sexta-feira, 7 de fevereiro de 2025

A sina da carreira em dupla na música sertaneja, Gustavo Alonso, FSP

 Um dos maiores enigmas da música sertaneja é que acontece após o término de uma dupla. Ambos acham que poderão constituir carreiras solo de sucesso. Mas quase sempre isso não acontece.

Um dos casos mais notórios foi o de Milionário & José Rico. Em 1992 eles se separaram e José Rico, a primeira voz da dupla, tentou emplacar carreira solo. Sem sucesso.

Dupla sertaneja Milionário e José Rico em cena do filme 'Na Estrada da Vida', em que o diretor Nelson Pereira dos Santos reconstrói a trajetória dos músicos. Na imagem, José Rico está com seus indefectíveis óculos escuros e segurando um violão. Milionário, por sua vez, também toca um violão e está vestido com uma camisa xadrez. Ao fundo, aboletados no alto de uma casa, dois jovens brincam com violões
Dupla sertaneja Milionário e José Rico em cena do filme 'Na Estrada da Vida', em que o diretor Nelson Pereira dos Santos reconstrói a trajetória dos músicos - Divulgação/Instituto Moreira Salles

Milionário lançou um disco com Mathias, outro gigante do gênero que havia se separado da dupla com Matogrosso. Não deu em nada. Então Milionário se juntou a Robertinho, ex-parceiro de Leo Canhoto. O sucesso parecia escrito nas estrelas. Mas faltou combinar com o público, que não aprovou a nova dupla.

As separações de duplas, especialmente quando há atritos públicos, não são bem vistas pelos fãs, que acabam não abençoando as novas carreiras. Outro caso exemplar foi a separação de João Mineiro & Marciano em 1993. Em carreiras independentes, nenhum dos dois chegou perto do sucesso que haviam conquistado em dupla nos anos 1980.

Há certa pressão entre as duplas sertanejas para permanecer fiel ao parceiro. A ideia é que, se um artista surgiu para o grande público através do formato dupla, deve seguir a vida artística inteira assim. É praticamente uma sina.

Atentos a essa particularidade da música sertaneja, algumas duplas até tiveram rupturas em determinados períodos da carreira, mas resolveram retomar a trajetória juntos. Foi o caso de Milionário & José Rico, que retomaram a carreira em 1994. Chrystian & Ralf se separaram diversas vezes ao longo da carreira, mas voltaram também várias vezes, pois a carreira solo de ambos nunca foi tão bem sucedida quanto a da dupla.

Rick & Renner também se separaram duas vezes devido a desentendimentos e acontecimentos turbulentos da vida de Renner. Mas também voltaram a cantar juntos.

Mais recentemente Victor & Leo se separaram depois que Victor foi acusado de violência doméstica. Em 2018 a dupla anunciou a separação por tempo indeterminado. Apesar do excelente disco "Projeto VC", nem assim a carreira solo de Victor decolou, nem tampouco a de Leo. Em 2023 eles retomaram a dupla.

Em geral o público sertanejo só compra a carreira solo de artistas consagrados em duplas em duas situações. Primeiro: quando um dos parceiros morre. É o que aconteceu com Daniel (ex de João Paulo) e Leonardo (ex de Leandro), cujos parceiros tiveram mortes trágicas.

Outro caso recente chamou a atenção, o de Simone Mendes, que desde a infância cantava com a irmã Simária.

Desde que se separou da irmã em agosto de 2022, Simone vem perfilando uma série de sucessos, entre eles "Dois Tristes", "Daqui Pra Frente" e especialmente "Erro Gostoso", um dos maiores hits de 2023. Em 2024, Simone participou do programa global "Amigas", ao lado de outras cantoras da música sertaneja, consolidando seu espaço no primeiro escalão do gênero.

No caso da cantora, pesou o fato de que a irmã se mostrou publicamente e por muito tempo como alguém bastante desequilibrada. Simária diminuia artisticamente Simone em surtos ególatras que eram visíveis para grande parte do público. Quando se separaram, a aura de sucesso que a dupla construiu ficou com Simone, e Simária relegada ao esquecimento.

Betty Milan - Perguntas que não querem calar, FSP

 Betty Milan

Escritora e psicanalista, é membro da Academia Paulista de Letras

O Brasil perdeu em quatro anos 7 milhões de leitores. Ninguém ignora que o país faz pouco dos seus autores. Os exemplos se multiplicam. Vou me debruçar sobre um caso atual.

Tendo em vista a universalidade da literatura de Stefan Zweig e o seu espírito humanista, a Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro, inaugurou em dezembro do ano passado uma exposição sobre o autor reunindo fotos, documentos, objetos e livros.

