países, a direita, afeita ao discurso liberal, se fez sócia dos militares, mesmo quando os ditadores optaram por turbinar o Estado.
Mas também tem a ver com a força inercial de um Estado balofo, com gula de impostos, que ocupa o espaço da iniciativa privada, premia amigos e controla sindicatos e empregos. Reféns do gigante, com Síndrome de Estocolmo, nos afeiçoamos à sua sombra. Uma utopia claustrofóbica dos anos 70.

A retórica da pobreza e a pobreza do investimento - ROLF KUNTZ

O governo tirou da pobreza extrema em apenas dois anos 22 milhões de brasileiros, disse a presidente Dilma Rousseff, em Nova York, em discurso na Assembleia-Geral das Nações Unidas. Se isso for verdade, essa terá sido a informação mais importante da fala presidencial muito mais importante que a maior parte do palavrório pronunciado naquele dia por vários governantes. Falta esclarecer um detalhe: se as transferências governamentais forem interrompidas, quantas daquelas pessoas serão capazes de se manter fora da miséria? Quantas se tornaram, nos últimos dois anos, mais produtivas e menos dependentes de auxílio oficial? Nenhuma pessoa razoável se opõe a programas de socorro aos mais necessitados. Mas por quanto tempo será possível manter programas tão amplos, e com efeitos ainda pouco claros sobre a capacidade produtiva, se a economia continuar avançando tão lentamente quanto nos últimos dois anos e nove meses? Por enquanto, as previsões mais otimistas apontam para este ano um crescimento econômico de 2,4%.

Essa expansão será puxada, segundo as novas projeções da Confederação Nacional da Indústria (CNI), por investimentos 8% maiores que os do ano passado. Essa é a parte mais interessante do cenário.

Se as estimativas forem confirmadas, o aumento do produto interno bruto (PIB) terá sido alimentado, em 2013, menos pelo consumo do que pela aplicação de recursos em máquinas, equipamentos, instalações diversas e obras de infraestrutura.

A expansão econômica ainda será modesta, mas o potencial de crescimento será reforçado e resultados melhores poderão surgirem breve.

Mais uma vez, no entanto, o quadro fica bem menos bonito quando se examinam os detalhes.

A maior parte do crescimento da produção de bens de capital - máquinas e equipamentos- foi concentrada no setor de material de transporte, especialmente de caminhões.

Boa parte da expansão dependeu também da indústria de equipamentos agrícolas, pormenor facilmente explicável pelo bom desempenho da agropecuária,o setor mais dinâmico da economia nacional.

Além disso, a retomada da produção de bens de capital para fins industriais pode estar perdendo impulso.Em junho, havia sido 21,4% maior que a de um ano antes. Em julho, a diferença diminuiu para 13,3%, detalhe notado no Informe Conjuntural da CNI. Essa diferença para mais pode ainda parecer considerável, mas a base de comparação é muito baixa.

No conjunto, a aplicação de recursos em bens de capital, instalações e obras de infraestrutura continuará muito abaixo da necessária para um crescimento menos medíocre, se as projeções da CNI estiverem corretas.

Em 2011, a soma dos investimentos em capital fixo dos setores público e privado equivaleu a 19,3% do PIB. Em 2012, a proporção caiu para 18,1%. Neste ano, chegará a cerca de 19,1%, se o PIB crescer 2,4% e o investimento, 8%. A meta governamental, já modesta, é alcançar 24% do PIB, taxa obtida nos anos 70 e nunca repetida nas décadas seguintes.

Esse objetivo parece ainda muito distante.

Não há acordo, entre os economistas, quanto ao potencial de crescimento econômico do País. O cálculo é complicado, mas o conceito é importante, porque indica o ritmo de expansão sustentável sem novos desequilíbrios.

As avaliações mais sombrias indicam um limite na vizinhança de 2% ao ano. As estimativas mais otimistas ficam próximas de 4%. Nem na melhor hipótese, no entanto,a economia brasileira poderá crescer tanto quanto as mais dinâmicas da região-na faixa de 4% a 6% ao ano - sem acumular pressões inflacionárias e desarranjos nas contas externas. Poderá haver um arranque temporário, mas faltará fôlego para uma corrida prolongada.

Mesmo com o crescimento pífio dos últimos anos, o Brasil já acumulou problemas consideráveis.

A inflação continua elevada para os padrões internacionais e deve continuarem alta nos próximos meses, depois de um breve arrefecimento no meio do ano. O presidente do Banco Central (BC),Alexandre Tombini, reafirmou em Nova York, num encontro com investidores, o compromisso de continuar buscando a meta de 4,5%, mas ninguém pode dizer com alguma segurança quando a convergência ocorrerá. Um dos principais obstáculos, a farra das contas públicas, deve atrapalhar o combate à inflação ainda por um bom tempo.

Quem espera austeridade em tempo de eleição? Do lado externo, o cenário continua ruim. O BC reduziu de US$ 7 bilhões para US$ 2 bilhões o superávit comercial estimado para o ano. A CNI cortou sua projeção mais drasticamente- de US$ 9,2 bilhões no Informe Conjuntural de junho para US$ 1,76 bilhão no documento recém-divulgado. O BC manteve, no entanto, a previsão de um déficit em transações correntes de US$ 75 bilhões, equivalente a 3,35% do PIB. O investimento direto estrangeiro deverá chegar a 2,64% do PIB. Parte do buraco nas contas externas será coberta, portanto, por outras formas, em geral menos saudáveis, de financiamento.

