domingo, 8 de setembro de 2013

Pais PMs ensinaram Marcelo Pesseghini a burlar leis, diz laudo psicológico

08/09/2013 - 09h56


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JOSMAR JOZINO
DO "AGORA"
FELIPE SOUZA
DE SÃO PAULO
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O estudante Marcelo Eduardo Bovo Pesseghini, 13, foi influenciado por uma série de fatores que os levou a matar os pais, a avó e a tia-avó e cometer suicídio. As informações são do laudo psicológico sobre o crime, que faz parte do inquérito do caso, ao qual a Folha teve acesso.
O laudo psicológico do IC (Instituto de Criminalística) cita a culpa dos próprios pais por burlar leis e incentivar Marcelo a cometer atos ilegais. O sargento da Rota (tropa de elite da PM) Luís Marcelo Pesseghini, 40, teria ensinado o menino a manusear armas. A mãe, a cabo do 18º batalhão de Polícia Militar Andreia Regina Bovo Pesseghini, 36, teria ensinado o garoto a dirigir.
De acordo com a análise, esse conjunto de fatores prova a ausência de regras, "que primeiramente deve ser imposta pelo pai, que segundo a psicanálise é a lei".
Médicos chegaram a estimar que o garoto vivesse até os 4 anos devido a uma fibrose cística --doença degenerativa que ataca principalmente os pulmões e sistema digestivo. Posteriormente, afirmaram que, possivelmente, não chegasse aos 18.
Devido à doença, o menino era proibido pelos pais de brincar na rua e de sair com os amigos, o que o irritava.
O laudo aponta que vários fatores levaram o menino a ter um surto psicótico e cometer a sequência de assassinatos. Marcelo era um menino "de poucos amigos, que passava horas jogando videogame, especialmente o violento 'Assassins Creed'", no qual o personagem principal é um assassino de aluguel. No jogo, entretanto, se o jogador matar pessoas inocentes poderá ser punido, segundo o laudo.

Anotações de Marcelo Pesseghini

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Reprodução
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Laudo mostra conversas de Marcelo com prima pelo computador
O texto diz que a atenção excessiva do menino ao jogo reflete uma tentativa de fuga da realidade. Isso o fez criar um grupo com amigos da escola chamado "Mercenários", cujo objetivo era matar desafetos, inclusive membros da família.
De acordo com a conclusão psicológica, os pensamentos de se tornar um matador de aluguel passaram a se tornar persistentes, confundindo a realidade com a fantasia.
MATAR A DIRETORA
Segundo o laudo, esse conjunto de fatores foram decisivos para que o menino tivesse motivos para matar a família e cometer suicídio. Entretanto, o garoto ainda poderia ter assassinado outras pessoas.
Segundo a análise, a intenção dele era se ver livre de todos que o oprimiam. Um vídeo que mostra o menino chegando à escola após matar os pais demonstraria que ele teria encarnado o personagem matador, o que "ficou certificado através de passadas largas."
O laudo explica que isso prova que ele ainda tinha a intenção de matar alguém que, segundo as investigações da Polícia Civil, seria a diretora do colégio Stella Rodrigues, na zona norte da capital paulista. Amigos do garoto relataram à polícia que ele já havia relatado por diversas vezes a intenção de matar a família.
"ROTA É FODA"
Um dos laudos mostra um relatório de conversas entre Marcelo Pesseghini e uma prima dele no dia 13 de maio deste ano. As informações foram apreendidas no tablet do menino.
O garoto interrompeu o discurso duas vezes com a frase "rota é foda". Na primeira delas, há uma grande repetição das consoantes para dar uma entonação de grito à frase.
A garota respondeu à primeira mensagem com a mensagem "oi filho vc está bem?". Minutos depois, a menina disse diversas vezes que o amava, sem obter resposta.
O garoto volta a dizer "rota é foda", e a menina diz que ele era "fofinho da priminha", que é respondida: "não é nada fofo".
O comandante-geral da PM, Benedito Roberto Meira, disse que Marcelo costumava ir ao batalhão da Rota com o pai, mas não tinha históricos de violência na escola.
Familiares de Marcelo tiveram acesso ao conteúdo dos nove laudos da perícia sobre o caso. A apresentação dos documentos sobre o crime foi feita por policiais do DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa), que investigam o caso. Entretanto, a família ainda não acredita que o menino tenha cometido o crime.

