terça-feira, 8 de fevereiro de 2022

Dólar cai à menor cotação em quase cinco meses, FSP

 Clayton Castelani

SÃO PAULO

O dólar fechou esta segunda-feira (7) com expressiva queda de 1,35%, a R$ 5,2520. É a menor cotação da moeda americana frente ao real em quase cinco meses. A menor marca anterior havia sido R$ 5,2360, em 15 de setembro.

atuação do Banco Central ao remediar a alta da inflação por meio do aumento da taxa Selic é um dos fatores que sustenta a queda da moeda americana. Juros altos ampliam a atratividade da renda fixa brasileira para investidores estrangeiros, que trazem seus dólares. Somente neste ano, mais de US$ 30 bilhões (R$ 159 bilhões) entraram no país.

"O principal diferencial [para a queda do dólar] pode ser a taxa de juros. Estamos com a Selic a 10,75%, o que dá um juro real [descontada a inflação] elevado neste ano, se considerarmos uma previsão de IPCA [inflação oficial] prevista para 5,3%", diz Fernando Giavarina, chefe de câmbio da Valor Investimentos.

Cédulas de reais e dólares
Cédulas de reais e dólares - Ricardo Moraes - 10.set.2015/Reuters

Para o mercado de ações, porém, a valorização da renda fixa representa concorrência. A alta da Selic pode exercer pressão negativa sobre o desempenho da Bolsa de Valores brasileira.

Nesta segunda, o Ibovespa derrapou. O índice de referência do mercado acionário do país caiu 0,22%, a 111.996 pontos. Neste ano, porém, a Bolsa ainda acumula alta de 6,84%.

A pressão da alta dos combustíveis sobre a inflação está no radar do mercado não apenas porque a alta nos preços resultaria em juros ainda mais elevados, mas também devido ao seu potencial de estimular medidas políticas que possam afetar a arrecadação federal. A preocupação com o risco fiscal voltou a aparecer em destaque nos relatórios de analistas a investidores nesta segunda.

Temendo um pico de inflação no terceiro trimestre deste ano, no auge da campanha eleitoral, o presidente Jair Bolsonaro (PL) decidiu patrocinar uma PEC (proposta de emenda à Constituição) com o objetivo de reduzir tributos sobre combustíveis.

Em relatório a investidores, o Banco Original destacou que a equipe econômica ainda insiste na ideia de que a redução dos tributos seja feita por meio de projeto de lei, e não PEC. Isso, em tese, amenizaria o impacto sobre a arrecadação.

A Genial Investimentos alertou que, após um ciclo de altas da Bolsa em janeiro, o fim do recesso parlamentar volta a trazer os ruídos da política para o mercado.

​Também entra como destaque na análise da corretora propostas em tramitação no Congresso que permitem a retirada dos impostos sobre combustíveis, sem compensação de aumento de outros impostos, como exige a Lei de Responsabilidade Fiscal.

"Se todos os estados e o governo federal caminharem nesta direção, poderemos ter uma redução de receitas tributárias e um aumento do déficit primário entre R$ 57 bilhões e R$ 100 bilhões. Risco fiscal na veia", escreveram os analistas da Genial.

Risco fiscal é o nome que o mercado dá à possibilidade de que a União não seja capaz de cumprir o seu Orçamento. Ao ampliar gastos e abrir mão de receita, o governo eleva esse risco. Em períodos que antecedem eleições presidenciais, preocupações fiscais costumam provocar quedas na Bolsa e altas no dólar, pois investidores buscam segurança em ativos ligados à moeda americana.

Nesse contexto, a atual queda do dólar é inesperada. Mas além de uma taxa de juros alta, existe também a percepção entre investidores globais de que o real foi excessivamente desvalorizado no ano passado, quando a crise política e o drible do governo no teto de gastos tiveram impacto negativo na avaliação do mercado sobre o Brasil.