Não há desastre à vista, até porque o País dispõe de mais de US$ 370 bilhões de reservas, mas a situação poderá ficar mais complicadas e a confiança no País cair acentuadamente.

O risco é tangível. O Cristo Redentor representado como um foguete em decolagem numa capa da revista The Economist de 2009 foi substituído, na última edição,por uma figura no rumo do desastre, depois de um voo descontrolado.

O desafio imediato, na agenda do governo, é atrair capitais privados para os grandes projetos federais de investimento.

Para isso a presidente e as principais figuras da equipe econômica foram a Nova York. O resultado será visto nas próximas licitações. Mas a presidente faria bem se pusesse no alto da agenda medidas para uma recuperação mais ampla da credibilidade- a começar por uma política fiscal mais séria e sem contabilidade criativa, já desmascarada em todo o mundo.

Os 60 anos da Petrobrás - ADRIANO PIRES


O ESTADÃO - 28/09

No dia 3 de outubro a Petrobrás completa 60 anos. No seu jubileu de diamante, dois fatos chamam a atenção. Durante os 45 anos em que exerceu o monopólio e nos últimos 15 anos, quando passou a conviver com o mercado aberto, a estatal nunca foi tão maltratada pelo governo, seu acionista majoritário. O segundo fato é a notável capacidade que a estatal adquiriu ao longo dos anos de desenvolver tecnologias de exploração em águas profundas, o que a fez se tornar e continuar a ser líder mundial.

Desde o início do governo PT, a Petrobrás tem sido usada e abusada pelo seu acionista majoritário com objetivos políticos, não permitindo decisões baseadas na racionalidade empresarial, o que tem causado imensos prejuízos aos acionistas minoritários, em particular aos trabalhadores que aplicaram seu FGTS na compra de ações da empresa. Exemplos não faltam. O governo obriga a empresa a manter os preços domésticos defasados em relação ao mercado internacional, com o objetivo de controlar a inflação e incentivar a atividade econômica. Desde 2003 a defasagem dos preços da gasolina e do diesel promoveu perdas de mais de R$ 40 bilhões. Em 2013 a estatal tem perdido algo em torno de R$ 1 bilhão mensal só com a importação de gasolina e diesel. Paralelamente, o crescimento da demanda incentivado pelo preço artificialmente baixo levou a empresa a importar grandes volumes de gasolina e diesel. Entre o 1.º trimestre de 2010 e o 2.º trimestre de 2013, a área de abastecimento da Petrobrás já acumula prejuízo de cerca de R$ 36 bilhões, e as importações de gasolina cresceram 395%. Por causa disso, a empresa tem tido dificuldade para cumprir seus cronogramas de investimento. O resultado tem sido o atraso e a revisão de vários projetos e a queda na produção da empresa, que em 2013 deve ser de 2%, voltando aos níveis observados em 2009. Três anos perdidos.

Outro caso emblemático é a construção da Refinaria Abreu e Lima (Rnest), em Pernambuco, refletindo problemas relativos à gestão de projetos de construção de refinarias pela Petrobrás. Ao longo da construção, o custo previsto do projeto se multiplicou por dez, de US$ 2,3 bilhões para US$ 20,1 bilhões, e a sócia venezuelana PDVSA até agora não deu o ar da sua graça. Isso sem falar na compra da refinaria de Pasadena, nos EUA, por um preço ainda não explicado de forma transparente.

Como resultado de todos esses desmandos, a lucratividade da empresa desabou, levando ao aumento do seu endividamento. Apesar de em 2010 ter realizado a maior capitalização da história, que gerou a injeção de R$ 45 bilhões em seu caixa, a empresa está hoje perigosamente perto dos níveis que fariam com que perdesse seu status de investment grade. O seu endividamento cresceu 210% após a capitalização e suas relações dívida líquida/Ebtida e dívida líquida/capital líquido se encontram em 2,9x e 34%, respectivamente, mesmo com a empresa se utilizando de "contabilidade criativa", que reduziu 70% do impacto da desvalorização cambial sobre a sua dívida. Agora a saída encontrada é o plano de desinvestimento, pelo qual a empresa está vendendo ativos como metade dos campos de petróleo que possuía na África. O próximo passo poderá ser a promoção de uma nova capitalização após as eleições de outubro de 2014, o que provocará uma diluição maior dos minoritários, aprofundando o movimento de estatização da empresa. Tudo isso compromete o futuro da Petrobrás.

Nos próximos aniversários, é preciso que comemoremos a volta da Petrobrás ao caminho da excelência e da lucratividade e, para que isso aconteça, o acionista majoritário deve deixar de ser inimigo e passar a ter um novo relacionamento com a empresa. Esse novo relacionamento tem de estar baseado no respeito pelo acionista minoritário, no retorno do planejamento de longo prazo e no abandono do atual intervencionismo de curtíssimo prazo, que vem causando enormes prejuízos à empresa e a toda a sociedade brasileira. Só assim a Petrobrás poderá manter-se na vanguarda tecnológica, beneficiando as gerações futuras de brasileiros.