quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Noite de confrades, da Coluna da Sonia Racy


12.setembro.2013 | 1:06
Foto: Guilherme Gonçalves/ABL
“Não estamos diante de uma elite que sabe e de um povo que desconhece. O momento é de respeito à pluralidade das identidades culturais e de reconstrução das instituições, para que elas captem e representem o sentimento e os novos interesses da população. Só assim poderemos manter acesa a chama da liberdade, do respeito à representação e da autoridade legítima e evitar que formas abertas ou disfarçadas de autoritarismo e violência ocupem a cena”.
Foi assim, para um lotado Salão Nobre do Petit Trianon, que Fernando Henrique Cardoso encerrou discurso – de exata uma hora – de posse na ABL, anteontem, no Rio. Para ouvidos e olhos atentos dos mais de 200 convidados, entre os quais Alckmin, Aécio, Serra, Marco Aurélio Mello, Henrique Eduardo Alves e Gilberto Gil. Foi, aliás, a primeira vez que o cantor prestigiou uma posse na Academia.
Ausências mais sentidas? Eduardo Paes e Sérgio Cabral – que cancelaram a presença a poucos minutos do início do evento e fizeram o staff da ABL correr para tirar seus nomes das saudações iniciais da cerimônia. Mas já era tarde para desmontar todo o aparato de segurança montado pela PM na porta da Casa de Machado de Assis. Temendo manifestação contra os representantes do Executivo do Rio, a tropa de choque da Polícia fechou a rua que dá acesso à ABL.
Os “imortais” foram obrigados a desembarcar de seus carros a cerca de um quarteirão da entrada principal e caminhar fardados até a sede, levando, ao pescoço, o valioso colar dourado dos acadêmicos. “Para garantir a segurança de alguns, vocês estão colocando em risco a segurança de outros, como eu”, reclamou o “imortal” Tarcísio Padilha, de 85 anos, a um dos policiais.
FHC já falava há meia hora quando o presidente da Câmara dos Deputados chegou – coincidência ou não, no momento em que o ex-presidente iniciou o trecho mais político de sua fala. “O corporativismo que renasce e passa do plano político ao social é o cupim da nossa democracia. Se somarmos impulsos populistas, temos um sistema político enfermo.”
“Um discurso de estadista. Ele falou dos últimos acontecimentos sem paixão, mas com profundidade”, disse Ellen Gracie. A ex-ministra do STF chegou ao Salão Nobre do Petit Trianon quando todas as cadeiras já estavam ocupadas, e houve corre-corre para acomodá-la. “É a popularidade do homenageado”, brincou.
Na outra ponta do salão, Serra encontrou um lugar vago embaixo da caixa de som. Ficou ali por dez minutos, até que foi socorrido e acomodado em uma das cadeiras reservadas aos imortais.
No coquetel, copo de uísque na mão, Marco Aurélio Mello foi abordado por uma senhora, que cobrou o julgamento do chamado mensalão mineiro, que envolve políticos do PSDB. “Quero saber se no mensalão de Minas Gerais vai ter esse fuzuê todo, a opinião pública toda em cima, porque querem matar o PT”, afirmou a senhora, dizendo-se fã de Lula e Dilma. “A opinião pública não influencia o juiz. A senhora certamente não fecha os olhos para desvio de conduta. Temos de aguardar e confiar no Judiciário”, respondeu o ministro – salvo por outro convidado que pedia foto a seu lado.
Enquanto FHC recebia os cumprimentos, sua namorada, Patrícia Kundrát, cuidava para que o mais novo “imortal” não ficasse desamparado. Chegou a parar um garçom e pediu que levasse champanhe e água ao “presidente”. Sorria, agradecia os elogios e posava para as fotos, num longo azul-petróleo.
Embora tenha um sorriso tatuado no braço, Patrícia não sorria o tempo todo. Fechava a cara sempre que assediada por jornalistas. “Imprensa, não. Obrigada, mas imprensa, não”, repetia. /THAIS ARBEX

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

É muito dinheiro!

