Cerca de trinta expositores, representando principalmente grupos religiosos e centros de pesquisa universitária em direitos humanos, devem se pronunciar nesta segunda (6) no STF (Supremo Tribunal Federal) sobre o aborto.
É a segunda sessão das audiências públicas convocadas pela ministra Rosa Weber, relatora de um processo em que o PSOL questiona a constitucionalidade dos artigos 124 e 126 do Código Penal, que criminalizam a interrupção da gravidez.
Pelo que ocorreu na sexta-feira passada (3) —quando diversos especialistas em medicina e direitos reprodutivos se pronunciaram ao longo de 12 horas, com pequeno intervalo para almoço—, o debate irá muito além da mera questão jurídica suscitada pelo PSOL.
Há argumentos de diversos níveis, e de modo geral foram expostos com clareza e objetividade na primeira parte da audiência.
Parte importante das considerações a favor da descriminalização do aborto se baseia no conhecido tema de que, acima de convicções religiosas, cabe pensar no problema de saúde pública.
A representante do Ministério da Saúde contou, assim, o caso de uma mulher de 26 anos do Espírito Santo, que morreu por septicemia, depois de curetagem mal-feita. Escondia a gravidez, e o aborto, dos seus familiares. Como a prática é criminosa, só veio a procurar cuidados médicos quando era tarde demais.
São 250 mil hospitalizações por ano, com 5 mil casos de quase óbito (o "near miss") e 203 mortes anuais.
Os números são muito questionáveis, retrucou Rafael Medeiros Parente, do Instituto Liberal. O número real de mortes anuais é 20% disso; estimativas incorretas são frequentes na imprensa, disse ele.
Confunde-se o número de abortos provocados com o de espontâneos. É daí, provavelmente, que se tirou a estatística segundo a qual uma em cada cinco brasileiras já fez aborto, acrescentou.
Convidada a esclarecer sobre esse ponto, a pesquisadora Debora Diniz, do Instituto de Bioética, frisou que a pesquisa sobre esse último ponto foi cuidadosa: as respostas eram por escrito, e colocadas numa urna, de modo a não forçar confissões constrangedoras.
As entrevistadoras eram todas mulheres. E a pergunta, centrada na expressão "fazer aborto", evitaria, segundo ela, a confusão com casos de perda natural de bebê, quando se fala em "passar por aborto" ou "ter abortado".
Os números continuam, de todo modo, expostos a muitas contestações. Defensores da descriminalização citam casos como o da Romênia, em que o número de abortos diminuiu, em vez de aumentar, depois da legalização.
Isso por uma razão simples: mulheres que fizeram seu primeiro aborto se sentem estigmatizadas e com medo, deixando de procurar assistência médica daí em diante. Sem ajuda para outros métodos contraceptivos, abre-se caminho para um segundo, um terceiro, um quarto aborto clandestino...
O raciocínio é errado, rebate Rafael Parente. O que acontece é que, depois da descriminalização, há um aumento enorme de abortos se comparados aos anos imediatamente anteriores. Mais adiante, a taxa diminui, dado o acesso facilitado ao aconselhamento médico. Mas nunca, diz ele, esse número fica abaixo daquele registrado quando o aborto era proibido...
A confusão das estatísticas e das interpretações é uma parte pequena do debate. Uma representante antiaborto apelou para o impacto visual. Mostrou um lindo fetozinho de borracha. "Ele não está sendo ouvido", afirmou. "Para ele, não existe aborto seguro".
Mas "ele" é pessoa? Está protegido pela Constituição? O STF já disse que não, no caso dos fetos anencéfalos. O debate prossegue.
Marcelo Coelho