segunda-feira, 2 de maio de 2016

A corrupção sem graça, Por José Roberto de Toledo

Ministro da Fazenda, Joaquim Levy disse, em inglês, que “no Brasil, a maioria das empresas não gosta de pagar impostos”. E completou: “Nem quer pagar contribuição previdenciária”. Doleiro e cagueta, Alberto Youssef tem opinião sobre o tema: “Neste país, empresário não consegue nada se não tiver lobby”. Delata sua própria experiência. No caso de Levy, espera-se que não.
Nenhum dos dois se referia à Operação Zelotes, mas poderiam. “Quem paga imposto são os coitadinho (sic), quem não pode fazer acordo, negociata. Esses grandões aí estão passando tudo livre (sic), tudo isento de imposto”. A frase foi gravada pela Polícia Federal ao grampear – entre outros – um conselheiro do “tribunal” da Receita Federal notabilizado por mover zeros da direita para a esquerda em valores de dívidas tributárias.
Polícia Federal e Ministério Público estimam que a transmutação de zeros resulte em R$ 19 bilhões devidos por empresas ao Fisco mas jamais pagos – graças à ação milagrosa de consultores e conselheiros do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) em favor “desses grandões aí”. Além de dar razão a Levy, o papo dos milagreiros na Zelotes é de deixar mensaleiro e ministro do Supremo com complexo de inferioridade.
Por comparação, o valor dos pagamentos a deputados no mensalão os enquadraria, pela definição do conselheiro grampeado, como “coitadinhos”. Juízes daquele caso achavam que estavam julgando o maior escândalo da história, mas o superlativo ocorria em outro tribunal, sem transmissão pela TV Justiça.
Conselheiro conta ao consultor, pelo telefone, sobre a dívida contestada por um banco junto à Receita. Diz que após o julgamento favorável à empresa, um conselheiro é convidado a dar palestra em São Paulo, mas, apesar de ter ido de avião, prefere voltar de ônibus. Ao que o consultor comenta: “No aeroporto, como é que tu vai (sic) justificar uma mala cheia de dinheiro?”
Os alvos centrais da investigação são, na maioria, funcionários ou ex-funcionários de carreira, tanto da Receita quanto da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional. Eles são os milagreiros suspeitos de transmutar zeros nas autuações de empresas. Prestam um serviço e são recompensados por ele pelos “grandões” que, graças à sua astúcia, economizam dezenas ou centenas de milhões.
É, tudo indica até agora, a velha corrupção, pura e simples. Sem complicadas operações financeiras, sem sofisticações, sem graça. Têm-se uma dívida cancelada ou abatida e paga-se uma fração do valor devido a quem operou o milagre. Não envolve caixa dois de partido, financiamento de campanha eleitoral nem nenhum outro ingrediente que seja capaz de apimentar o noticiário político.
São apenas grandes empresas que, na definição do ministro, não gostam de pagar impostos. Recorrem a advogados e consultores especializados em encontrar conselheiros e funcionários públicos dispostos a prestar seus serviços em troca de uma recompensa que, por vezes, não pode ser transportada por via aérea.
É o tipo de corrupção que não se preocupa com qual partido está no poder. Funciona cotidianamente. É parte do negócio. De tão ordinária, velha e esperada, não leva multidões às ruas. Não ganha hashtag no Twitter, nem página de protesto no Facebook. Muitas vezes, não vira nem notícia. Por isso, não seduz magistrados ocupados em projetar uma imagem de super-herói.
Não é o tipo de corrupção que pode ser resolvida pela reforma política – especialmente uma reforma proposta pelo PMDB. Muito menos pela redução da maioridade penal. É coisa de gente grande.
É o tipo de corrupção que arromba as contas públicas. Que subtrai do estado capacidade de investir em escolas e hospitais, de pagar melhor médicos e professores. E em uma crise fiscal como a de hoje, é o tipo de corrupção que provoca o aumento de impostos. Mas isso o corruptor sabe como resolver.

