terça-feira, 30 de setembro de 2025

Celso Rocha de Barros Mercado só enxerga problema quando vira gasto, FSP

 

Uma pesquisa Genial/Quaest revelou que 98% dos gestores de mercado (em uma amostra de 82) reprovam os rumos da política econômica de Lula. A primeira coisa a ser dita é que se os 2% de gestores que discordam estiverem certos devem fazer uma boa grana nos próximos anos.

Em um certo sentido, o resultado da pesquisa era de se esperar. Os gestores de fundos certamente estão entre os 1% mais ricos da população, que não é território eleitoral fértil para a esquerda. E seria ridículo não reconhecer que os gestores, como todos os outros seres humanos, têm suas opiniões políticas.

Por exemplo, esta coluna está desde dezembro perplexa com o pessoal do mercado que achava que Haddad era um radical. Hoje não parece haver ninguém que ache isso, mas Haddad não mudou, o mercado é que se rendeu às evidências.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad durante evento com prefeitos, em Brasília - Gabriela Biló - 13.mar.2023/Folhapress

Aliás, bom lembrar: boa parte da turma que hoje tem medo de que "Lula não deixe Haddad trabalhar" teve a chance de eleger Haddad presidente em 2018. Ao invés disso, preferiram votar em um muambeiro genocida e golpista que quebrou o país e fugiu pra Disney.

Isso não quer dizer, entretanto, que a esquerda e o mercado nunca possam estar de acordo um com o outro, ou que a esquerda não cometa erros que reforçam a percepção ruim do mercado sobre ela.

O mercado tem gente muito inteligente que ganha muito dinheiro se acertar diagnósticos sobre alguns assuntos, como as variações do PIB ou a situação fiscal. Vale a pena ouvi-los sobre essas pautas. Por outro lado, há todo um universo de problemas relevantes que demoram para virar queda do PIB ou aumento de gasto, ou nunca viram. Sobre isso, é melhor não ouvir o mercado.

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Por exemplo, boa parte do aumento de gastos de Lula até agora foi para resolver crises deixadas por Bolsonaro na área social. Esses gastos foram contratados quando Guedes deixou os trabalhadores brasileiros sem aumento real de salário mínimo por quatro anos, ou quando Damares se recusou a enviar água para as crianças yanomami. Mas só apareceram na conta do mercado quando viraram gasto, já sob outro governo.

Por outro lado, se o mercado só enxerga o problema quando ele vira gasto, a esquerda às vezes só enxerga a crise quando ela vira corte de gastos. Como o mercado nos casos acima, ela também tende a colocar a culpa no cara que tenta resolver o problema.

Nos subsídios dados pelo primeiro governo Dilma já está contada, inteira, a história do ajuste de Joaquim Levy. Por que o empresariado teria investido os recursos dados por Dilma se era claro que eles causariam uma crise fiscal, obrigando o governo a fazer um forte ajuste? O cara que montou uma fábrica em 2012 com seu incentivo fiscal encontrou quantos consumidores em 2015?

Uma boa maneira de conciliar esses horizontes é uma regra fiscal bem bolada, que, como já disse o ex-ministro Nelson Barbosa, tem que agradar "as ruas e a Faria Lima".

Ao que parece, a nova regra fiscal deve ser assim. A proposta ainda não vazou, mas o que se depreende das entrevistas até agora é que ela deve ser muito melhor que o teto de gastos aprovado em 2017.

Torço para que a regra seja boa, para que as reações das ruas e da Faria Lima sejam razoáveis, e para que os 2% de gestores do primeiro parágrafo passem o resto da vida rindo da cara dos colegas de firma.


João Pereira Coutinho, É o excesso de Estado, estúpido! FSP

 Hora da confissão: sempre que escuto a palavra "polarização" sinto vontade de puxar o revólver. E, quando escuto as explicações para essa polarização, a vontade é sacar a bazuca.

Sim, mil vezes sim: a desigualdade econômica, imigração, redes sociais e seus capangas digitais... tudo isso agravou o tom e o estilo da discussão pública. Mas democracias livres são, por definição, polarizadoras. E é bom que sejam. A nostalgia da unidade é o sonho molhado dos tiranos.

O ódio que hoje corre solto tem razões mais fundas: é um ódio existencial, como se cada eleição pusesse em risco a própria sobrevivência de metade do país. Haverá explicação para esse surto psicótico?

Talvez —e mais racional do que se imagina. O diplomata britânico David Frost, escrevendo no Daily Telegraph, oferece a hipótese mais convincente que conheço para o pensamento binário que domina a espécie: globalistas contra nacionalistas; "fascistas" contra "comunistas"; e, no contexto britânico, partidários da União Europeia contra defensores do brexit.

É o Estado, estúpido! Houve um tempo em que o governo se ocupava das funções soberanas (justiça, ordem interna, defesa), tentando ainda fornecer serviços básicos à população. O Estado não estava em todo lugar, mas tentava estar onde deveria.

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Angelo Abu/Folhapress

Isso deixava algum oxigênio para os indivíduos, que podiam tocar suas vidas sem a sombra permanente do Leviatã.

Não mais. Vivemos em "Estados totalizantes" (não confundir com totalitários), que se expandem muito além de suas funções específicas. Não é só justiça ou segurança. Não é apenas saúde ou aposentadoria.