Família de PMs é assassinada em SP

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Jorge Araujo - 6.ago.13/Folhapress
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Polícia Civil faz perícia no local onde ocorreu a chacina na Brasilândia, zona norte de São Paulo
O CASO
De acordo com a principal linha de investigações, Marcelo matou a família, dirigiu com o carro dos pais até a escola, frequentou as aulas de manhã e retornou para casa de carona. Na sequência, ele se matou.
A Polícia Militar disse que investiga também a acusação de que Andreia teria sido convidada a participar de roubos a caixas eletrônicos. A informação foi dada pelo deputado estadual Olímpio Gomes (PDT), major da reserva da PM. Ele denunciou o caso à Corregedoria da corporação.
Luis Marcelo Pesseghini, 40, pai do menino, era sargento da Rota. A mulher dele, Andreia, 36, era cabo do 18º Batalhão. As outras vítimas moravam na casa nos fundos: a mãe e uma tia de Andreia, de 65 e 55 anos.
A casa onde a família foi morta não teve a cena de crime totalmente preservada. A informação consta de nota divulgada na terça-feira (13) pela Secretaria da Segurança Pública de São Paulo.
"O departamento [Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa, DHPP] apenas confirmou afirmação da imprensa de que o local 'não estava totalmente idôneo'. Isso, evidentemente, não quer dizer que houve violação proposital da cena do crime", diz o texto.
Sebastião de Oliveira Costa, 54, parente das vítimas, disse que chegou à casa às 17h45 do dia 5 e que havia ao menos 30 PMs dentro dela, antes da chegada da perícia.
Peritos constataram nessa semana que os disparos poderiam ser ouvidos a 50 metros da casa da família. Nenhum vizinho, no entanto, disse ter ouvido os disparos.

Bolsa Família faz dez anos

exame de paternidade aponta petistas, tucanos e neoliberais do Banco Mundial



“Deve-se confiar nos pobres, eles fazem boas escolhas”, disse a uma plateia de petistas de primeiro escalão o americano David de Ferranti, na época vice-presidente do Banco Mundial para a América Latina.
A época era o ano de 2003, mais precisamente no dia 31 de março, quando o governo Luiz Inácio Lula da Silva completava seus primeiros três meses e debatia em seminário o seu mais importante programa social.
Um tal Fome Zero.
Sem muita sutileza, Ferranti atacava a proposta que havia encabeçado a campanha de Lula ao Planalto, cuja grande inovação seria a distribuição de cartões a serem utilizados obrigatoriamente na compra de comida.
A receita alternativa do economista era o que havia de mais consensual na agenda neoliberal de Washington: unificação de ações de combate à pobreza em um programa de renda focado apenas nos segmentos mais miseráveis da poupação, no qual os beneficiários têm liberdade para usar o dinheiro desde que se comprometam com contrapartidas como a frequência escolar dos filhos.
Poucos meses depois surgia o Bolsa Família, cujo primeiro decênio de vida começa a ser comemorado pelos petistas.
É óbvio que Ferranti não havia feito uma mera contribuição pessoal ao debate. Sua tese contava com aliados no Ministério da Fazenda de Antonio Palocci e seu secretário de Política Econômica, Marcos Lisboa.
Lisboa vinha do Iets (Instituto de Estudos de Trabalho e Sociedade), entidade que tinha o Banco Mundial entre seus financiadores, e na campanha eleitoral havia coordenado um documento conhecido como a “Agenda Perdida”. O texto pregava reformas liberais na economia e ações sociais focalizadas _até então, a política social brasileira era composta basicamente por programas universais, ou seja, disponíveis para todos.
As ideias provocavam reações veementes no PT. Em um seminário no mês de abril, Guido Mantega, então ministro do Planejamento, chamou a “Agenda Perdida” de “agenda fajuta”.  Dias antes, em entrevista publicada pela Folha, a economista de maior renome no partido, Maria da Conceição Tavares, havia chamado Lisboa de “semi-analfabeto” e o Iets de “grupo de débeis mentais do Rio de Janeiro”.
Um documento publicado em 2007 pelo Banco Mundial tratou da paternidade do Bolsa Família. Relata-se um encontro sobre o assunto, naquele mesmo março de 2003, entre Lula, o presidente do organismo, James Wolfensohn, e Santiago Levy, formulador de um programa de combate à pobreza no México. Dali em diante, o banco prestou assistência técnica na elaboração do programa brasileiro.
Como o texto aponta, porém, as origens da ideia são mais antigas no debate e na prática administrativa do país. O senador Eduardo Suplicy (PT-SP), por exemplo, já defendia obsessivamente havia mais de uma década um programa de renda mínima.
Em 1995, quase simultaneamente, o governo do Distrito Federal, comandado pelo PT, e a Prefeitura de Campinas, do PSDB, lançavam iniciativas pioneiras, que seriam posteriormente copiadas ou adaptadas em uma série de municípios.
Em 2001, FHC criou o Bolsa Escola federal, repetindo o nome adotado no DF, e o Bolsa Alimentação. Até o final de seu mandato, outras ações de menor montante, como o Auxílio-Gás, seriam inauguradas.
Tucanos costumam reivindicar uma parcela majoritária do DNA do Bolsa Família, que, segundo sua argumentação, seria mera unificação de verbas já existentes. Mas foi a administração petista que deu ao programa uma escala antes inimaginável: em 2002, o Bolsa Escola e o Bolsa Alimentação gastavam juntos R$ 1,7 bilhão, ou R$ 3,2 bilhões em valores atualizados, enquanto o Bolsa Família desembolsará R$ 21,4 bilhões neste ano.