Audiências de custódia, opinião Estadão


Implantada há um ano em caráter experimental no Fórum Criminal da Barra Funda, com apoio do Conselho Nacional de Justiça, da Defensoria Pública de São Paulo e do Departamento Penitenciário Nacional, a medida que obriga os distritos policiais da capital a apresentar os presos em flagrante a um juiz do Departamento de Inquéritos Policiais, para a realização de uma audiência de custódia no prazo máximo de 24 horas, deu tão certo que já foi copiada e aperfeiçoada pelos Tribunais de Justiça de vários outros Estados.
O objetivo dessas audiências é analisar a legalidade das prisões em flagrante. Na audiência, o juiz decide se é necessário converter a prisão em flagrante em prisão preventiva, se a prisão pode ser relaxada ou se o preso pode ser libertado provisoriamente, com ou sem a imposição de medidas cautelares, depois de entrevistá-lo, de analisar a folha de antecedentes e de ouvir as alegações de seu advogado ou de um defensor público e as manifestações da promotoria. O juiz também verifica se houve abusos durante a prisão em flagrante e se o autuado foi submetido a maus-tratos e a tortura nas horas em que ficou encarcerado. O juiz pode, igualmente, requisitar exame clínico e de corpo de delito e, quando for o caso, determinar encaminhamento assistencial. Assim, só fica preso quem representa perigo para a sociedade.
Recomendada por organizações multilaterais e prevista por convenções e tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário, em matéria de respeito aos direitos humanos, a experiência do Fórum Criminal da Barra Funda foi posta em prática para evitar que pessoas presas em flagrante passem meses detidas em carceragens policiais, cadeiões e centros de detenção provisória, sem serem levadas à presença de um magistrado. Em vários países europeus, as audiências de custódia são chamadas de “juizados de garantias”. Segundo levantamento do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), dos 17.362 casos analisados por juízes criminais do Fórum da Barra Funda, entre março de 2015 e fevereiro deste ano, 9.424 acusados – o equivalente a 54,3% do total – tiveram a prisão preventiva decretada. Os outros 7.938 acusados (45,7% do total) puderam esperar o julgamento em liberdade.
Até o ano passado, no dia a dia dos fóruns criminais de todo o País a maioria dos juízes só tinha contato com os presos por meio dos autos do processo. Depois da iniciativa do TJSP, os Tribunais de Justiça de Roraima, Maranhão, Pernambuco, Mato Grosso e Espírito Santo também passaram a promover audiências de custódia tanto em suas respectivas capitais como em cidades do interior – e, inclusive, nos fins de semana e feriados. Foi um grande avanço para coibir eventuais casos de abuso e agressão policial e para evitar a superlotação desnecessária do sistema prisional.
Apesar de o TJSP ter sido pioneiro na implementação desse programa, em São Paulo, as audiências de custódia são realizadas somente no Fórum da Barra Funda – e, ainda assim, apenas em dias úteis. O tribunal até hoje não estabeleceu um prazo para que as audiências de custódia passem a ser realizadas também em fins de semana e feriados. A alegação é de que não há recursos orçamentários disponíveis para o pagamento das horas extras dos servidores, médicos legistas e assistentes sociais. Também por falta de verba, somente agora o tribunal estenderá o programa para as comarcas da Grande São Paulo. A estimativa é de que essa medida alcance cerca de 35% das prisões em flagrante em todo o Estado. Para as cidades do interior, a previsão do TJSP é de que as audiências de custódia passem a ser realizadas a partir de 2018 – ou seja, 18 meses após o projeto chegar à região metropolitana.
A implantação do projeto de audiências de custódia na maior Corte do País pode custar caro. Mas, mesmo com atrasos no cronograma, é um passo decisivo para desburocratizar e agilizar a Justiça e humanizar o sistema prisional.

domingo, 1 de maio de 2016

República, Consolação e Bela Vista são bairros onde mais pessoas moram sozinhas em SP