É economia, cultura, educação, costumes, vida privada, pensamentos íntimos —nada escapa ao Leviatã e seu desejo de controle social. O oxigênio se foi e ficou a sensação permanente de asfixia.

Moral da história?

Quando tudo depende do Estado, tudo depende do acesso ao poder. Isso significa que tudo é político —até onde a política estatal tradicionalmente não entrava. Como conclui David Frost, o que está em jogo é importante demais para você não ser tragado pelo vórtice.

É uma tese forte, admito, que os números e a história reforçam. Nos últimos 150 anos, os gastos públicos no Ocidente só caminharam numa direção —para cima. Parte se explica por conjunturas (guerras, pandemias) ou por causas nobres (não pertenço à seita dos neoliberais, para quem o Estado de bem-estar é um dos cavaleiros do apocalipse).

Mas o gigantismo estatal não nasceu apenas de boas intenções. Depois da Primeira Guerra Mundial, entraram em cena os "Estados-projeto", para usar o conceito do grande historiador Charles Maier: Estados ativistas que não se limitavam a administrar, mas se lançavam na tarefa de refazer a economia, a sociedade e a própria natureza humana de acordo com um plano ideológico.

No século 19, tivemos projetos de Estado —o Brasil pós-Independência ou a unificação alemã com Bismarck são exemplos clássicos dessa construção institucional.

O "Estado-projeto" é outra coisa: pressupõe a existência desses elementos (população, território, soberania, governo), mas vai muito além. Sua ambição é remodelar o cidadão com os instrumentos do Estado.

E, para desespero dos críticos, Maier lembrava: não é só coisa de ditadura. Democracias liberais também podem ser "Estados-projeto", descontada a violência. O que define é a intenção: a decisão política de mobilizar o Estado para moldar o futuro.

De vez em quando escuto amigos reclamando da onipresença da política em suas vidas. Entendo o cansaço, a náusea mesmo, com a gritaria sem fim.

Mas essa gritaria não é tão irracional: a política, de fato, infiltra-se em tudo —até na intimidade. Quem zomba de progressistas (ou conservadores) que juram nunca namorar alguém do "outro lado" ignora que isso é apenas a consequência lógica do nosso tempo.

Uma eleição tampouco é apenas uma eleição —um mecanismo pacífico de trocar governantes sem derramamento de sangue, como dizia o filósofo. É a hora em que recursos colossais e instrumentos tentaculares do Estado mudam de mãos. E, se isso não é uma ameaça existencial, o que é?

A polarização poderia ser saudável —se o Estado também fosse. Mas, para tanto, seria preciso devolver o Leviatã às suas funções próprias e limitadas, longe dos delírios dos "Estados-projeto".

Caso contrário, marcharemos de eleição em eleição —até chegarmos à última.

E se Bolsonaro morrer na cadeia?, Hélio Schwartsman, FSP

 A anistia ampla aos golpistas parece ser carta fora do baralho na agenda política nacional. Uma mudança legislativa que resulte em redução de pena ainda é viável, mas não evitaria que o ex-presidente começasse a cumprir sua sentença em regime fechado.

O caminho menos tortuoso para aliviar a situação do capitão reformado seria o benefício da prisão domiciliar, por causa dos problemas de saúde que ele desenvolveu após a facada que levou em 2018.

Devemos nos sensibilizar pelo argumento sanitário? Peço licença para citar Jair Bolsonaro: "Todos nós vamos morrer um dia. Não adianta fugir disso, fugir da realidade, tem que deixar de ser um país de maricas".

O ex-presidente Jair Bolsonaro de camisa branca encostado em parede branca com o número 3 em metal. Ele está parcialmente visível, olhando para baixo, ao lado de uma porta de vidro escura.
O ex-presidente Jair Bolsonaro em prisão domiciliar - Gabriela Biló/Folhapress

Essa é só uma das muitas declarações em que ele menosprezou questões de saúde e óbitos ao longo da pandemia. Assim, em respeito à "weltanschauung" (visão de mundo) do ex-presidente, precisaríamos concluir que a possibilidade de morte no cárcere não é razão suficiente para afastar o rigoroso cumprimento da lei.

Mas não sou tão cruel quanto Bolsonaro. Penso que o Estado precisa zelar pelas condições de saúde de todos aqueles que se encontram sob sua custódia, incluindo o ex-presidente. E o problema é que o Estado brasileiro não faz isso.

Nossos presídios não apenas estão cheios de reclusos suficientemente doentes para fazer jus a uma domiciliar como ainda se tornaram polos de transmissão de doenças infecciosas. Muita gente que entra saudável no sistema logo contrai tuberculose, sífilis, HIV e hepatites, para citar apenas algumas das moléstias mais prevalentes.

Isso coloca o STF num dilema. O tribunal não poderia ignorar riscos à saúde de Bolsonaro, mas tampouco poderia passar a mensagem de que a Justiça brasileira tem favoritos.

Conceder ao ex-presidente um benefício que não estende a outros apenados em situação sanitária igual ou até pior seria um golpe contra o ideal republicano pelo qual a corte precisa zelar. A solução correta aqui seria universalizar os benefícios concedidos a presos que estão doentes. Difícil que aconteça.