por Silvio Caccia Bava
Em meio a esta discussão sobre a falta de recursos para investir no social – no transporte público, no salário dos professores, no sistema de saúde e em tudo o mais que pode tornar a vida melhor para as maiorias – fomos procurar recursos públicos... e encontramos muito dinheiro! Mas não é fácil acessá-lo.
Durante décadas as grandes empresas investiram pesadamente, influenciando o Parlamento e o Executivo para moldarem uma legislação e políticas que atendam a seus interesses. Nos anos 1990, com a hegemonia do pensamento neoliberal se afirmando no Brasil, o governo orientou suas políticas para facilitar, ou amplificar, o processo de acumulação das grandes empresas. O dinheiro público é destinado a potenciar investimentos privados, ou a remunerar aplicações financeiras.
A autonomia do Banco Central é um dogma neoliberal que comprova a hegemonia dessa doutrina; na prática, entrega a gestão da política econômica ao setor financeiro privado. O compromisso com o superávit primário garante aos rentistas o pagamento do serviço da dívida, que consome hoje mais de 48% do total dos impostos arrecadados. Os principais credores da dívida pública são as corporações financeiras nacionais e internacionais e os fundos de investimento. A taxa Selic serve para assegurar essa extraordinária rentabilidade para os investidores que compram títulos da dívida pública. E o risco zero desse investimento está garantido na própria Constituição de 1988, em seu artigo 166, § 3o, que trata das emendas ao projeto de lei do orçamento anual ou aos projetos que o modifiquem, impedindo que os cortes orçamentários incidam sobre o serviço da dívida. Pode-se cortar o orçamento das políticas sociais, mas nunca a remuneração assegurada aos rentistas.
No âmbito do Judiciário, as facilidades continuam. As dívidas pelo não pagamento dos impostos podem ser proteladas por anos; depois de vencido o último recurso, elas podem ser parceladas em até sessenta meses e ao final ainda receber abatimentos − descontos que chegam a 40% do valor principal no caso do agronegócio. Essas políticas públicas são um verdadeiro incentivo à sonegação.
Mas as fontes de receitas possíveis não são só as dívidas que não foram pagas pelas empresas aos poderes públicos: há o dinheiro dos impostos que não entrou, por conta de toda uma legislação que facilita a vida das empresas e de seus “planejadores tributários”, profissionais especializados em aproveitar as brechas legais para evitar o pagamento de impostos. Também entra nessa conta o que é remetido ilegalmente para os paraísos fiscais, uma prática tão tolerada quanto a atuação dos “doleiros”, operadores do sistema financeiro conhecidos pela mídia que enviam clandestinamente recursos para fora do país. Além disso, podem entrar nessa lista os subsídios para setores da indústria e do agronegócio. São as grandes corporações internacionais, como a indústria automotiva, que não precisam, mas recebem subsídios, transferências do dinheiro público em apoio à sua atuação. Há ainda o comércio internacional intracorporativo, que faz sua contabilidade de maneira a zerar os lucros e os impostos devidos. Entre os países que mais importam produtos brasileiros, sejam eles quais forem, se destaca a Suíça! Mesmo que os produtos nem sequer passem por lá, a escrituração fiscal da grande maioria das empresas brasileiras exportadoras traz esse destino, beneficiando-se dos baixos impostos lá cobrados.
Seria ingenuidade pensar que os expedientes para a sonegação fiscal param por aqui, mas já temos informações suficientes para dizer que um grande desafio é cobrar os impostos de quem deve. Com esse dinheiro seria possível atender às demandas das ruas e, em pouco tempo, às necessidades de todos. Especialistas da área tributária estimam que a sonegação fiscal esteja em torno de 40%, ou até mais em alguns setores.
Não estamos falando de pouca coisa. A União tem a receber mais de R$ 1 trilhão lançados na dívida ativa, principalmente de grandes empresas; outro R$ 1 trilhão é dinheiro de empresas e empresários brasileiros depositado em paraísos fiscais.
No plano estadual, também temos recursos disponíveis, mas não cobrados. Por certo a dívida ativa mereceria mais atenção. Mas outras medidas são possíveis. A cobrança mais efetiva do IPVA na cidade de São Paulo – um terço dos carros está com o IPVA atrasado – pode gerar uma receita da ordem de R$ 7 bilhões. Dividido meio a meio com o governo do estado de São Paulo, esse montante poderia ser destinado à melhoria dos transportes coletivos metropolitanos.
Considerando uma escala menor, se a prefeitura de São Paulo, por exemplo, recuperasse dos devedores 10% de sua dívida ativa por ano, poderia oferecer, por dez anos, transporte público gratuito aos usuários.
O que não pode continuar ocorrendo é o Estado acobertar os grandes devedores. Numa tentativa de identificar quem são eles em São Paulo, nem mesmo esforços feitos junto à Câmara Municipal foram frutíferos. Esse silêncio compromete os governos e o interesse público.

