Utilizados em larga escala nos Estados Unidos, os vagões double stack voltaram a ser notícia no Brasil em junho, quando a Brado Logística anunciou a primeira viagem de trem com contêineres empilhados num trajeto de longa distância, de 1.400 km, entre Sumaré (SP) e Rondonópolis (MT), atravessando as malhas Paulista e Norte. Até o fim deste ano, a operadora pretende levar essa operação para o trecho entre Anápolis (GO) e Porto Nacional (TO), da Ferrovia Norte-Sul, cuja operação está sob concessão da Rumo. Antes mesmo de a Brado Logística existir e a Rumo assumir a concessão das malhas Norte, Paulista, Sul e Oeste, já havia um projeto de tornar possível a operação de double stack em grandes trajetos. Em 2010, a ALL anunciou um projeto de expansão do transporte de contêineres em direção a Santos, avaliado na época em R$ 600 milhões.
O plano dizia que o transporte de contêineres por trem só seria economicamente competitivo frente ao rodoviário se fosse feito em vagões double stack, com a possibilidade de empilhar duas caixas. Isso exigiria obras para aprofundar leito dos túneis de pelo menos uma das duas linhas usadas pela ALL na Serra do Mar, em São Paulo, para que os vagões, mais altos, pudessem passar. O projeto, no entanto, não chegou a sair do papel. As discussões para o uso de double stack na região voltaram há pelo menos dois anos, quando a Brado Logística encomendou à Greenbrier Maxion dois lotes de 74 vagões PRT - o primeiro entregue em 2018 e o segundo, no primeiro semestre deste ano. Novos lotes de vagões double stack podem ser adquiridos. Tudo vai depender do aumento da demanda de cargas, segundo a empresa. Hoje a frota própria da operadora é composta por 2,4 mil vagões e 16 locomotivas (todas AC-44, da GE). Os vagões foram projetados para empilhar até três contêineres, mas inicialmente estão fazendo viagens com dois (de 40 pés cada). O investimento foi de R$ 60 milhões para a aquisição dos double stack e, simultaneamente à compra e aos testes, a operadora investiu na via, para tornar possível a operação.
Do ano passado para cá, foram aplicados recursos no trajeto Sumaré-Rondonópolis, como obras de adequação do gabarito da via, pontes e viadutos, para adaptá-los à passagem dos double stack. Ao longo do percurso, intervenções foram feitas em 27 pontos. Os valores investidos não foram informados pela empresa. Segundo a Brado, não serão necessários adequações no trecho entre Anápolis e Porto Nacional para a operação dos double stack. Na viagem inaugural, o trem foi composto por 68 vagões double stack e 136 contêineres empilhados. A Brado ainda não tem números consolidados sobre os primeiros dias de operação dos double stack, mas trabalha com um panorama bastante otimista. No sentido Sumaré-Rondonópolis, a expectativa é chegar ao transporte de 4.828 contêineres até o final de 2019 (foram 474 em 2017 e 3.375 em 2018). Na rota Rondonópolis-Sumaré, a meta é chegar aos 10 mil contêineres até dezembro, contra 3.392 em 2017 e 8.961 em 2018.
Os produtos com maior demanda de transporte neste trecho são milho para ração animal, bebidas (cervejas, isotônicos e refrigerantes) e carne bovina congelada. A Brado estima que, com a operação dos vagões double stack, haja um ganho de 40% na capacidade dos trens. Para 2019, a operadora tem a expectativa de crescimento de 20% no que diz respeito ao volume de cargas transportado por contêineres, podendo atingir a marca de 330 mil TEUs. De acordo com a operadora, por trilhos circulam mais de 70 tipos de cargas diferentes, entre agrícolas, industriais e bens de consumo. Na avaliação de Rogério Patrus, presidente da Brado, a utilização dos vagões double stack cria um novo momento para o transporte de carga geral no Brasil. "Esta operação, inédita no país, traz vários benefícios, como a redução no consumo de combustível, melhor segurança e desempenho operacional, além de manutenção facilitada, o que nos permite atender nossos clientes com maior qualidade".
MRS Antes de a Brado iniciar viagem com contêineres empilhados, os double stack eram vistos apenas na malha da MRS, movimentando contêineres em trechos de curta distância, como nas entre margens do Porto de Santos. Naturalmente, MRS e Brado Logística - que juntas respondem por 77% do transporte de contêineres via ferrovia no país - têm em suas frotas vagões double stack. A MRS foi pioneira a adquirir esse modelo no Brasil, em 2014, mas ao contrário do que se espera na Brado, a operação com esses vagões não decolou. Hoje são apenas 40 vagões desse modelo. A maior parte da frota voltada para carga geral é composta por vagões plataforma. Atualmente, são 2.669 plataforma rodando na MRS, segundo o mais recente levantamento Todos os Vagões, feito pela Revista Ferroviária. A operadora ainda fez no ano passado a adaptação de 88 vagões gôndola para a movimentação de contêineres. Segundo a concessionária, não há previsão de adquirir novas unidades de double stack, por enquanto.
Um dos focos da empresa é a expansão da rede de terminais intermodais, para ampliar a carteira de clientes e aumentar a produtividade na carga geral. Nos últimos dois anos, foram mais de 1.500 vagões adquiridos para o segmento, entre HPTs, FTTs e plataformas. Sem trechos definidos para a operação cotidiana dos double stack, a MRS se vale deste modelo para atender a clientes dos ramos de bens de consumo e insumos industriais (matéria-prima, peças e componentes). Os double stack da MRS foram fabricados pela Amsted Maxion, e são do modelo PRU (penta articulados) e PRT. De acordo com a MRS, os vagões plataforma se adequam melhor à estratégia de transporte da companhia por serem mais versáteis. Enquanto os double stack podem movimentar apenas contêineres, os plataforma podem carregar tanto as caixas metálicas quanto produtos siderúrgicos - esses últimos correspondem a uma importante fatia da carga geral transportada pela ferrovia. A grande diferença entre double stack e plataforma (single stack) está na possibilidade de o primeiro empilhar até três contêineres - daí a necessidade de as ferrovias terem que adaptar suas vias para receber o material rodante. Geralmente, o projeto de engenharia para o uso dos double stack requer estudos de adaptação da via, pontes e túneis - que necessariamente precisam ter gabarito adequado para a passagem dos vagões mais altos.
Um dos entraves para o avanço da operação dos double stack na malha da MRS está o compartilhamento de via na região da Grande São Paulo com a CPTM. A rede aérea para os trens de passageiros (eletrificados) não tem altura suficiente para a passagem de vagões com contêineres empilhados. Além disso, a preferência por vagões plataforma está no fato de eles também serem usados em trens de serviços da operadora.