Reabrir vagas perdidas na crise é só o começo; é preciso muito mais
29 Janeiro 2018 | 05h00
Precisamos falar de trabalho. Trabalho para quem foi expulso dos seus postos pela recessão, trabalho para os jovens que tentam conquistar sua primeira oportunidade, trabalho para os mais velhos, que serão chamados a esticar sua permanência no mercado, pela reforma da Previdência. E, o que é mais complicado, trabalho nesse novo mundo, em que desaparecem com velocidade espantosa os empregos como nós conhecemos. As relações trabalhistas estão cada vez mais flexíveis, a uberização dos serviços é crescente, o empreendedorismo veio para ficar. E a chamada quarta revolução industrial bate às portas das grandes economias, abalando a atual estrutura produtiva e exigindo transformações radicais.
A estimativa é que, entre 2015 e 2020, 7,1 milhões de empregos sumirão do mapa nas 15 maiores economias, especialmente nas áreas administrativas, sob impacto do desenvolvimento nos campos da robótica e inteligência artificial, e serão só parcialmente compensados pela abertura de 2,1 milhões de postos de trabalho. Segundo estudo do departamento de Engenharia da Universidade de Oxford, quase metade dos empregos será automatizada nos próximos dez anos.
Fazer a travessia para esse novo mundo, obviamente, não é tarefa para amadores – requer investimentos pesados no próprio modelo de funcionamento das empresas e principalmente na qualificação e requalificação dos trabalhadores. E com urgência. Corta para o Brasil. Em que pé está o País nessa quarta revolução industrial e nessa recriação do mundo do trabalho? Suspeito que teremos de trocar os pneus com o carro em pleno movimento. E esse carro ainda está bastante avariado.
O Brasil começa a se recuperar de uma grave crise no mercado de empregos, colada à recessão que castigou o País por três anos seguidos, e esse processo, por enquanto, atende apenas ao primeiro requisito citado na abertura desta coluna. Lenta e sistematicamente o desemprego vai cedendo, mas ainda ronda a casa dos 12% da população economicamente ativa e se sustenta na criação de postos informais, de menor qualidade. Os números do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), referentes a 2017, confirmam esse movimento: durante o ano inteiro, foram fechadas 20,8 mil vagas de trabalho formal, bem menos do que nos dois anos anteriores, quando houve perdas de respectivamente 1,53 milhão e 1,32 milhão de postos. Um indicador que aponta, finalmente, para a estabilização do mercado. Mas o resultado específico de dezembro, embora melhor do que os registrados nos mesmos meses de 2007 – um corte de 328,5 mil empregos –, decepcionou o governo, que contava com o encerramento do exercício com dados mais positivos.
Nos números do Caged, está claramente expresso o padrão de retomada da atividade econômica: os setores de comércio e serviços foram os que mais contrataram mão de obra, enquanto a construção e a indústria caminharam no sentido oposto, refletindo uma retomada escorada no consumo e não no investimento. O Caged mostra ainda uma tendência de abertura de vagas para trabalhadores com ensino médio e superior, mas, na interpretação dos técnicos, trata-se de uma tendência de aproveitar a maré a favor do empregador para contratar mão de obra para funções abaixo de sua qualificação – típica dos períodos de crise.
Para 2018, não há expectativa de grandes mudanças nesse quadro. Nos cenários construídos por grande parte dos analistas está a continuidade da reativação do mercado de trabalho, mas ainda contaminada por uma certa precariedade. Claro que é pela informalidade que normalmente começa a retomada do emprego em períodos de saída da recessão, mas no Brasil, pelo menos por enquanto, esse circuito ainda parece apresentar falhas. A torcida é para que ele seja restabelecido em breve, o que representaria uma melhora do mercado de trabalho não só quantitativa, mas também qualitativa.
Mesmo assim, dificilmente haverá condições favoráveis para pôr em marcha um programa de investimentos na formação do novo trabalhador – seja pelo governo, seja pelas próprias empresas –, capaz de dotá-lo de novas competências e ajustá-lo às novas exigências do mercado. Um horizonte mais claro é ponto de partida para a decisão de investimentos. E, por enquanto, as nuvens pesadas da política não deixam ver esse horizonte.
* CIDA DAMASCO É JORNALISTA
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