Silvio Caccia Bava
Diretor e editor-chefe do Le Monde Diplomatique Brasil

Médicos cubanos

Ives Gandra da Silva Martins * - O Estado de S.Paulo
A preferência da presidente Dilma Rousseff pelos regimes bolivarianos é inequívoca. Basta comparar a forma como tratou o Paraguai - onde a democracia é constitucionalmente mais moderna, por adotar mecanismos próprios do sistema parlamentar (recall presidencial) - ao afastá-lo do Mercosul e como trata a mais sangrenta ditadura latino-americana, que é a de Cuba.
A presidente do Brasil financia o regime cubano com dinheiro que melhor poderia ser utilizado para atender às necessidades do Sistema Único de Saúde (SUS), dando-lhe maior eficiência em estrutura e incentivos.
Em período pré-eleitoral, Dilma Rousseff decidiu trazer médicos de outros países para atender a população do interior do Brasil, sem oferecer, todavia, as condições indispensáveis para que tenham essas regiões carentes hospitais e equipamentos. Empresta dinheiro a Cuba e a outros países bolivarianos, mas não aplica no nosso país o necessário para que haja assistência gratuita, no mínimo, civilizada.
O cúmulo dessa irracional política, contudo, parece ocorrer na admissão de 4 mil agentes cubanos, que se dizem médicos - são servidores do Estado e recebem daquela ditadura o que ela deseja pagar-lhes -, para os instalar em áreas desfavorecidas do Brasil, sem que sejam obrigados a revalidar seus títulos nos únicos órgãos que podem fazê-lo, ou seja, os Conselhos de Medicina.
Dessa forma, trata desigualmente os médicos brasileiros, todos sujeitos a ter a validade de sua profissão reconhecida pelos Conselhos Regionais, e os estrangeiros que estão autorizados exclusivamente pelo governo federal a exercer aqui a medicina.
O tratamento diferencial fere drasticamente o princípio da isonomia constitucional (artigo 5.º, caput e inciso I), sobre escancarar a nítida preferência por um regime que, no passado, assassinou milhares de pessoas contrárias a Fidel Castro em "paredóns", sem julgamento, e que, no presente, não permite às pessoas livremente entrarem e saírem de seu país, salvo sob rígido controle. Pior que isso, remunerará os médicos cubanos que trabalharem no Brasil em valores consideravelmente inferiores aos dos outros médicos que aqui estão. É que o governo brasileiro financiará, por intermédio deles, o próprio governo de Cuba, o qual se apropriará de mais da metade de seu salário.
Portanto, a meu ver, tal tratamento diferencial fere a legislação trabalhista, pois médicos exercendo a mesma função não poderão ter salários diversos. O inciso XXX do artigo 7.º da Constituição federal também proíbe a distinção de remuneração no exercício de função.
Acontece que pretende o Estado brasileiro esquivar-se do tratamento isonômico alegando que acordo internacional lhe permite pagar diretamente a Cuba, que remunerará seus médicos com 25% ou 40% do valor que os outros médicos, brasileiros ou não, aqui receberão.
É pacífica a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) de que os tratados entram em nosso ordenamento jurídico como lei ordinária especial, vale dizer, não podem sobrepor-se à Constituição da República, a não ser na hipótese de terem sido aprovados em dois turnos, nas duas Casas Legislativas do Congresso Nacional, por três quintos dos parlamentares (parágrafo 3.º do artigo 5.º da nossa Lei Maior).
Ora, à evidência, o acordo realizado pelo governo brasileiro não tem o condão de prevalecer sobre a nossa Carta Magna, por ter força de lei ordinária especial, sendo, pois, de manifesta inconstitucionalidade. Francisco Rezek, quando ministro do STF, certa vez, a respeito da denominada "fumaça do bom direito", que justifica a concessão de liminares contra atos ou leis inconstitucionais, declarou, em caso de gritante inconstitucionalidade, que a fumaça do bom direito era tão grande que não conseguia vislumbrar o rosto de seus pares colocados na bancada da frente. Para a manifesta inconstitucionalidade do ato a imagem do eminente jurista mineiro calha como uma luva. O tratado do Brasil com a ditadura cubana fere o artigo 7.º, inciso XXX, da Constituição federal.
O que me preocupa, no entanto, é como uma pequena ilha pode dispor de um número enorme de "médicos exportáveis", que, se fossem bons, não deveriam correr nenhum risco ao serem avaliados por médicos brasileiros dos Conselhos Regionais, e não por funcionários do governo federal.
Pergunto-me se tais servidores cubanos não terão outros objetivos que não apenas aqueles de cuidar da saúde pública. Afinal quando foram para a Venezuela, esse país se tornou gradativamente uma semiditadura, na qual as oposições e a imprensa são sempre reprimidas.
E a hipótese que levanto me preocupa mais ainda porque foi a presidente guerrilheira e muitos de seus companheiros de então haviam sido treinados em Cuba e pretendiam impor um governo semelhante no Brasil, como alguns deles afirmaram publicamente.
Tenho a presidente Dilma Rousseff por mulher honesta e trabalhadora, embora com manifestos equívocos em sua política geradora de alta inflação, baixo produto interno bruto (PIB), descontrole cambial e déficit na balança comercial e nas contas externas. O certo, contudo, é que a sua preferência pelos regimes bolivarianos e a sua aversão ao lucros das empresas talvez estejam na essência de seu comportamento na linha ora adotada.
Respeito a presidente da República eleita pelo povo, mas tenho receio de que suas preferências ideológicas estejam na raiz dos problemas que vivemos, incluída a importação de agentes públicos de Cuba que se intitulam médicos.
*Ives Gandra da Silva Martins é professor emérito das universidades Mackenzie, UNIP, UNIFIEO, UNIFMU, do CIEE/O Estado de S. Paulo, das escolas de Comando e Estado-Maior do Exército e Superior de Guerra, é presidente do Conselho Superior de Direito da FECOMERCIO-SP, fundador e presidente honorário do Centro de Extensão Universitária.