por Alberto Dines, do Observatório da Imprensa
Um país sem partidos, sem convicções, sem debates, fragmentado pelas ambições pessoais. Neste cenário desolador foi criada no início do ano, no Senado, uma Comissão Especial de Reforma Política que num prazo recorde (45 dias, encerrados em 7 de abril) apresentou 12 propostas que serão convertidas em projetos de lei, emendas constitucionais e encaminhadas à tramitação.
A imprensa acompanhou os trabalhos. Sem grande entusiasmo, diga-se, ainda entregue à modorra do verão, às revoltas no mundo árabe e, em seguida, à catástrofe japonesa.
Como é óbvio, a questão que mais absorveu a atenção dos doutos senadores relacionou-se com o fortalecimento dos partidos: decidiu-se pelo sistema de votação proporcional com listas fechadas e o fim das coligações, exceto para cargos majoritários, financiamento público e fidelidade partidária.
Mais atenção mereceu o mafuá partidário instalado simultaneamente pelo prefeito paulistano Gilberto Kassab (DEM). O burgomestre da Paulicéia Desvairada – que na melhor das hipóteses poderia ser classificado como vagamente liberal em matéria econômica – primeiro tentou uma aproximação com o esquerdista PSB. Não poderia dar certo: o mais antigo e mais coerente partido brasileiro, fundado em seguida à redemocratização (em 1945, primeiro com o nome de Esquerda Democrática, depois com a atual designação), não trocaria a sua história por uma alquimia oportunista.
Cobertura acrítica
Kassab partiu para um novo mix: ouviu falar que a sigla PSD estava livre, malandramente abocanhou-a e criou um arremedo de social-democracia “que não será de esquerda, de direita ou de centro”.
A criatura será a cara do criador – coisa nenhuma. Fará estragos no DEM, na direita dos tucanos, nos hiper-fisiológicos do PMDB e servirá, sobretudo, para reforçar o clima de micareta partidária.
O mais recente lance da palhaçada ocorreu na Semana Santa, quando o vice-presidente da República em pessoa, Michel Temer (que há pouco liderava o PMDB dito “liberal” e agora chefia o dito “progressista”), formalizou o convite para que Gabriel Chalita (PSB-SP) seja o candidato governista à sucessão de Kassab dividindo a chapa com o PT.
Chalita sempre esteve à direita da direita do PSDB, mudou-se para o PSB, porém manteve suas intensas devoções aos carismáticos católicos e à Opus Dei navarrista. As duas confissões não são apenas religiosas, são ideológicas, sobretudo esta última, que na Espanha apóia ostensivamente os setores mais reacionários do Partido Popular.
Como é que a imprensa acompanha estas burlas partidárias justo no momento em que a classe política cria vergonha na cara e toma providências regeneradoras?
Entediada e acrítica.
Opções eleitorais
Nossos perspicazes analistas políticos sabem que nossa metástase política origina-se na fragilidade da vida partidária. Mas nossa imprensa enquanto grupo de pressão não esconde o seu sonho de consumo – um partido conservador, assumido, forte, sem medo de ser tachado de direitista, capaz de enfrentar a voracidade do Estado.
Foi assim que esta imprensa organicamente conservadora aceitou a transmutação do PFL em DEM (a sigla mais absurda e canhestra que já apareceu nas vitrines eleitorais), é assim que está aceitando a folia kassabiana.
Partidos coesos, ideologicamente nítidos, facilitariam as opções eleitorais dos grandes veículos. E poderiam libertar-se da tutela da imprensa.
Isso já é ir longe demais na reforma política.
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