segunda-feira, 19 de agosto de 2024

Primeiro prefeito de SP priorizou centro histórico e construiu Municipal; relembre, FSP

 

São Paulo

Com exceção de um curto intervalo, que vai de 1835 a 1838, no período regencial, São Paulo só passou a ser comandada por prefeitos no apagar das luzes do século 19. Até então, a cidade era administrada por vereadores ou presidentes de província.

Em 1898, foi aprovada uma lei municipal que reinstituiu os cargos de prefeito e vice-prefeito. Não eram ainda eleitos pelo voto popular, a escolha desses representantes cabia ao Legislativo municipal.

Definida a nova função, o nome de Antônio da Silva Prado se impôs, graças à prolífica carreira política e à trajetória de homem de negócios. Durante o Império, ele havia sido vereador, deputado geral (o equivalente a deputado federal), senador e ministro de duas pastas, Agricultura e Negócios Estrangeiros. Dom Pedro 2º o designou membro do Conselho do Império –seus obituários o tratam como "conselheiro".

Antônio da Silva Prado, primeiro prefeito de São Paulo no período republicano
Antônio da Silva Prado, primeiro prefeito de São Paulo no período republicano - Wikimedia

Prado também se destacou no setor privado. Além do negócio do café –comandava fazendas e uma exportadora–, foi um dos fundadores da Companhia Paulista de Estrada de Ferro, do Banco do Comércio e Indústria de São Paulo e da Vidraria Santa Maria, entre outras atividades.

Na cidade de apenas 240 mil habitantes, ninguém representava tão bem a aristocracia quanto ele, neto do Barão de Iguape.

Prefeitos de São Paulo

  • Série de reportagens da Folha busca apresentar perfis de alguns dos prefeitos que marcaram época, entre os mais de 50 que comandaram a cidade de São Paulo ao longo do período republicano. A intenção é jogar luz sobre ações do poder público municipal que foram determinantes para o avanço ou para estagnação da capital paulista, além de rememorar momentos relevantes e passagens curiosas das gestões

Em janeiro de 1899, o paulistano de 58 anos tomou posse, tornando-se o primeiro prefeito de São Paulo no período republicano. Ao exercer quatro mandatos consecutivos (três vezes escolhido pelos vereadores e uma pelo voto popular), somou mais de 11 anos no poder, o que o coloca entre os nomes que mais tempo estiveram à frente da cidade.

Ao chamar o jovem Victor Silva Freire para a função de engenheiro-chefe da prefeitura, Prado "procurava dar, pela primeira vez, um caráter técnico ao planejamento da cidade", escreveu o jornalista Roberto Pompeu de Toledo no livro "A Capital da Vertigem - uma História de São Paulo de 1900 a 1954".

A gestão priorizou o que hoje chamamos de centro histórico da cidade, na época um emaranhado de ruas estreitas com escritórios, hotéis, restaurantes, cafés e redações de jornais. Alargou ruas como Quinze de Novembro, a mais movimentada de São Paulo, e Álvares Penteado.

Ficava nessa área central o largo do Rosário, com a Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos. Em 1903, contra a vontade das pessoas negras que formavam uma irmandade, o prefeito desapropriou o templo, demolido no ano seguinte. Buscou compensá-las com um terreno próximo, no largo do Paissandu, onde uma nova igreja foi erguida.

O largo do Rosário deu então lugar a um espaço com o nome do prefeito, a praça Antônio Prado, hoje conhecida pelos edifícios famosos do entorno, como o Martinelli e o Banespa (Farol Santander). Mais de um século depois, uma escultura que representa Zumbi dos Palmares foi instalada na praça em memória da irmandade.

Praça Antonio Prado, no centro histórico da capital paulista, em registro de janeiro de 2022 - Eduardo Knapp -17.jan.2022/Folhapress/Folhapress

Fora daquele miolo, ficou evidente sua "obsessão" pela arborização, como lembra Pompeu de Toledo. Promoveu grandes mudanças na praça da República e no Jardim da Luz, e contratou um paisagista belga para criar os jardins diante do Museu do Ipiranga.

Entre os feitos da administração de Prado, o mais lembrado é provavelmente o Theatro Municipal, cuja construção recebeu forte apoio dos vereadores e se estendeu de 1903 a 1911. Projetada por dois italianos, Domiziano Rossi e Cláudio Rossi (não eram parentes), a obra foi conduzida pelo escritório de engenharia de Ramos de Azevedo.

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Bonde elétrico em rua de São Paulo em 1954 - Folhapress

Em geral, historiadores apontam um saldo mais positivo à era Prado em São Paulo. "O conselheiro procurou dar à sua administração o alcance demiúrgico da obra de um herói civilizador", escreveu Nicolau Sevcenko (1952-2014) no livro "Orfeu Extático na Metrópole".

Houve, porém, passagens nebulosas. A São Paulo Railway, Light and Power, empresa bancada por empresários canadenses, inaugurou a primeira linha de bondes elétricos em 1900, segundo ano da gestão de Prado. Ligava o largo de São Bento ao trecho final da alameda Barão de Limeira, onde ficava a Chácara do Carvalho, residência do prefeito.

A terceira linha terminava junto à casa de Veridiana Valéria da Silva Prado, na Vila Buarque. Mulher de grande influência na sociedade paulistana, dona Veridiana era mãe de Antônio da Silva Prado.

Não se tem registro de comprovação de irregularidades nesses primórdios do transporte público na gestão Prado, que, aliás, tomou algumas medidas que contrariavam os planos da Light. Mas é fato que os canadenses não escondiam o desejo de fazer agrados ao prefeito.

Becky S. Korich - Por que somos atraídos pela tragédia?, FSP

 Você consegue passar por um acidente de trânsito sem desacelerar o carro para dar uma "olhadinha"? Consegue passar reto por uma briga de casal sem se sentir atraído por uma estranha curiosidade? Fica ligado nos detalhes de um acidente aéreo e mergulha nas histórias pessoais das vítimas?

Para o filósofo Thomas Hobbes, esse fenômeno poderia reforçar a teoria de que o homem nasce essencialmente mau e é fundamentalmente egoísta —por isso, depende de um estado autoritário para ditar-lhe normas de convivência.

Existe, porém, uma explicação mais simples do que uma suposta tendência mórbida: fisiologicamente, nosso instinto humano —ou animal— é atraído por infortúnios, tragédias e catástrofes.

A imagem mostra uma vista aérea de uma área residencial com várias casas. Algumas casas têm piscinas e há uma grande quantidade de destroços espalhados pelo chão. O ambiente parece desorganizado
Um avião modelo ATR 72-500, da companhia aérea Voepass, que saiu de Cascavel (PR), e seguia para Guarulhos (SP), caiu dentro de um condomínio residencial no município de Vinhedo, interior de São Paulo, deixando 62 mortos - Bruno Santos/Folhapress

Uma inquietação emerge, surge um desejo instintivo de desvendar as complexidades do extraordinário. Uma parte de nós parece ficar inebriada pela ânsia de buscar mais informações e detalhes, o que nos faz vivenciar um sofrimento ao enfrentar a efemeridade da nossa existência, mas com o conforto de não estarmos diretamente afetados.

Eventos como esses nos afastam do mundano, do familiar e da garantia do amanhã. Somos convocados a usar as vestes emocionais dos aflitos (e se fosse comigo?), mergulhar nas nossas profundezas (quem somos nós diante de eventos que desafiam a compreensão?) e confrontar os nossos medos através das histórias dos outros. É, ao mesmo tempo, uma sensação perturbadora causada pela dor dos outros e um alívio por estarmos a salvo.

Cada reviravolta trágica é um chamado para o terreno do desconhecido, um enigma que desafia os limites da nossa compreensão, que chacoalha a sensação de estabilidade que a normalidade nos faz acreditar.

Encontramos mais significado nos acontecimentos negativos do que positivos (não é à toa que se vendem mais notícias ruins do que boas). Na psicologia evolutiva existe a ideia de que "o mal é mais forte do que o bem", porque a nossa sobrevivência histórica depende muito mais da capacidade de reagir a ameaças do que de aproveitar as oportunidades.

