por Alberto Dines, do Observatório da Imprensa
A imprensa acompanhou os trabalhos. Sem grande entusiasmo, diga-se, ainda entregue à modorra do verão, às revoltas no mundo árabe e, em seguida, à catástrofe japonesa.
Como é óbvio, a questão que mais absorveu a atenção dos doutos senadores relacionou-se com o fortalecimento dos partidos: decidiu-se pelo sistema de votação proporcional com listas fechadas e o fim das coligações, exceto para cargos majoritários, financiamento público e fidelidade partidária.
Mais atenção mereceu o mafuá partidário instalado simultaneamente pelo prefeito paulistano Gilberto Kassab (DEM). O burgomestre da Paulicéia Desvairada – que na melhor das hipóteses poderia ser classificado como vagamente liberal em matéria econômica – primeiro tentou uma aproximação com o esquerdista PSB. Não poderia dar certo: o mais antigo e mais coerente partido brasileiro, fundado em seguida à redemocratização (em 1945, primeiro com o nome de Esquerda Democrática, depois com a atual designação), não trocaria a sua história por uma alquimia oportunista.
Cobertura acrítica
Kassab partiu para um novo mix: ouviu falar que a sigla PSD estava livre, malandramente abocanhou-a e criou um arremedo de social-democracia “que não será de esquerda, de direita ou de centro”.
A criatura será a cara do criador – coisa nenhuma. Fará estragos no DEM, na direita dos tucanos, nos hiper-fisiológicos do PMDB e servirá, sobretudo, para reforçar o clima de micareta partidária.
O mais recente lance da palhaçada ocorreu na Semana Santa, quando o vice-presidente da República em pessoa, Michel Temer (que há pouco liderava o PMDB dito “liberal” e agora chefia o dito “progressista”), formalizou o convite para que Gabriel Chalita (PSB-SP) seja o candidato governista à sucessão de Kassab dividindo a chapa com o PT.
Chalita sempre esteve à direita da direita do PSDB, mudou-se para o PSB, porém manteve suas intensas devoções aos carismáticos católicos e à Opus Dei navarrista. As duas confissões não são apenas religiosas, são ideológicas, sobretudo esta última, que na Espanha apóia ostensivamente os setores mais reacionários do Partido Popular.
Como é que a imprensa acompanha estas burlas partidárias justo no momento em que a classe política cria vergonha na cara e toma providências regeneradoras?
Entediada e acrítica.
Opções eleitorais
Nossos perspicazes analistas políticos sabem que nossa metástase política origina-se na fragilidade da vida partidária. Mas nossa imprensa enquanto grupo de pressão não esconde o seu sonho de consumo – um partido conservador, assumido, forte, sem medo de ser tachado de direitista, capaz de enfrentar a voracidade do Estado.
Foi assim que esta imprensa organicamente conservadora aceitou a transmutação do PFL em DEM (a sigla mais absurda e canhestra que já apareceu nas vitrines eleitorais), é assim que está aceitando a folia kassabiana.
Partidos coesos, ideologicamente nítidos, facilitariam as opções eleitorais dos grandes veículos. E poderiam libertar-se da tutela da imprensa.
Isso já é ir longe demais na reforma política.
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