Com a disputa eleitoral voltando a pressionar o risco fiscal, analistas avaliam que o limite para a queda do dólar está próximo.

"Quando a gente pensa em risco, seria para cima, considerando a questão fiscal hoje. Então, é possível que a gente não veja uma tendência de queda de taxa de câmbio daqui para frente", diz Fernanda Consorte, economista-chefe do Banco Ourinvest.

Entre as principais fontes de pressão da inflação, o preço dos combustíveis acompanha a alta do petróleo no mercado internacional. Apesar do barril do tipo Brent, referência mundial, ter recuado 0,57%, a US$ 92,74 (R$ 490,71) nesta tarde, a comodity se mantém no patamar mais elevado desde 2014.

É o desbalanceamento entre a oferta apertada mantida pelos principais países exportadores e a elevada demanda o principal responsável pela alta do petróleo. A crise envolvendo a Rússia, que ameaça invadir a Ucrânia, piorou esse cenário. A Rússia é um dos principais produtores e um conflito poderia reduzir ainda mais a oferta.

Alvo frequente de críticas do mundo político devido à sua política de preços de combustíveis, que segue a variação do mercado internacional, as ações da Petrobras recuaram 1,47%. O desempenho da estatal representou a maior pressão negativa sobre o Ibovespa nesta segunda.

Ainda no setor de commodities, a mineradora Vale subiu 2,44%. A companhia vem se beneficiando da valorização do minério de ferro devido à expectativa de aumento da demanda na China.

Entre os destaques positivos do início da sessão da Bolsa brasileira, a BB Seguridade subiu 5,74%, a maior alta da sessão. A empresa apresentou um balanço com resultados acima da expectativa do mercado.

Nos Estados Unidos, investidores tentam avaliar se os dados de geração de emprego e do comportamento dos rendimentos na economia americana, que vieram bem acima do esperado na semana passada, vão aumentar a pressão sobre o Fed (Federal Reserve, o banco central do país) para acelerar o aumento de juros. A taxa, atualmente zerada, tem previsão de começar a subir em março.

A alta dos juros americanos poderá ter efeitos negativos para os mercados de ações dos Estados Unidos e de todo o mundo. Ela aumenta a recompensa para a aplicação de renda fixa mais segura do mundo, que são os títulos do Tesouro do governo americano. Isso diminui a disposição de investidores por ativos mais arriscados, como ações de empresas.

Enquanto aguardam um posicionamento mais claro do Fed a respeito de quanto será o aumento, investidores realizam lucros ao vender ações na Bolsa americana que ainda estão com preços elevados.

Nesta segunda, o índice Dow Jones fechou estável. O S&P 500, referência do mercado acionário dos Estados Unidos, recuou 0,37%. A queda foi mais uma vez puxada pelo setor de tecnologia. A Nasdaq caiu 0,58%.

Há pouca tolerância no mercado americano com desempenhos negativos de empresas de tecnologia, inclusive com as gigantes, como a Meta, que cedeu 5,14% nesta segunda.

As ações da dona do Facebook já caíram 30% após a empresa ter apresentado um resultado frustrante na semana passada. A companhia já perdeu cerca de US$ 286 bilhões (R$ 1,5 trilhão) em valor de mercado desde o fechamento da sessão da última quarta (2).

  • SALVAR ARTIGOS

    Recurso exclusivo para assinantes

    ASSINE ou FAÇA LOGIN


Alvaro Costa e Silva Linchamento geral, FSP

 Em 1958, o chefe da polícia no Rio de Janeiro, general Amaury Kruel, compôs uma equipe especial de combate ao crime com carta branca para agir, tendo à frente o detetive Milton Le Cocq, que havia integrado a guarda pessoal de Getúlio Vargas e cuja morte resultou na criação da Scuderie Le Cocq, nascida sob a marca da vingança e da caça ao assassino Cara de Cavalo —executado em 1964 com mais de cem disparos.