sexta-feira, 6 de setembro de 2013

O que esperar quando se espera, por Vinicius Torres Freire

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A economia brasileira parece por enquanto um barco pequeno com o leme quebrado, com perdão pela metáfora clichê. Está meio à deriva, a depender do vento que vai soprar. Nem há muito que fazer, nem disposição para fazê-lo por parte do governo. Até 2015.
A política econômica americana e a política eleitoral brasileira são os ventos. O leme emperrou devido aos excessos dos últimos anos no Brasil (consumo, crédito), pela falta de manutenção (mudanças institucionais, "reformas") e porque, enfim, ficou carcomido: os instrumentos de política econômica (gastos, juros) estão meio prejudicados.
Na ausência de catástrofes ou de uma inesperada disposição do governo de arriscar sua sorte na eleição (consertando o barco), é difícil enxergar novidade importante até 2014. Ficamos a discutir quantos anjos cabem na cabeça de um alfinete (décimos de taxas de juros, ou disso ou daquilo), o que provoca o torpor único do enfado.
Dos movimentos dos juros nos EUA depende o grosso do movimento do preço do dólar e parte relevante das nossas taxas de juros. Mais ou menos rápida, mais ou menos tumultuada, a depreciação do real e os juros em alta vão nos tomar alguns décimos de crescimento já miúdo, e nada podemos fazer a respeito.
Verdade que bancões americanos e europeus começam a dizer que "o pior já passou". Isto é, que as taxas de juros de longo prazo nos EUA vão continuar a subir, mas sem os saltos e coices de junho e agosto.
Há controvérsia grande a respeito do assunto, porém. Além do mais, o Brasil ainda é colocado no grupo dos países mais sujeitos a coice. A mudança da política monetária americana chamou a atenção para alguns de nossos problemas que estavam meio esquecidos, como o deficit externo.
Quanto à política econômica brasileira, o governo aparentemente desistiu, lá por maio, do caminho que tomara desde o final de 2011, mas não tomou rumo novo na vida.
Em parte, a quase paralisia se deve à prudência, pois o mundo está turbulento. Em parte, se deve à campanha eleitoral próxima. Em parte, se deve à falta de instrumentos para agir: estão quase esgotadas as mágicas de crédito, gasto e desoneração tributária. Não é possível reprimir a alta de juros.
Tão cedo não haverá reviravolta no crescimento dos países grandes a ponto de fazer diferença para nós até 2014, por aí. A China não levou o tombo previsto em algumas casas de apostas, mas vai crescer mesmo menos e de um modo que não demanda muito mais da nossa produção, dizem os entendidos. A melhoria americana, francamente, é muito modesta (os EUA crescem em torno de 1,7% neste ano) e, por ora, não tem refrescado o nosso comércio externo, dizem as estatísticas.
A desvalorização do real em tese tende a estimular nossas exportações, mas tais mudanças não acontecem de pronto e, enfim, o mercado mundial não é lá comprador.
Parece óbvio que não virão novidades do setor privado. As privatizações de estradas, ferrovias, aeroportos podem ser uma espécie de canja para uma economia resfriada. Melhor que sejam um sucesso, mas não vão fazer diferença tão cedo.
Por ora, fica a impressão entre tediosa e desesperançada de que nos resta só esperar o Fed do mês, o Natal, o Carnaval, a Copa e a eleição.

Vinicius Torres Freire está na Folha desde 1991. Foi Secretário de Redação, editor de 'Dinheiro', 'Opinião', 'Ciência', 'Educação' e correspondente em Paris. Em sua coluna, aborda temas políticos e econômicos. Escreve às terças, quintas e domingos, no caderno 'Mercado'.