O escritor austríaco Stefan Zweig e sua mulher, Charlotte Altmann - Divulgação


Zweig foi um romancista, poeta, dramaturgo, jornalista e biógrafo austríaco de origem judaica. De 1920 até a sua morte, em 1942, foi um dos escritores mais famosos de todo o planeta. No ano de 1940, durante a Segunda Guerra Mundial, para escapar da barbárie nazista o escritor se exilou com a mulher, Lotte, em Petrópolis (RJ). Lá ele escreveu "Brasil, um País do Futuro", que, segundo o seu biógrafo, Alberto Dines, é um "caso único de livro convertido em epíteto nacional", recebido no exterior como uma verdadeira revelação. Apesar de viver no contexto de uma ditadura —a de Getúlio Vargas—, o escritor viu no Brasil o que ele tem de maravilhoso e fez vários lançamentos da obra.

Mas, em 1942, foi encontrado morto com a esposa na casa onde moravam. Tratou-se, segundo os biógrafos, de um duplo suicídio com barbitúrico. O ponto de vista do romancista Deonísio da Silva, autor de "Stefan Zweig Deve Morrer" , é outro. Tratou-se, para ele, de um assassinato. O casal teria sido executado por um comando nazista vindo da Argentina especialmente para isso. Com base nas lacunas e contradições das biografias, Deonísio da Silva escreveu um romance que obriga a questionar a história oficial.

O escritor Stefan Zweig em Ossining, perto de Nova York - Suse Hoeller/Divulgação

"Stefan Zweig Deve Morrer" foi continuamente reeditado, traduzido e adaptado para o teatro. Por que este livro tão atual, por ser uma reflexão sobre o destino do escritor em tempos de crise e a luta dele para sobreviver em meio ao caos, não figura na exposição da Biblioteca Nacional? Ou porque os romancistas brasileiros não são levados a sério ou porque a tese do suicídio é melhor para a imagem do país.

Getúlio Vargas, cuja simpatia pelo nazismo está mais do que provada, proibiu a autópsia, e rabinos pediram para enterrar o casal Zweig em um cemitério judaico. Como os judeus não enterram suicidas em seus cemitérios, o pedido dos rabinos desqualifica a versão oficial. Cabe perguntar o que eles sabiam e por que não foi aberto um inquérito para esclarecer os fatos. Dois mortos, marido e mulher, numa mesma noite e numa mesma casa…

São perguntas que não querem calar. Sobretudo agora, depois do filme "Ainda Estou Aqui", que exige a revelação da verdade sobre o nosso passado.

Deonísio da Silva foi o primeiro a sustentar num livro a ideia do assassinato. Contudo, antes dele, num seminário no ano de 2000, na USP, o psicanalista Jacob Pinheiro Goldberg e a teórica da literatura Marília Librandi já haviam falado da execução dos Zweig pelos nazistas com a cumplicidade do governo brasileiro.

O livro "Stefan Zweig Deve Morrer" não só deveria ser incluído na exposição da Biblioteca Nacional como poderia ser adaptado para o cinema a fim de questionar a ditadura e os seus efeitos, entre eles o do encobrimento da verdade.

TENDÊNCIAS / DEBATES

Atropelo no diesel, FSP

 A presidente da Petrobras, Magda Chambriard, disse que bateu o martelo sobre o reajuste do diesel na sexta-feira (31), mas a sequência de acontecimentos durante a semana não deixa dúvida de que o governo mais uma vez atropelou a governança da estatal.

Já na segunda (3), fontes próximas vazaram para a imprensa que a estatal tinha um reajuste engatilhado. Depois, o governo iniciou uma estratégia de comunicação para reforçar que, mesmo com aumento, a estatal ainda venderia diesel mais barato do que sob Bolsonaro.

A estratégia foi usada pelo presidente Lula e pelo ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, em entrevistas na quinta (30). Silveira chegou a entregar à Folha possíveis cifras para um aumento que ainda não havia sido anunciado pela estatal.

A política comercial da Petrobras diz que os reajustes são definidos por um trio de executivos formado pela presidente da empresa e pelos diretores responsáveis pela área financeira e de comercialização de combustíveis —hoje, Magda Chambriard, Fernando Melgarejo e Claudio Schlosser.

Esse grupo tem autonomia para tomar as decisões, sem necessidade de aval do Conselho de Administração. Os anúncios de reajustes costumam ser feitos em comunicados ao mercado no fim da manhã do dia anterior ao início da vigência.

O sigilo é importante para evitar especulações de mercado —tanto o financeiro, negociando ações da empresa com informação privilegiada, quanto o de combustíveis, que poderia antecipar movimentos com estoques para lucrar mais com os novos preços.

Na ânsia de se desculpar antecipadamente pelo aumento, o governo desconsiderou o rito. Não foi a primeira vez: a crise dos dividendos em 2024, que culminou com a demissão do ex-presidente Jean Paul Prates, foi pródiga em declarações antecipadas sobre assuntos estratégicos da empresa.

As ações da Petrobras ainda não se recuperaram totalmente do tombo daquela ocasião. E seu Conselho de Administração, domesticado pela maioria aliada ao governo, vem se mantendo calado diante dos atropelos.

A presidente da Petrobras, Magda Chambriard - Ricardo Moraes - 14.out.24/Reuters