sábado, 10 de novembro de 2012

Cooperativismo e bem-estar



ROBERTO RODRIGUES
Já há algum tempo a academia discute a eficiência do PIB como indicador adequado do desenvolvimento, bem como o uso das médias. A renda per capita brasileira é R$ 668. Mas o brasiliense tem uma renda de R$ 1.404. O piauiense, de R$ 367. De que vale para este último a média do país se ele recebe 55% dela?
É o mesmo que dizer que a precipitação pluviométrica do norte do país é boa. No Amazonas chove por volta de 2500 mm ao ano. No Ceará, cerca de 800 mm. A média é excelente, mas o Ceará continua seco.
Estudiosos se debruçam sobre essas questões em busca de um índice equilibrado que associe o progresso ao bem-estar da população.
Renda alta, claro, ajuda: as pessoas se alimentam e se vestem bem, tem acesso a boa educação e planos de saúde, moram bem, têm carro e os aparatos eletrônicos e de comunicação contemporâneos, tiram férias na praia, vão ao cinema e ao teatro, têm lazer. Tudo isso torna a vida mais leve e fácil, embora não garanta automaticamente bem-estar.
Esse só é real --sobretudo coletivamente-- quando existe coesão entre os cidadãos, confiança recíproca, tranquilidade nas relações humanas, justiça e equidade.
Esses itens compõem o que Amartya Sen, Prêmio Nobel de Economia (1998) chamou de capital social.
Antes dele, o grau de desenvolvimento de um país era dado pelo quadrilátero dos capitais: o natural (terra, água, clima), o físico (bens imóveis e duráveis como construções, veículos), o financeiro (dinheiro, ações) e o humano (educação, saúde).
Examinando países em que esses quatro capitais eram distribuídos com harmonia, Sen e seus companheiros verificaram que em algumas regiões havia mais progresso, pois lá havia maior capital social.
Talvez seja esse o modo para medir o bem-estar de um povo, o seu capital social. Não basta o PIB, não basta o IDH, não bastam os esforços para avaliar a felicidade de uma sociedade. Bem-estar é a soma de desenvolvimento econômico com o social e todas as variáveis que interferem com ambos e entre ambos.
Bom, e as cooperativas com isso?
Desde a fundação da primeira cooperativa, em Rochdale (Inglaterra), em 1844, como resposta à exclusão social da revolução industrial, o cooperativismo (enquanto doutrina) foi chamado de terceira via para o desenvolvimento socioeconômico, entre o capitalismo e o socialismo.
Isso durou até que caiu o muro de Berlim, em 1989. As profundas mudanças no socialismo e no capitalismo eliminaram a ideia de terceira via, e por um bom tempo o cooperativismo ficou perplexo procurando sua nova identidade.
Por isso, em 1995, a Aliança Cooperativa Internacional (que representa mais de um bilhão de cooperados no mundo) realizou uma conferência para revisar seus princípios.
Criou um novo princípio, o seu sétimo: a preocupação com a comunidade. Desde então, as cooperativas, empresas baseadas em valores, transcendem a prestação de serviços apenas a seus associados para servir também às pessoas da localidade onde se encontra. O conceito é claro: não existe uma ilha de bem estar cercada de iniquidade.
Isso mudou a representação gráfica de cooperativismo. Até a queda do muro, era um rio fluindo entre duas margens, o socialismo e o capitalismo. Depois, virou uma ponte unindo outras margens: o mercado, onde as cooperativas devem estar inseridas com eficiência de gestão, competitivas e focadas, e o bem-estar da coletividade. E isso só acontece por causa do capital social, matéria prima essencial para o sucesso de uma cooperativa.
Em outras palavras: cooperativa é a síntese do capital social, base do bem-estar coletivo.
ROBERTO RODRIGUES, 70, é coordenador do Centro de Agronegócio da FGV e embaixador da FAO para o Ano Internacional do Cooperativismo. Foi ministro da Agricultura (governo Lula)
*

Nenhum comentário: