quarta-feira, 11 de janeiro de 2023

Deirdre Nansen McCloskey - Como sermos bons, FSP

 As virtudes elementares são quatro mais três. As quatro virtudes "cardinais" —justiça, temperança, coragem e prudência— eram especialmente valorizadas nas cidades-Estado do antigo Mediterrâneo. As três virtudes "cristãs" —fé, esperança e amor— foram assim chamadas porque Jesus Cristo as pedia, não porque os cristãos fossem especialmente bons em praticá-las. Os papas medievais e alguns modernos eram cinicamente desinteressados em fé e esperança, preferindo luxúria e ganância. E os cristãos evangélicos de hoje, no meu país e no seu, recorreram ao ódio, contrariando o Evangelho.

Versões das sete virtudes elementares podem ser encontradas em todas as tradições humanas, porque são caracteristicamente humanas. Toda vida é prudente, ou fracassa. Mas as demais, em outras espécies, são apenas metafóricas. Os leões não são realmente corajosos, apenas prudentes e famintos.

Crianças seguram manjedouras com o menino Jesus ao esperar a bênção do papa João Paulo 2º, na praça de São Pedro, no Vaticano - EPA/Ansa

Os humanos precisam de todas as sete numa espécie de equilíbrio idiossincrático para florescer. Você e eu conhecemos freiras e soldados, homens de negócios e professores virtuosos, com todas as sete em suas próprias combinações especiais.

A esperança, por exemplo, é a virtude de ter um projeto. Se você literalmente não tem nada por que esperar, vá para casa esta noite e dê um tiro em si mesmo. Por favor, não!

Assim como todas as virtudes, a esperança por si só, a menos que seja contrabalançada por outras, torna-se um vício. O conservador nacionalista, sem o equilíbrio da justiça ou do amor, espera a conquista ou a pureza racial. Um conservador mais normal tem nostalgia dos anos 1950. Ele também tem pouca justiça na alma. Não se importa que pessoas pobres, negras, homossexuais e mulheres fossem reprimidas na época. Homens ricos, brancos e heterossexuais governavam. Bem, na verdade ainda o fazem. Mas pelo menos agora estamos trabalhando nisso.

A socialista tem esperanças que não fazem sentido histórico. Ela espera que Brasília seja sábia. Suas esperanças não estão de acordo com o que Freud chamou de princípio de realidade, a percepção adulta de que as palavras de desejos, intenções e planos não são realizações de fato.

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Quando eu, criança, dizia que "esperava" algo inconveniente ou alguma indulgência, meu pai trazia à tona o provérbio medieval inglês —o português deve ter um semelhante— "Se os desejos fossem cavalos, os mendigos cavalgariam".

Nós, liberais, temos uma esperança que já foi otimista e irreal, numa época de escravidão e hierarquia. Mas hoje nossas esperanças parecem razoáveis.

A esperança de um Brasil liberal.

Admirável mundo novo, Hélio Schwartsman, FSP

 A direita defende a ordem. Isso não é muito compatível com as cenas de destruição em Brasília. Grupos de bolsonaristas tentam resolver essa contradição, que na psicologia leva o nome de dissonância cognitiva, atribuindo a baderna a petistas infiltrados. Há um limite para o autoengano? Talvez haja, mas ele tende ao infinito.

Quem desbravou os mecanismos psicológicos da dissonância cognitiva foi Leon Festinger, e a história de como o fez é deliciosa. Eram os anos 1950. Festinger e seus colaboradores estavam interessados no efeito de profecias que dão errado. A sorte lhes sorriu. Eles viram num jornal de Chicago uma nota sobre uma seita, The Seekers, que afirmava que o fim estava próximo. Infiltraram-se no movimento para acompanhar tudo de camarote.

Entrada do gabinete do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), completamente destruída após os ataques golpistas de domingo (8), em Brasília - Ranier Bragon/Folhapress

A líder do grupo, Dorothy Martin, dizia receber mensagens do planeta Clarion. Ela assegurava que uma tempestade descomunal destruiria a Terra. Isso aconteceria antes do alvorecer do dia 21 de dezembro.

Mas os Seekers seriam poupados, pois seriam resgatados por discos voadores. Os membros mais entusiasmados da seita largaram seus empregos e se desfizeram de bens.

O mundo, como sabemos, não acabou. Embora a fria lógica popperiana exija que renunciemos às teorias cujas previsões sejam falseadas, Festinger suspeitava que não era isso o que ocorreria. Com base em relatos de seitas milenaristas do passado, achava que ao menos parte do grupo inventaria racionalizações para explicar desencontros fáticos e reforçaria sua crença na ideia-mestra. Foi o que se verificou. Para justificar o fracasso de uma ideia maluca, recorre-se a ideias mais malucas.

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Hoje, com as redes sociais, interessados em estudar o fenômeno nem precisam se infiltrar. Os próprios fiéis fornecem todas as evidências que pesquisadores possam desejar. E também produzem as provas de que as autoridades possam precisar para processá-los. É o admirável mundo novo.


terça-feira, 10 de janeiro de 2023

Cadeia neles, FSP

 Alvaro Costa e Silva

RIO DE JANEIRO

O que pretendia a horda de verde e amarelo que promoveu baderna inédita na história da República?

O retorno do Messias? Não, pois muitos "patriotas" já o consideram um covarde e um traidor, gozando a vida na Flórida e fazendo articulações para não ser preso na volta ao Brasil (se ele um dia voltar). Um golpe de Estado? Também não. Eles sabem que os empresários que os financiam, os líderes religiosos e os artistas que os incentivam, os influencers e os comentaristas de TV que os iludem e os políticos que os defendem não têm força para tanto.

Vândalos golpistas invadem a praça dos Três Poderes e depredam prédios públicos em Brasília - Gabriela Biló/Folhapress

Os desordeiros nem mesmo tinham a louca ambição do terrorista que planejou explodir uma bomba no aeroporto da capital para provocar a intervenção das Forças Armadas e a decretação do estado de sítio.

No fundo, o que os vândalos queriam, ao repetir a invasão do Capitólio americano ao estilo brasileiro de intimidação miliciana, era a desmoralização e a avacalhação do governo recém-empossado, do Congresso Nacional e da instituição que mais batalhou para evitar a ruptura democrática tramada por Bolsonaro, o Supremo Tribunal Federal.

Foi uma ação arquitetada e combinada com antecedência nas redes sociais, como fazem as torcidas organizadas de futebol, mas só teve sucesso porque contou com a conivência e a facilitação da Polícia Militar e do Exército e a falta de visão do ministro da Defesa, José Múcio, para quem os acampamentos golpistas estavam se desmobilizando.

Orgulhosos, os fanáticos fizeram questão de registrar o rasto de destruição, violência, roubos, xixi e cocô com imagens de celular —o que tornará fácil sua identificação. Todos agora vão se dizer vítimas. A intervenção no DF e o afastamento do governador bolsonarista Ibaneis Rocha são medidas iniciais.

Quanto mais tempo demorar a reação à barbárie e a punição dos envolvidos, mais desmoralizada ficará a democracia. Não dá para esperar uma atitude diferente: cadeia neles.