"A Capital da Solidão" foi o nome escolhido pelo jornalista Roberto Pompeu de Toledo para seu livro sobre a história de São Paulo, desde a fundação até o ano de 1900. Mas poderia ser o título de uma obra sobre o centro da capital paulista atualmente.
Essa é a região da cidade com a maior concentração de domicílios unipessoais –como o IBGE chama residências ocupadas por só uma pessoa.
No distrito da República, que tem o maior índice de São Paulo, 38,8% dos domicílios são assim. Em seguida, vêm Consolação e Bela Vista, com 36,5% e 34,5% das casas com apenas uma pessoa, respectivamente. A título de comparação, as residências com um habitante só são 14,1% do total em toda a cidade.
A catarinense Camila Olivo, 37, mora sozinha na capital há três anos e meio, num apartamento na Consolação.
"Vim estudar para fazer carreira diplomática", diz ela, que trabalha com publicidade. "Cheguei a procurar apartamento em Pinheiros e nos Jardins, mas o custo-benefício era melhor na Consolação. Fiz a busca pelas ruas onde eu gostaria de morar e acabei encontrando", afirma.
A possibilidade de fazer tudo a pé foi, aliás, foi um dos pontos que pesaram na decisão da publicitária pelo centro. "Posso ir a restaurantes e cinemas sem precisar de carro ou transporte público."
tendência.
Em todo o país, cada vez mais pessoas têm optado por morar sozinhas, afirma José Eustáquio Diniz Alves, demógrafo do IBGE.
"Antes, no Brasil, havia duas situações que levavam as pessoas a morar sozinhas: viuvez ou transferência de trabalho, sem a família", diz.
Hoje, há outras motivações, como jovens que deixam para se casar mais tarde e o aumento nas taxas de divórcio. "Isso é mais expressivo nos grandes centros urbanos", acrescenta Alves.
Para o demógrafo, quem é sozinho prefere as zonas centrais pela facilidade de transporte público e pelo preço mais baixo –já que as famílias que moravam na região se mudaram para bairros residenciais mais afastados a partir dos anos 1970 e 1980.
Alves também ressalta o grande número de mulheres que não dependem financeiramente de um cônjuge e, eventualmente, buscam trabalho em outras cidades, como é o caso de Camila Olivo.
A publicitária ainda vê outra vantagem na região: o tamanho das unidades, geralmente maiores por serem mais antigas. Seu apartamento tem apenas um dormitório, "mas só no quarto cabe uma cama de casal, um armário grande e uma escrivaninha."
De olho em um público de solteiros que não querem dividir a moradia, as incorporadoras passaram a lançar imóveis cada vez menores em bairros do centro da capital.
"Em geral, o público desse tipo de empreendimento é jovem, bem-sucedido e quer estar próximo do metrô e dos terminais de ônibus para ter acesso fácil a outros pontos", diz Alexandre Lafer, CEO da incorporadora Vitacon.
Segundo Lafer, a metragem menor, além de custar menos, dá menos trabalho de manutenção para esse morador. "Temos empreendimentos no centro a partir de 14 m² e R$ 89 mil", afirma. É o caso do Vita Bom Retiro, localizado na rua Anhaia.
Outro exemplo desse tipo de moradia é o edifício Brasil, construído pela WZarzur.
Localizado na Bela Vista, o empreendimento tem apartamentos de um e dois dormitórios, com plantas entre 35 m² e 80 m².
Para Rogério Atala, engenheiro da incorporadora, a própria prefeitura contribuiu para o surgimento de novos empreendimentos na região, por meio dos incentivos da Operação Urbana Centro, de 1997, ainda em vigor. "Com isso, o mercado imobiliário lançou novos produtos, e os consumidores foram atrás."
Embora os domicílios unipessoais sejam o maior sucesso das incorporadoras, Lafer acredita que a tendência é que a região atraia um público cada vez mais diverso no curto prazo: "O centro já não pertence só aos solteiros".
*PRÉDIOS OFERECEM DE CMAREIRA A "DOGWALKER"
Para mimar os moradores sozinhos –e compensar a falta de espaço das unidades, os novos empreendimentos disponibilizam serviços como concierge, salas para "coworking", camareira, "dog walker" e até carros para serem compartilhados entre os moradores.
Os serviços são oferecidos no sistema "pay-per-use", em que o morador paga separadamente pelo que foi contratado.
Raquel Cunha/Folhapress
SAO PAULO - SP - 26.04.2016 - Especial Morar bairros centrais que tem em sua maioria moradias destinadas a solteiros ou casais com apartamentos pequenos de um dormitorio ou estudio. Edificio Hype Living Augusta. (Foto: Raquel Cunha/Folhapress, SUP-ESPECIAIS) ***EXCLUSIVO***
Lavanderia no edifício Hype Living Augusta
"São alternativas pensadas para quem viaja ou trabalha muito", diz Alexandre Lafer, CEO da Vitacon. Para ele, as facilidades ajudam a baratear os custos do morador, que não precisa ter lavanderia em casa, por exemplo.
Rogério Atala, engenheiro da incorporadora WZarzur, destaca que os serviços oferecidos, como sala de massagem e academia, estimulam a convivência entre os moradores.
Lafer lembra também que as comodidades podem atrair outros públicos além dos jovens solteiros. "As pessoas mais velhas também são beneficiadas", afirma.