domingo, 14 de maio de 2017

A caixa-preta do Sistema S, Celso Ming OESP




Reforma trabalhista deixou intacta a dinheirama que os sindicatos empresariais usam como bem entendem



Celso Ming, O Estado de S.Paulo
14 Maio 2017 | 05h00
A reforma trabalhista deve acabar com a obrigatoriedade da contribuição sindical e com as sinecuras dos sindicatos oportunistas. Mas deixou intacta a dinheirama do Sistema S, que os sindicatos empresariais usam como bem entendem.
Trata-se do conjunto de serviços administrados pelos organismos oficiais dos empresários cujas iniciais começam com S: Sesi, Senai, Sesc, Senar, Senac, Sest, Senat, Sebrae, Sescoop. É um bolão de recursos 4,5 vezes maior do que o do imposto sindical. Em 2016, os sindicatos patronais e dos trabalhadores receberam R$ 3,6 bilhões, enquanto só o Sistema S ficou com R$ 16 bilhões – excluindo-se a contribuição colhida paralelamente pelo Sesi e o Senai.

Sistema S
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O Sistema S nasceu há 75 anos, como parte das instituições getulistas destinadas a incentivar a industrialização. Seus recursos provêm da cobrança de contribuições das empresas, de 0,2% a 2,5% das folhas de pagamentos, e têm por objetivo financiar iniciativas que garantam qualificação profissional, educação, cultura, serviços de saúde e lazer para os trabalhadores.
Hoje, seu funcionamento se caracteriza pela produção de alguns serviços de excelência que, no entanto, escondem o principal. Em 2015, ano do balanço mais recente, o Senai, matriculou 3,4 milhões de pessoas em cursos profissionalizantes e de tecnologia. O Sesc ofereceu milhares de espetáculos de teatro e de shows artísticos. Mas é um resultado obtido em ambiente marcado pela falta de transparência, como concluíram investigações do Tribunal de Contas da União, o TCU. O edifício da Fiesp na Avenida Paulista, um dos pontos mais valorizados de São Paulo, foi construído inteiramente com recursos do Sesi e do Senai.
Certas sugestões de que os sindicatos partilhassem a administração desses recursos foram sumariamente rejeitadas. Prevaleceu um acordo tácito: os sindicatos continuariam a usar como quisessem os recursos do imposto sindical e os empresários fariam o mesmo com os do Sistema S. Com o fim da obrigatoriedade do imposto sindical, esse acordo deve ficar capenga.
Uma busca rápida no site do TCU mostra que tramitam pelo menos 29 processos sobre falta de informações ou de prováveis desvios de recursos. Na semana passada, o Senado enviou mais dois requerimentos de investigação ao TCU e ao Ministério da Transparência. O senador Ataídes Oliveira (PSDB-RO), autor dos requerimentos, sustenta ponto de vista que levanta preocupação: “O Sistema S é um caso de desvio de recursos públicos maior do que o da Petrobrás”.
Ataídes observa que Sesi, Sesc, Senai e outros “S” mantêm dezenas de milhões de reais em aplicações financeiras e investimentos imobiliários, notoriamente desvios de função, enquanto a aplicação do princípio de gratuidade, uma das obrigações do sistema, mal alcança 15% dos cursos ofertados. Exemplo disso é o Sebrae, encarregado de oferecer serviços aos pequenos e médios empresários. As investigações do TCU mostram que, nos últimos quatro anos, só 4,9% da receita bruta da instituição foram destinados a cursos gratuitos.
FALTA DE TRANSPARÊNCIA
Um dos desafios é obrigar as entidades paraestatais a seguir o modelo de gestão da iniciativa privada, com normas de compliance e governança. O TCU verificou que 83% das entidades do setor não possuem auditoria interna e 78% não são dotadas de conselho fiscal. 
Para o economista e presidente do Insper, Marcos Lisboa, a forma de seguir critérios de transparência é garantir a fiscalização dos balanços por auditores independentes. “A população paga um imposto a entidades privadas, que usam os recursos sem prestar contas a ninguém.”
Além da reforma trabalhista, a reforma da Previdência pode provocar mudanças. Uma das propostas já em discussão prevê a destinação de 30% dos recursos do Sistema S para aposentadorias públicas e despesas com saúde e assistência social.
Se isso acontecer. o Congresso terá a oportunidade de abrir a caixa-preta do Sistema S que há anos segue intocada. / COM RAQUEL BRANDÃO E MARIANA DURÃES, ESPECIAL PARA O ‘ESTADO

Reforma trabalhista acaba com homologação na rescisão, tema de 30% dos processos na Justiça, OESP



Defensores da ideia argumentam que o tema não é motivo de discórdia e, por isso, pode ser facilitado; dados da Justiça do Trabalho, porém, indicam o contrário



Fernando Nakagawa, O Estado de S.Paulo
12 Maio 2017 | 18h43

TRABALHO i
Relator cita que apenas 1,8% dos contratos encerrados em 2015 teve reclamação trabalhista quanto ao pagamento de verbas rescisórias Foto: Marcos Santos/USP Imagens
BRASÍLIA - Com a promessa de reduzir a burocracia para trabalhadores e empresas, a reforma trabalhista propõe acabar com a homologação obrigatória das rescisões de contrato. Assim, não será mais necessário ir ao sindicato após a demissão, o que muitas vezes é o procedimento usado para verificar se os valores pagos ao empregado estão corretos. Defensores da ideia argumentam que o tema não é motivo de discórdia e, por isso, pode ser facilitado. Dados da Justiça do Trabalho, porém, indicam o contrário: dos cinco temas mais reclamados pelos trabalhadores, quatro são relacionados à rescisão.
"A obrigatoriedade da homologação fazia sentido quando era necessário conferir se os trabalhadores, a maioria de pouca qualificação décadas atrás, estavam realmente recebendo seus direitos", cita a argumentação do relator do projeto na Câmara, Rogério Marinho (PSDB-RN). "Contudo, hoje as rescisões são pagas por meio de depósito bancário ou cheque identificado. Por isso, não é mais necessária terceira pessoa para atestar se o pagamento foi realmente realizado".
Na argumentação entregue aos deputados, o relator cita ainda que apenas 1,8% dos contratos encerrados em 2015 teve reclamação trabalhista quanto ao pagamento de verbas rescisórias.