Passamos a vida fugindo da única certeza que temos: a nossa finitude. É o único jeito de tornar a vida suportável. Viver com uma consciência incessante no dia a dia da nossa fragilidade e insignificância, seria pesado, triste, insustentável. Por isso, é justamente nos momentos em que somos tocados por infortúnios alheios, que devemos nos fortalecer e reforçar a nossa significância.

Tragédias têm o poder de transformar momentaneamente a atmosfera social, como se déssemos uma pausa aos ressentimentos e às reclamações ranhetas. A desolação comum une as pessoas pela dor, os sons da animosidade diminuem, as pessoas ficam mais gentis, valorizam os abraços e os afetos. É como se precisássemos de tragédias para nos tolerar uns aos outros.

Uma dose secreta de Schadenfreude (prazer que se sente ao ver o infortúnio de outra) faz parte de todos nós, desde os tempos em que nos divertíamos com as puxadas de tapete da dupla Tom e Jerry no desenho animado ou ríamos do amigo que escorregava numa casca de banana.

Há um episódio de "Os Simpsons" em que Ned Flanders, o vizinho irritantemente perfeito de Homer, resolve abrir uma loja. Tomado pelo Schadenfreude, Homer fantasia que o negócio de Ned entra em colapso. Primeiro imagina a loja sem clientes, depois, o vizinho empobrecendo, e depois uma fila de credores batendo na sua porta. Só quando Homer imagina o túmulo de Flanders e seus filhos chorando ao seu redor, que ele se detém. "Longe demais", ele diz. A loja falida era suficiente.

Se conseguirmos moderar essa "alegria dos impotentes", como definiu Nietzsche, e aprender a ter um olhar compassivo, poderemos evoluir com os fatos, bons e ruins, que nos cercam.

Só não vale ficar indiferentes; a indiferença é o maior desperdício da vida.


Ruy Castro - A volta do grande palco, FSP

 Passo sempre em frente ao falecido Canecão, em Botafogo, e só agora percebi: sua demolição já começou. Passava sem olhar, para não ver os fantasmas dos artistas que fizeram de seu palco talvez o maior da música brasileira. A lista dos que subiram a ele por mais de 40 anos é um catálogo telefônico. Quem não cantasse no Canecão era como se só cantasse em casa, no chuveiro. Fechado em 2010, seu terreno viveu desde então uma amarga pendenga com o proprietário, a UFRJ.

Fui quase testemunha do seu parto, em 1967. Ao lado do Canecão já inaugurado, mas ainda em obras, ficava o Solar da Fossa, um antigo convento do século 18 dividido em quartos individuais. Ali moravam dezenas de rapazes e moças criativos, futuros artistas, bonitos, românticos e duros. Os aluguéis eram tão baratos que até eu, foca numa revista, conseguia encarar. Os quartos só tinham uma cama e um armário, quem quisesse outros luxos que se virasse. Eu queria uma pequena estante. Bastou dar um pulo à obra do Canecão, subtrair duas ripas de madeira e alguns tijolos para apoiá-las, e estavam prontas as duas prateleiras.

O Canecão, no começo, era uma cervejaria em que se dançava com música ao vivo. Foi lá que, na festa de abertura do primeiro Festival Internacional da Canção, Kim Novak, estrela convidada, passou pela minha mesa e reconheceu o garoto que, na véspera, a entrevistara no Galeão. O Canecão logo trocou a pista de dança por mesas para a plateia e se concentrou nos espetáculos. O resto é história.

O novo Canecão, agora de bem com a UFRJ, será um complexo cultural com casa de shows para 6.000 pessoas, espaço para minishows, galeria de arte, museu, teatro, salas de aula, refeitório universitário e um bosque ao redor. E acho que, desta vez, vai.

Pena que o Solar tenha caído em 1974, para dar lugar ao shopping Rio-Sul. O qual evito frequentar —seu teto era o céu do Solar.

Espaço do Canecão durante greve de estudantes da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) - Daniel Marenco/Folhapress