Deus ou o macaco? Boa pergunta. Cem anos atrás, um dos mais famosos processos judiciais da história dos Estados Unidos tentou responder a essa dúvida. Para os íntimos, ficou conhecido como "o julgamento do macaco".
Simplificando, o estado do Tennessee aprovou em 1925 uma lei, o Butler Act, que proibia o ensino de qualquer teoria que negasse a história bíblica da criação divina.
Um professor de biologia do ensino médio, John Scopes, foi levado a julgamento por violar a lei ao ensinar a teoria da evolução. O caso ganhou manchetes em todo o país e levou à pequena cidade de Dayton dois gigantes da época —o político William Jennings Bryan, do lado de Deus, e o advogado Clarence Darrow, do lado do macaco.
Conhecia o caso pelos textos satíricos de H.L. Mencken (um dos meus heróis) e pelo filme de Stanley Kramer, "O Vento Será Tua Herança", uma recriação do julgamento onde Bryan é apresentado como um macaco (intelectualmente falando) e Darrow como um deus (idem).
Mas a realidade histórica costuma ser mais fascinante do que qualquer reportagem ou obra de ficção. E o livro magistral de Edward Larson, que tem me acompanhado nos últimos dias, é prova disso. O título é "Summer for the Gods: The Scopes Trial and America's Continuing Debate over Science and Religion" — obra que venceu o Prêmio Pulitzer de História. Justíssimo.
Sim, nos seus elementos mais simples, o "julgamento do macaco" foi um confronto entre ciência e religião. Mas foi mais que isso.
Para começo de conversa, Scopes foi julgado porque aceitou ser julgado: a American Civil Liberties Union (ACLU) decidiu "testar" a lei e precisava de um réu voluntário. O promotor público e outras figuras locais participaram da encenação porque acreditavam que o caso traria publicidade e prestígio à cidade.
A publicidade veio quando William Jennings Bryan e Clarence Darrow se envolveram de verdade nessa batalha. O prestígio, esse, talvez não.
No livro de Larson, William Jennings Bryan surge como uma personalidade contraditória —e, por isso mesmo, mais fascinante do que Mencken ou Stanley Kramer me fizeram acreditar. Reacionário em matéria científica? Sem dúvida.
Mas ele também era um progressista na política: defensor ferrenho da classe trabalhadora contra o capitalismo do tipo laissez-faire e patrocinador de quatro emendas constitucionais decisivas —o direito de voto às mulheres; a implementação de impostos federais progressivos; a eleição direta de senadores; e a Lei Seca, como forma de combater o vício do álcool.
Bryan também era um pacifista radical: em 1915, ao perceber que os Estados Unidos se aproximavam da entrada na Primeira Guerra Mundial, pediu demissão do cargo de secretário de Estado no governo Woodrow Wilson, em protesto.
Hoje, talvez se sentisse em casa entre os setores mais puritanos da esquerda "woke" —não fosse sua oposição ferrenha a Charles Darwin e ao darwinismo social.
Não são a mesma coisa?
Pois não —e aqui começam os erros de Bryan. Para ele, o problema da teoria evolucionista de Darwin não estava apenas no fato de negar o relato bíblico da criação do homem.
O darwinismo, para Bryan, tinha sido responsável pela barbárie da guerra na Europa: a "sobrevivência do mais forte" —uma distorção popular da teoria de Darwin, que falava antes da sobrevivência do mais adaptável— teria alimentado entre as potências europeias um militarismo crescente, justificado por ideias de supremacia entre nações, que explodiu em 1914.
Além disso, Bryan responsabilizava Darwin pela popularidade da eugenia nos Estados Unidos: se era possível aprimorar a raça, segregando sexualmente ou esterilizando os geneticamente relapsos, isso se devia a Darwin e à ideia perversa de "seleção natural".
Confundindo ciência com versões sociais bastardas, era a desumanidade do mundo moderno que horrorizava Bryan. A desumanidade do imperialismo europeu. A desumanidade da busca pela raça perfeita.
Mas o livro de Larson apresenta uma razão suplementar para a cruzada anti-evolucionista de Bryan: o seu majoritarianismo militante. Ou, traduzindo, a crença de que a maioria deve decidir o que as escolas ensinam.
E, para ele, o ponto não estava em ensinar a versão bíblica da criação do homem. Mais importante era tratar o evolucionismo como uma hipótese, não como um fato.
A defesa de John Scopes, com o advogado Clarence Darrow à frente, desmontou os argumentos de Bryan. A lei começava por ser irracional tendo em conta o conhecimento científico disponível.
O estado poderia escolher as matérias que ensinava nas suas escolas, concedeu a defesa. Mas, se optasse por ensinar biologia, não o poderia fazer erradamente. Excluir o evolucionismo da biologia seria o mesmo que excluir o heliocentrismo da astronomia.
Mas o momento decisivo do julgamento aconteceu quando Darrow chamou o próprio Jennings Bryan para depor, confrontando-o com o literalismo bíblico dos fundamentalistas.
Jonas viveu dentro da baleia durante três dias e três noites? Josué fez o Sol parar nos céus? Onde é que Caim conheceu sua esposa?
As respostas de Bryan soaram confusas e, pior, ele próprio admitiu certas interpretações não literalistas da Bíblia, para desânimo dos seus apoiadores.
Apesar de tudo, o "julgamento do macaco" terminou com a condenação simbólica do "macaco" — isto é, do pobre Scopes. William Jennings Bryan, humilhado por Darrow, acabaria por morrer cinco dias após o fim do julgamento. H.L. Mencken, com deliciosa malvadez, concluiu: "Deus mirou em Darrow, errou e acertou em Bryan."
Mas acertou mesmo?
Eis a dúvida final do livro de Edward Larson. Depois do julgamento, leis anti-evolucionistas se espalharam pelo Sul dos Estados Unidos e só seriam revogadas décadas mais tarde. A corrida científica e tecnológica com a União Soviética apressou essa mudança: em plena Guerra Fria, engenheiros eram mais úteis que teólogos.
Mas o fundamentalismo religioso continuou, cresceu em número de aderentes e passou a habitar um universo próprio, com suas escolas, seus jornais, suas rádios, suas sociedades "científicas" (como a Sociedade de Geologia do Dilúvio, dedicada às desventuras de Noé e da arca).
Não é de admirar, conclui Larson, que 40% dos americanos, ainda hoje, afirmem que Deus criou os seres humanos na sua forma presente.
Como não surpreende, acrescento eu, que uma das batalhas centrais do julgamento ainda esteja viva: devem as maiorias decidir o que escolas e universidades ensinam? Ou a autonomia do conhecimento —como defendia Clarence Darrow— deve ser preservada frente às pressões das massas?
Estou de alma e coração com Darrow e contra todo tipo de dogmáticos que desejam controlar o conhecimento com suas preferências religiosas, mas também com suas obsessões ideológicas —de esquerda ou direita.
É por isso que, cem anos depois, o "julgamento do macaco" ainda não terminou.