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Saiba o que pode mudar no seu emprego com a reforma trabalhista

Números do Tribunal Superior do Trabalho (TST), no entanto, mostram um quadro mais controverso. No fim de 2016, as varas da Justiça do Trabalho em todo o Brasil acumulavam processos com 16,9 milhões de questionamentos sobre a relação patrão e empregado. Desse estoque, 30,1% dos processos dizem respeito à rescisão dos contratos e, entre os cinco temas mais reclamados na primeira instância, quatro são relacionados a esse procedimento final da relação trabalhista.
Segundo o TST, a principal reclamação na Justiça Trabalhista é exatamente o questionamento sobre os valores pagos na rescisão - tema que tem 693,9 mil processos. Em seguida, está o aviso prévio (693,5 mil processos), verba rescisória sobre auxílio-doença (613 mil) e multa de 40% sobre o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (602,1 mil). Todos os quatro itens são procedimentos relacionados à rescisão de contrato.
"Na homologação, o empregado que desconhece a legislação tem assistência do sindicato para corrigir eventuais erros. Sem a homologação, o trabalhador estará sozinho e não conseguirá questionar o tema", diz o coordenador nacional de combate às fraudes nas relações de trabalho do Ministério Público do Trabalho, Paulo Joarês.
O presidente da Associação dos Advogados Trabalhistas de São Paulo, Livio Enescu, diz que a mudança é "perigosa" para o trabalhador porque "retira a capacidade fiscalizatória" sobre o encerramento dos contratos. "Os pagamentos poderão ser feitos incorretamente ou pode haver fraude no FGTS, aviso prévio e compensação pelo banco de horas", exemplifica.

sábado, 13 de maio de 2017

Bolsa Empresário custa quase o mesmo que o Bolsa Família - ALEXANDRE SCHWARTSMAN


FOLHA DE SP - 10/05

Quando estive no BC, rapidamente me acostumei com as reações depois de cada decisão do Copom: se subíamos os juros, não deveríamos; se mantínhamos, deveríamos ter cortado; se cortávamos, não era o suficiente.

Apesar disso, sempre acreditei que, por mais iradas que fossem as declarações sobre a Selic, o que realmente tiraria aquele pessoal do sério seriam mudanças no crédito subsidiado do BNDES.

Não me enganei. Há, segundo relatos da imprensa, pressões para que a atual administração do BNDES, capitaneada por Maria Silvia Bastos Marques, seja substituída.

Reclamam que o crédito estaria "travado", dificultando a recuperação do investimento, enquanto concessionárias pedem mais recursos subsidiados.

Isso ocorre, não por acaso, depois que foi divulgada a nova taxa de juros que balizará os empréstimos do banco (sem afetar, contudo, as operações já existentes) e que deve gradualmente eliminar os atuais subsídios.

Resta claro que o problema para os insatisfeitos é o fim da considerável transferência de renda para aqueles que conseguiram se financiar no BNDES.

Numa primeira aproximação, considerando o volume de empréstimos do banco (R$ 586 bilhões), bem como a diferença entre a taxa a que o banco empresta (a TJLP, 7% ao ano) e o custo desses empréstimos para o Tesouro Nacional (a Selic, 11,25% ao ano), o subsídio consome cerca de R$ 25 bilhões/ano.

Em outras palavras, o Bolsa Empresário custa aproximadamente o mesmo que o Bolsa Família e, como este, também implica considerável redistribuição de renda, apenas no sentido oposto: de todos os contribuintes para os "sortudos" que hoje têm acesso ao BNDES. Não é difícil entender sua revolta; complicado mesmo é simpatizar com ela.

Haveria alguma justificativa para o subsídio caso os beneficiários —eleitos sabe-se lá por que critério— produzissem efeitos sobre o resto da economia que não fossem capturados pelos investidores, isto é, se o retorno social do investimento fosse superior ao retorno privado.

Falando sério, porém, quem realmente acredita que haja perto de R$ 600 bilhões em oportunidades como essa? Aliás, quem acredita que o critério tenha sido realmente esse, ou ainda que se aplique a setores "de ponta", como frigoríficos e assemelhados?

Não bastasse isso, não há evidências sólidas acerca de efeitos positivos desses empréstimos sobre o investimento. Ao contrário, conforme relatado por meu colega de Insper Sérgio Lazzarini : "Ao estudar o efeito dos empréstimos e investimentos em equidade do BNDES, descobrimos que eles não têm efeito consistente sobre performance e investimento, exceto pela redução de gastos financeiros".

Já outro colega de Insper, Marco Bonomo, não apenas reforça as conclusões de Lazzarini como mostra também que empresas que têm acesso ao BNDES são menos afetadas pelas alterações das taxas de juros, sugerindo que o crédito subsidiado, como se suspeitava, reduz a eficácia da política monetária, isto é, requer uma Selic mais alta para compensar o efeito da TJLP mais baixa.

É precisamente por afrontar o status quo que a atual diretoria sofre as pressões nada surdas dos que temem perder os privilégios e, como na reforma da Previdência, querem justificar a boquinha. Não estão preocupados com nenhuma recuperação que não seja a de suas regalias.