O fim do etanol hidratado. O fantasma voltou a assombrar o setor sucroalcooleiro justamente na semana em que se comemoraram os 40 anos do Proálcool (Programa Nacional do Álcool). O tema entrou na pauta do 8° Congresso Nacional de Bioenergia, promovido pela Udop (União dos Produtores de Bioenergia), que reuniu lideranças do agronegócio em Araçatuba (SP) para debater temas relevantes ao setor em meados de novembro.
Alguns empresários defendem que, como o governo não planeja uma política pública de regulamentação do setor sucroenergético em longo prazo, uma das soluções seria pressioná-lo com a criação de um biocombustível único, o que implicaria no fim da fabricação do etanol hidratado que abastece diretamente os carros nos postos e ficar somente com o anidro, aquele que se mistura à gasolina. A maioria das vozes do segmento, no entanto, é contra. "É uma discussão que já aconteceu várias vezes desde a criação do Proálcool. São pontos de vista diferentes", diz Plínio Nastari, presidente da consultoria Datagro, de São Paulo. "Para alguns, o etanol é um patinho feio. É uma discussão que não é nova e não é simples."
Maurílio Biagi Filho, do Grupo Maubisa, de Ribeirão Preto (SP), filho de um dos fundadores do Proálcool, explica que a proposta, na verdade, não implicará no fim do biocombustível, mas em um produto novo. "Precisamos de uma virada, uma mudança definitiva. Não falo apenas no fim do álcool carburante, mas na fabricação de um produto puro, sem adição de água, com rendimento superior ao da gasolina", diz. Quando defendo essa tese, estou falando de um programa que corrija os erros que cometemos no passado." Biagi acredita que, com o biocombustível único, o governo poderia inserir definitivamente o etanol na matriz energética nacional. "A adaptação dos motores à gasolina para o uso do etanol é uma tapeação."
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O posicionamento de Biagi, de acordo com fontes do setor, seria apoiado pelo maior grupo sucroenergético do mundo, a Raízen, de Piracicaba (SP), mas, segundo sua assessoria de imprensa, a empresa não quis se pronunciar. "Essa companhia está em cima do muro porque, de um lado, não quer conflito com a indústria automobilística e, do outro, com os usineiros", afirmou uma fonte. O grupo Raízen é formado pela associação da Cosan (50%) com a Shell (50%).
Caro igual gasolina
Luis Roberto Pogetti, presidente do conselho de administração da Copersucar, o maior conglomerado global de açúcar e etanol, explica que o fim do etanol hidratado é uma demanda das montadoras. "Esse setor quer uma padronização mundial de motores. Os carros flex só existem no Brasil", diz. "Não podemos esquecer que é exatamente por esse motivo que o país é invejado, por ter um etanol eficiente, que cria independência de energia para os veículos. Se não tivéssemos o etanol, quais números tão positivos apresentaríamos na COP 21?"
Contrário à opinião de Biagi, Pogetti diz que o etanol anidro não traria melhorias significativas de per-fomance aos motores, pois os ganhos logísticos da distribuição são de baixa relevância (os postos continuariam tendo duas bombas diferentes), mas o consumidor, por sua vez, teria de pagar mais por ele. "Esse etanol único teria de ser 13% mais caro que o álcool hidratado de hoje para ser equivalente à gasolina", afirma. "Quem vai pagar é o consumidor."
O usineiro Celso Junqueira Franco, presidente da Udop, também defende a manutenção do hidratado e diz que a opção por um combustível único poderia gerar um problema sério no campo. "O etanol anidro, em tese, exige de 8% a 10% menos quantidade de cana-de-açúcar para ser produzido. Se olharmos a demanda para 2030, então sobrariam 40 milhões de toneladas de cana nas lavouras, sem destino. Precisamos primeiro resolver o mecanismo de precificação do etanol", diz.
O economista e ex-presidente da União das Indústrias de Cana-de-Açúcar (UNICA), Eduardo Pereira de Carvalho, considera a discussão um retrocesso. "Preciso ser convencido do contrário. Acho que o ganho que tivemos com o carro flex foi um ganho do consumidor. Ele é quem dá força para o setor, é a escolha dele que prevalece, e essa conquista não pode ser esquecida", diz. "Também é um benefício para o produtor rural, que tem um enorme mercado para conquistar e não pode depender do poder de uma caneta que vai determinar qual é a porcentagem da mistura à gasolina, no caso do anidro."
Para Carvalho, o fato de o setor ter sido penalizado com o congelamento do preço da gasolina pelo governo, para evitar pressão sobre a inflação, não foi exclusividade dos brasileiros. "A presidente Dilma não foi a única a adotar essa estratégia, pois ela ocorreu na história inúmeras vezes. Isso faz parte do risco do setor de combustíveis."