quinta-feira, 2 de junho de 2022

MP vai investigar cidade onde Zé Neto deu início à 'CPI do sertanejo' em MT, FSP

 Depois de Minas Gerais, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte e Roraima, agora é o Ministério Público de Mato Grosso que vai apurar se houve irregularidade na contratação de cantores, sobretudo do sertanejo, por cachês que ultrapassam o R$ 1 milhão.

A investigação, que tem como alvo 24 das 27 prefeituras do estado, também envolverá Sorriso, cidade a 400 quilômetros de Cuiabá onde Zé Neto deu início à polêmica, batizada na internet de "CPI do sertanejo", ao criticar uma tatuagem que Anitta fez no ânus e dizer que os sertanejos não dependem de Lei Rouanet, isto é, de dinheiro público.

Zé Neto e Anitta
Os cantores Zé Neto, da dupla com Cristiano, e Anitta - TV TEM/Reprodução e YouTube/Reprodução

A operação levará a uma força-tarefa entre os promotores de Justiça do Mato Grosso responsáveis pela "defesa do patrimônio público e da probidade administrativa", nas palavras do procurador-geral de Justiça do Mato Grosso, José Antônio Borges Pereira, que instaurou o procedimento.

As contratações, a princípio, não são ilegais, mas a discussão em torno dos cachês já levou ao cancelamento de uma apresentação de Gusttavo Lima por R$ 1,2 milhão em Conceição do Mato Dentro, cidade mineira a 163 quilômetros de Belo Horizonte.

O cancelamento ocorreu depois que Folha noticiou que o cachê do cantor tinha sido pago com desvio de verba, já que o dinheiro, obtido a partir da Compensação Financeira pela Exploração Mineral, só poderia ser gasto com saúde, educação, infraestrutura e ambiente.

Gusttavo Lima, que foi o segundo artista mais ouvido do Spotify no ano passado, virou o pivô da polêmica por ter o cachê mais alto entre os sertanejos do país. Outros músicos bastante populares recebem bem menos. A dupla Zé Neto & Cristiano, por exemplo, embolsa entre R$ 180 mil e R$ 550 mil, enquanto Bruno & Marrone tocam por R$ 500 mil, para citar dois exemplos.

Lima nega irregularidades. Por meio de sua assessoria de imprensa, ele afirmou que "não pactua com ilegalidades" e que não é seu papel "fiscalizar as contas públicas".

quarta-feira, 1 de junho de 2022

O chá, Leandro Karnal, O Estado de S.Paulo


01 de junho de 2022 | 03h00

Você gosta de chá? Entre nós surge o desejo a partir do frio (ou imagino que a bebida possa tanto ajudar a atrair quanto a afastar o sono). Esse seria o hábito do chá no Ocidente e pode, claro, incluir alguma socialização. 

Kakuzo Okakura escreveu O Livro do Chá (Estação Liberdade) para falar de outra maneira. Surge um ritual. É uma cerimônia em que o universo da sala, os utensílios, a ordem de tudo para o tempo do mundo. Por quê? Nas palavras do autor: “Quando consideramos quão pequena é a xícara do prazer humano, quão rápido ela transborda de lágrimas, quão fácil ela se esgota em nossa sede insaciável por infinitude, deixando apenas borra, não deveríamos nos censurar por darmos tanta importância à xícara de chá” (p. 30-31). Para Kakuzo, trata-se de celebrar o efêmero e a “formosa tolice das coisas”.

ctv-c6s-xcara-de-ch
Outro traço interessante do espaço do chá: a assimetria. Se é curva a porcelana, será anguloso o vaso. As coisas devem se revelar aos poucos Foto: Wikimedia Commons

Ele foi um observador de dois mundos, já que viveu entre o Japão e o Ocidente. O olhar comparativo recaiu sobre hábitos decorativos das flores. Entre nós toneladas de flores cortadas e, ato contínuo, lançadas fora. Na casa de chá nipônica, há uma flor em um lugar especial, um arranjo simples que resume, em poucas coisas, tudo o que é possível ver. 

Outro traço interessante do espaço do chá: a assimetria. Se é curva a porcelana, será anguloso o vaso. As coisas devem se revelar aos poucos. É necessário o olhar atento. O tempo atarefado do mundo de fora se interrompe. A limpeza absoluta sem perder a naturalidade. A desigualdade de formas para fazer nossa percepção não recair na similaridade contínua. Um momento congelado em meio a forças estetizantes. Interrompa-se a guerra, suspendam-se os negócios; ignoremos os atritos que se multiplicam no mundo externo. Ali há outro universo com regras distintas. Tudo isso integra o “chaísmo”, o culto do chá.

Alguém pode dizer que o culto do chá e das regras e estéticas é a atualização dos brioches de Maria Antonieta. Ao ler o livro, eu passei a pensar o contrário: é pelo mundo ser difícil, tomado de dor e violência, que a pausa ritualizada deixa de ser uma expressão performática e desponta como filosofia de vida. Em um universo feito de delicados bonsais e sons de harpas angelicais, a cerimônia do chá seria, talvez, um sintoma aristocratizante vazio, um roteiro sem alma e excessivo. Como a vida é um trabalho de Sísifo: um rolar de pedras laborais, boletos, dramas familiares, escândalos políticos e falta de dignidade generalizada, a xícara de chá se transforma em pausa indispensável para a sanidade. Na estrada de 2022, a sanidade psíquica deixou de ser um dom do universo e virou uma conquista pessoal diária. A esperança pode endurecer e, pelo menos, pode ser amolecida com chá.