Cara de Cavalo foi um dos primeiros bandidos midiáticos. Também endeusada pela imprensa, a Scuderie Le Cocq —que se transformou em associação e teve mais de 7.000 seguidores espalhados pelo país— introduziu o extermínio de marginais como prática da polícia. Parte da população aplaudiu a nova ordem.

Em 1969, o general Luiz França, chefe da polícia na Guanabara durante a ditadura militar, criou o grupo de elite Doze Homens de Ouro, um para cada signo do zodíaco, que nos anos seguintes roubariam, extorquiriam e, lógico, matariam. O líder era Mariel Mariscot, tão exibicionista que fazia questão de buscar a namorada, a travesti Rogéria, à porta do teatro Rival. Antes de ser assassinado, puxou cadeia na ilha Grande.

Tanto a Scuderie Le Cocq como os Doze Homens de Ouro estão na origem dos escritórios do crime, dos esquadrões da morte e dos grupos paramilitares que hoje infestam o país —eis um privilégio que não é só do Rio. Em qualquer ranking de violência, o Brasil se destaca como campeão de homicídios no mundo.

Mais do que a vontade de fazer justiça com as próprias mãos, instalou-se o desejo de eliminar o outro. O tesão de matar virou estilo de vida. Como no famoso bloco de Carnaval, cada pessoa armada é uma scuderie, um esquadrão do eu sozinho. Ricos colecionam fuzis, dizem-se caçadores esportivos e fazem terapia em clubes de tiro. A classe média usa pistola. Pobres vão de faca, paus e pedras e são ao mesmo tempo algozes e vítimas do linchamento geral.

Cristina Serra - Querem apagar a história do Brasil, FSP

 Um país pode ser analisado pela maneira como lida com o seu passado. Se dependesse do governo atual, a memória da ditadura de 1964 já teria sido sumariamente apagada, em linha com o queixume do ex-comandante do Exército Eduardo Villas Bôas sobre a Comissão Nacional da Verdade (CNV): "Foi uma facada nas costas".

O que assusta agora, em mais uma tentativa de eliminação do registro histórico, é sua origem em uma decisão judicial. O juiz federal Hélio Sílvio Ourém Campos, de Pernambuco, determinou que sejam cobertas por uma tarja todas as menções ao nome de Olinto de Souza Ferraz no relatório da CNV, sob a guarda do Arquivo Nacional, instituição quase bicentenária, tesouro da nossa memória.

Coronel da PM, Ferraz dirigia a Casa de Detenção do Recife quando o militante de oposição à ditadura Amaro Luiz de Carvalho foi morto, no cárcere, sob custódia do Estado brasileiro, conforme investigação da CNV. A sentença determinando o apagamento atendeu a um pedido dos filhos do militar.

Amaro Luiz de Carvalho, morto em 1971 na Casa de Detenção do Recife, dirigida então pelo coronel da PM Olinto Ferraz. - CNV/Divulgavßv£o

A ordem judicial estabelece precedente de enorme gravidade. O relatório da CNV é um documento do Estado brasileiro, que trata da memória coletiva e, portanto, não pode ser mutilado de acordo com conveniências particulares. Nem pelo governo nem por decisão judicial, que, aliás, afronta leis vigentes. Importante lembrar que a CNV fez um trabalho de reconstituição histórica, sem o poder de punir qualquer criminoso que tenha agido em nome do Estado.

A Lei de Anistia, de 1979, aprovada ainda em regime de exceção, estendeu um manto de proteção que até hoje beneficia assassinos e torturadores bestiais, livrando-os do banco dos réus. É o contrário do que fizeram outros países, como Argentina e Chile. A esse respeito, o Museu da Memória e dos Direitos Humanos, em Santiago, é uma aula dolorosa, mas necessária, de como se olhar no espelho por mais tenebroso que seja o reflexo. Para isso, contudo, é preciso coragem.