segunda-feira, 10 de outubro de 2011


O declínio e a queda da decadência americana, por Joseph S. Nye

Apesar de previsões sombrias sobre definhamento econômico e perda de liderança global para a China, economia dos Estados Unidos ainda se mantém produtiva

Segunda, 09 de Outubro de 2011, 03h05    in Visão Global  no OESP
Os Estados Unidos atravessam tempos difíceis. A recuperação pós-2008 é muito lenta, e alguns observadores temem que os problemas financeiros da Europa ameacem a economia americana e mundial provocando uma segunda recessão.

Além disso, a política americana continua paralisada na questão do orçamento, e um compromisso será ainda mais difícil às vésperas das eleições de 2012, quando os republicanos esperam que os problemas econômicos os ajudem a derrubar o presidente Barack Obama. Em tais circunstâncias, muitos preveem o declínio dos EUA, principalmente em relação à China.

E não são apenas os especialistas que afirmam isto. Uma recente pesquisa da Pew concluiu que, em 15 dos 22 países pesquisados, a maioria das pessoas acredita que a China tomará o lugar ou já tomou o lugar dos EUA como "a maior superpotência mundial". Na Grã-Bretanha, a porcentagem dos que colocam a China em primeiro lugar subiu de 34%, em 2009, para 47%.

Tendências semelhantes são evidentes na Alemanha, Espanha e França. Na realidade, a pesquisa constatou as previsões mais pessimistas em relação aos EUA entre os nossos mais antigos aliados do que na América Latina, no Japão, na Turquia e na Europa Oriental. Os próprios americanos estão igualmente divididos quanto à possibilidade de a China superar os EUA como superpotência global.

Tais sentimentos refletem o lento crescimento e os problemas fiscais que se seguiram à crise financeira de 2008, mas têm precedentes históricos. Os americanos muitas vezes avaliaram seu poderio de maneira incorreta. Nos anos 50 e 60, depois do Sputnik, muitos achavam que os soviéticos ganhariam dos EUA; na de 80, seriam os japoneses. Agora são os chineses. Mas, enquanto a dívida dos EUA está prestes a se equiparar à renda nacional em toda uma década, e o seu desastrado sistema político não consegue solucionar os problemas fundamentais do país, será que os que vaticinam o declínio estão finalmente certos?

Muito dependerá das incertezas - frequentemente subestimadas - provocadas pelas futuras mudanças políticas na China. O crescimento econômico levará a China mais perto dos EUA no que se refere ao poderio em algumas áreas, mas isto não significa necessariamente que a China superará os EUA como país mais poderoso.

O Produto Interno Bruto (PIB) da China quase certamente ultrapassará o dos EUA no prazo de uma década, em razão de sua população e da sua impressionante taxa de crescimento econômico. Mas, em termos de renda per capita, a China não igualará os EUA por muitas décadas, se é que algum dia conseguirá.

Além disso, mesmo que a China não venha a sofrer graves problemas políticos internos, muitas projeções atuais tem base simplesmente no crescimento do PIB. Elas ignoram as vantagens da força militar e do poder brando dos EUA, bem como as desvantagens geopolíticas da China.

Japão, Índia e outros que tentam contrabalançar o poderio da China, aceitam com entusiasmo a presença americana. É como se o México e o Canadá procurassem uma aliança com a China para contrabalançar os EUA na América do Norte.

Produção. Quanto ao declínio absoluto, os EUA de fato têm problemas concretos, mas a economia americana se mantém extremamente produtiva. Os EUA continuam em primeiro lugar em gastos totais com Pesquisa e Desenvolvimento; no ranking das universidades, são os primeiros em Prêmios Nobel e os primeiros nos índices de empreendedorismo.

Segundo o Fórum Econômico Mundial, que divulgou no mês passado seu relatório anual sobre competitividade econômica, os EUA são a quinta economia mais competitiva do mundo (depois das pequenas economias da Suíça, Suécia, Finlândia e Cingapura). A China está apenas em 26.º lugar.

Além disso, os EUA estão na frente no que se refere a tecnologias avançadas como a biotecnologia e a nanotecnologia. Não parece um quadro de declínio econômico absoluto.

Alguns observadores temem que a sociedade americana se torne esclerosada, como a da Grã-Bretanha no auge do seu poderio um século atrás. Mas a cultura americana é muito mais empreendedora e descentralizada do que era a da Grã-Bretanha então, quando os filhos dos industriais buscavam títulos aristocráticos e honrarias em Londres.

E apesar dos temores recorrentes ao longo de sua história, os EUA colhem os benefícios da imigração. Em 2005, 25% das start-ups tinham contado com a contribuição dos imigrantes na década anterior.

Como Lee Kuan Yew, de Cingapura, me disse, a China pode usar os talentos de 1,3 bilhão de pessoas, entretanto, os EUA podem utilizar os talentos de sete bilhões de pessoas em todo o mundo, e podem fundi-los numa cultura diferente que aprimora a criatividade de uma maneira nunca vista pelo nacionalismo han.

Muitos comentaristas estão preocupados com o ineficiente sistema político americano. De fato, os pais fundadores dos EUA criaram um sistema de freios e contrapesos destinado a preservar a liberdade em detrimento da eficiência.

Além disso, os EUA experimentam agora um período de intensa polarização partidária. Mas a política suja não é uma novidade nos EUA: a época da sua fundação não foi exatamente um idílio de pacíficas deliberações. O governo e a política americana sempre registraram episódios desse tipo, e, embora eclipsados pelos melodramas dos dias de hoje, às vezes eram até piores do que os atuais.

Os EUA enfrentam graves problemas: dívida pública, baixo nível da educação secundária e impasse político, para mencionar apenas alguns. Mas é preciso lembrar que estes problemas são apenas uma faceta do quadro geral - e, em princípio, podem ser solucionados no longo prazo.

Previsões. É importante distinguir estes problemas dos que, em princípio, não podem ser resolvidos. Evidentemente, não se sabe ao certos se os EUA conseguirão adotar as soluções disponíveis; várias comissões propuseram planos viáveis para mudar a trajetória da dívida americana elevando os impostos e reduzindo os gastos, mas a viabilidade não é garantia de que serão adotados. No entanto, Lee Kuan Yew provavelmente está certo quando afirma que a China "representará um enorme desafio para os EUA", mas não conseguirá superá-los em termos do seu poderio global na primeira metade deste século.

Se for assim, as sombrias previsões de um declínio americano absoluto se revelarão tão equivocadas quanto previsões do mesmo teor feitas em décadas passadas. E, em termos relativos, embora a "ascensão do resto" signifique que os EUA serão menos dominantes do que eram outrora, isto não significa que a China necessariamente os substituirá como maior potência mundial. /

TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA

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